A incontinência urinária corresponde à perda involuntária de urina. Mais do que um processo natural, devemos encará-la como uma doença que pode afetar 1 em cada 3 mulheres e cerca de 1 em cada 10 homens. Este é um tema que merece ser trazido à discussão pública dada a sua elevada prevalência que contrasta com o sofrimento silencioso dos doentes. Além do embaraço associado a esta condição, há muita desinformação e mitos à volta deste tema que impedem os doentes de terem acesso aos melhores tratamentos, levando-os muitas a considerar este seu problema como algo normal sobre o qual não vale a pena falar. Talvez seja por isso que só um quarto das mulheres incontinentes decida procurar ajuda médica e destas só 1/2 é que recebe tratamento, na maior parte das vezes anos após o primeiro episódio de incontinência. Infelizmente, até lá, escondem-se nos pensos ou fraldas, ou na roupa escura e sempre com receio de ter algum “acidente” em público, resguardando-se muitas vezes em casa sem sair à rua com vergonha. De facto, apenas uma minoria dos doentes com incontinência recebe cuidados médicos ou cirúrgicos e de forma atempada.
Porque não se fala mais disto se há tanto para fazer? No plano individual é fácil percebermos que a perda involuntária de urina tem um forte impacto na vida destas pessoas, mas no plano social há ainda uma falta de reconhecimento sobre as verdadeiras consequências desta condição.
Como Urologista dedicado a esta patologia desde há uns anos, devo dizer que estes são dos doentes mais desafiantes mas quando lhes consigo devolver a continência urinária vejo dos sorrisos mais sinceros de contentamento da minha prática clínica. A minha aprendizagem sobre incontinência urinária ocorreu sobretudo a partir do testemunho passado pelos meus colegas mais velhos que entendem a incontinência urinária como uma doença cuja história natural é modificável e curável com abordagens personalizadas para cada pessoa. Por exemplo, alguns podem precisar de cirurgias mais ou menos complexas como a colocação de uma “rede” para suportar a uretra ou a neuromodulação sagrada, mas muitos mais, podem ver a sua incontinência resolvida com pequenas modificações simples de estilo de vida, reabilitação do pavimento pélvico ou fármacos dirigidos à bexiga.
Na verdade, assistimos hoje a uma preocupação crescente com as doenças oncológicas e cardiovasculares que realmente têm uma mortalidade associada relevante e que não devem ser negligenciadas, contudo, a incontinência urinária tem também profundas consequências na qualidade de vida das pessoas a nível psicológico, físico, afetivo, social e laboral com elevados custos para toda a população.
Para mudar este cenário, é preciso consciencializar a sociedade sobre esta doença e sobre as suas consequências individuais e sociais. Por outro lado, é crucial elaborar políticas em saúde que apostem na prevenção da incontinência urinária, nomeadamente, o combate à obesidade e a reabilitação do pavimento pélvico antes e após o parto. Por fim, é fundamental deixar esta mensagem de optimismo: embora a incontinência urinária seja uma doença comum, sobretudo em mulheres, isto não significa que as(os) doentes tenham que viver para o resto da vida assim. Felizmente, há múltiplas abordagens terapêuticas, mais ou menos invasivas, que permitem devolver a continência urinária e uma bexiga saudável às pessoas.
Um artigo de Carlos Ferreira, médico urologista.
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