A canábis é a droga ilícita mais consumida pela população portuguesa, cujo consumo tem vindo a aumentar, predominantemente, na população jovem e jovem-adulta (entre os 15 e os 34 anos). Este crescimento levanta, inevitavelmente, questões:
Quais os riscos do consumo de canábis para a saúde mental?
Será que a típica expressão “é só um charro de vez em quando, não tem mal” é mesmo assim?
É sabido que o consumo de drogas é um fator de risco para a ocorrência de um surto psicótico, isto é, um episódio definido pela incapacidade em distinguir a realidade da fantasia, frequentemente acompanhado de alucinações (por exemplo, ouvir vozes) ou delírios (por exemplo, delírios persecutórios, em que a pessoa considera que está a ser perseguida por terceiros). A probabilidade de um surto acontecer varia em função da predisposição genética de cada um, ou seja, existem pessoas mais suscetíveis do que outras (tome-se como exemplo pessoas com familiares com perturbações mentais, como a esquizofrenia).
Porém, a canábis apresenta, por si só, algumas particularidades que merecem ser tidas em conta:
1) quanto menor a idade aquando do consumo, maior o risco de despoletar um surto psicótico;
2) existe uma relação entre os surtos psicóticos na adolescência provocados por canábis e o desenvolvimento de uma esquizofrenia na vida adulta;
3) as pessoas diagnosticadas com esquizofrenia, nos períodos de consumo de canábis, apresentam um aumento dos sintomas psicóticos.
Em Portugal, no ano de 2016, surgiram nos hospitais psiquiátricos portugueses 2 231 novos pacientes devido a consumo de cannabis, sendo que, nos últimos quinze anos, o número de internamentos aumentou cerca de trinta vezes. Estes dados reforçam a necessidade de medidas de psico-educação junto dos jovens portugueses, para que tenham um maior conhecimento e, por sua vez, uma tomada de decisão mais consciente. Tomem-se como exemplos, a intervenção nas escolas no sentido da consciencialização face à relação entre os consumos e a saúde mental, bem como providenciar aos pais e educadores estratégias de comunicação empáticas e facilitadoras de pedidos de ajuda.
Existem alguns argumentos que têm potenciado a banalização dos riscos do consumo. Em primeiro, destaca-se o alegado da “predisposição genética” (“Ninguém na minha família possui esquizofrenia”; “O meu amigo fuma há anos e nunca aconteceu nada”; “Nada disso é verdade, só querem assustar”), quando, na realidade, é impossível possuir um conhecimento absoluto sobre a nossa predisposição individual para vivenciar um surto psicótico.
De seguida, destaca-se o argumento do uso medicinal da canábis (“Se a medicina já comprovou os efeitos positivos da canábis, porque deveria parar de consumir?”; “Faz bem à saúde!”). Não obstante, existem alguns aspetos a considerar.
A planta da canábis integra inúmeros cannabinoides na sua composição, da qual se destacam dois componentes ativos como os principais, designadamente a THC (Tetraidrocanabinol) e a CBD (Cannabinol). Enquanto a primeira é responsável pelos efeitos alucinogénios, como as referidas alucinações, a segunda assegura a sensação de relaxamento providenciada pela canábis e, simultaneamente, inibe os efeitos psicóticos da THC.
Sublinhe-se que a cannabis para fins medicinais é rica em CBD, dado o poder desta componente para o alívio da dor, mas a canábis presente no mercado da droga envolve, maioritariamente, a componente THC, dados os intensos efeitos alucinogénios. Para além disto, no domínio da medicina, esta é usada como último recurso. Por exemplo, no sentido de providenciar algum alívio a pessoas com doenças terminais. No entanto, à semelhança de um qualquer medicamento, esta envolve efeitos secundários. Numa investigação com pessoas com cancro, foram evidenciados sintomas como náuseas, sonolência e confusão.
Por último, destaca-se a vulgarização da compra de produtos criados com esta planta, como os brownies ou as bolachas, como outro argumento para continuar os consumos (“Qual é a diferença entre um charro e uma bolacha? É tudo a mesma coisa, se houvesse riscos não era de venda legal!”). Porém, os níveis de THC presentes num “charro” são significativamente mais elevados do que numa bolacha.
Os riscos não envolvem apenas a doença mental, mas a morte. Desde 2010 que as mortes no contexto de acidentes rodoviários devido ao consumo de substâncias tendem a duplicar.
As evidências científicas acima referidas levantam a questão:
Valerá a pena correr o risco?
Na verdade, importa ao consumidor e quem o rodeia pensar que aspetos psicológicos levam a essa necessidade.
As explicações são de Mauro Paulino e Sofia Gabriel, da MIND – Psicologia Clínica e Forense.
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