Falar sobre esta doença é importante porque os doentes, quando diagnosticados, raramente já ouviram falar sobre a mesma e porque a comunidade médica deve colocá-la como hipótese de diagnóstico quando um doente apresenta anemia, fracturas ósseas, cálcio alto ou insuficiência renal por explicar.
O que é o Mieloma Múltiplo?
O Mieloma Múltiplo é um cancro do sangue. Os plasmócitos existentes na medula óssea, que são células produtoras de imunoglobulinas, (os vulgos anticorpos) tornam-se neoplásicos – proliferam a mais. Ao proliferarem a mais, produzem imunoglobulinas a mais (a que chamamos proteína monoclonal) e causam disfunção de órgão (do rim, do osso, ou das células do sangue, causando anemia).
É frequente?
Não. É uma doença que afecta 7,8/100.000 habitantes em Portugal. É a segunda neoplasia do sangue mais frequente. A mediana de idade ao diagnóstico é de 69 anos, afectando ligeiramente mais homens que mulheres e sendo mais comum na raça negra. Estima-se que cerca de 2 mil pessoas tenham actualmente Mieloma Múltiplo em Portugal e o número tende a aumentar.
Porque é que surge o Mieloma Múltiplo?
Não há uma causa definida que provoque Mieloma. É uma doença mais comum em doentes mais idosos, mas ao contrário de outros cancros provocados pelo tabagismo ou com origem hereditária, o Mieloma não tem uma causa definida.
O que é que o Mieloma Múltiplo provoca?
Os plasmócitos clonais produzem imunoglobulinas a mais (que podem ser vistas em análises) e podem causar anemia (descida dos glóbulos vermelhos), insuficiência renal, lesões ósseas e hipercalcémia (subida do cálcio no sangue). Muitas vezes, o doente está assintomático e só apresenta estas alterações em análises ou exames de imagem. Outras vezes, o doente pode apresentar cansaço e dores ósseas (os sintomas mais comuns). Em casos mais graves, o doente pode apresentar insuficiência renal com necessidade de diálise. O Mieloma Múltiplo pode apresentar-se apenas com um destes aspectos (anemia, insuficiência renal, doença óssea, hipercalcémia) ou até com os quatro.
Qual é a causa? Deve rastrear-se?
Não há causa para o Mieloma Múltiplo. Sabe-se que a doença emerge de duas condições prévias (a gamapatia monoclonal de significado indeterminado e o Mieloma Múltiplo Indolente), mas não se sabe porque é que surge. Não é uma doença que se deva rastrear (ou seja, pessoas saudáveis não têm que ver se têm Mieloma Múltiplo). Mas doentes com anemia, hipercalcémia, doença óssea ou insuficiência renal sem explicação devem despistar o Mieloma Múltiplo.
Como se diagnostica?
Com análises que detectam a proteína monoclonal e a categorizam (electroforese de proteínas, imunofixação sérica e urinária e doseamento de cadeias leves livres) e outras que apontem para os aspectos já referidos – anemia, insuficiência renal, hipercalcémia. Deve ser ainda pedido um mielograma (um exame à medula óssea que mostre os plasmócitos neoplásicos) e um exame de imagem (uma TAC ou uma PET-CT ou uma Ressonância Magnética ou, caso as restantes não sejam possíveis, um RX de esqueleto) para detectar lesões nos ossos.
Como se trata?
O tratamento de Mieloma Múltiplo pode ser variável porque depende do doente (por exemplo: é diferente tratar alguém com 55 anos ou alguém com 85 – os doentes mais idosos são mais frágeis, têm outras doenças e condições) e da doença. Nos doentes até cerca dos 70 anos é possível que seja feito um transplante autólogo (do próprio) de medula óssea.
Existem variadíssimos tratamentos de várias classes que são feitos em diferentes combinações, como anticorpos monoclonais, inibidores do proteossoma, imunomoduladores, anticorpos biespecíficos. Alguns dos fármacos são orais, outros endovenosos, outros subcutâneos. O Grupo Português de Mieloma Múltiplo publicou em 2023 as guias de tratamentos da doença na Acta Médica Portuguesa.
O Mieloma Múltiplo tem cura?
Não. O Mieloma Múltiplo não tem cura, mas tem tratamentos – e muitos. É possível viver muitos anos com a doença controlada, mas ainda é impossível dizer que ela tenha sido completamente erradicada. No entanto, neste mês de sensibilização para o Mieloma Múltiplo, é importante salientar que o prognóstico da doença tem subido ao longo dos anos, fruto de muitos novos tratamentos.
Um artigo de Manuel Neves, médico da Unidade de Hemato-Oncologia da Fundação Champalimaud e membro do Grupo Português de Mieloma Múltiplo.
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