Como nasce a ideia para este livro que reúne nas mesmas páginas mãe e filho, agrónoma e arquiteto paisagista?

O livro surgiu na sequência de um convite que a editora Bertrand, em boa hora, nos endereçou. Aceitámos o desafio, ao qual dedicámos dois anos e, na verdade, foi um projeto que nos deu muito prazer. Existe um crescente interesse para a realização de hortas em meio urbano e, para quem não tem acesso a uma parcela de terreno, a horta em casa é uma forma de alcançar os mesmos objetivos.

A conjugação mãe e filho surgiu pela complementaridade entre as duas áreas de estudo: a horticultura e a gestão de espaço e bricolagem. Formámos uma equipa multidisciplinar ideal para a concretização deste livro, onde a Agronomia e a Arquitetura se misturam. Para além disto, a criatividade, a interajuda e o trabalho sempre fizeram parte da dinâmica da nossa família.

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Na introdução à obra referem o “distúrbio do défice de natureza” uma “doença” decorrente da civilização em meio urbano. Podem pormenorizar?

Embora o “distúrbio do défice de natureza” possa não ser considerado uma doença com sintomas específicos, pressupõe um mau funcionamento e interrupção da sequência normal do crescimento e desenvolvimento, em particular, das crianças. Com o crescimento urbano, cresceu também o afastamento da natureza e descuidou-se o facto de que existe uma necessidade instintiva de contacto com a natureza que tem impulsionado a evolução do homem como espécie. Qualquer ser humano independentemente da sua idade, origem ou capacidade, ao participar em atividades relacionadas com plantas, usufrui dos benefícios dessa relação.

Embora o “distúrbio do défice de natureza” possa não ser considerado uma doença com sintomas específicos, pressupõe um mau funcionamento e interrupção da sequência normal do crescimento e desenvolvimento, em particular, das crianças

Gostaria que especificassem o âmbito daquilo que se entende por horticultura em meio urbano?

A horticultura em meio urbano consiste nas hortas individuais, familiares ou coletivas, de recreio ou hortas sociais, situadas nos ‘espaços em aberto’ urbanos e cujo aproveitamento evita a acumulação de resíduos e entulho, consequência do seu abandono. As hortas em casa, à janela, nas varandas ou terraços, também fazem parte da horticultura urbana.

Em qualquer das situações, as hortas podem ter um papel importante para o bem-estar dos cidadãos; para a melhoria da alimentação e da saúde das populações; para a sensibilização ambiental [por exemplo, a reutilização e reciclagem de resíduos urbanos orgânicos]; e para a conservação de recursos naturais e de ecossistemas no meio urbano. Podem ter fins pedagógicos, culturais e, simultaneamente, fins sociais, facilitando trabalho e rendimento para grupos sociais mais desfavorecidos, diminuindo a pobreza e fomentando o empreendimento, nomeadamente junto de idosos, pessoas desempregadas ou sem-abrigo.

agricultura urbana

Que avaliação fazem desta realidade no nosso país?

Em muitos países, na Europa e noutras partes do mundo, as pessoas no meio urbano têm uma horta num quintal, ou usufruem de uma horta comunitária concedida pelas câmaras municipais nos arredores da mesma ou, ainda, produzem no interior das suas casas, quer seja na cozinha, numa varanda ou no terraço. Em Portugal, esta tendência é relativamente recente, mas têm-se assistido a um crescente interesse e motivação, que tem originado inúmeros projetos neste âmbito em quase todas as cidades de Norte a Sul do País.

O envolvimento das crianças na horta contribui para aumentar o sentido de responsabilidade e a consciência do valor dos alimentos e dos recursos naturais que sustentam a vida do Homem no planeta (o solo, a água, o ar e a biodiversidade).

A maioria das pessoas dispõe de um espaço de dimensões modestas nas suas varandas. É possível aí cultivar alimentos diversos? Podem dar-nos alguns exemplos?

Cada espécie que pretendamos cultivar possui diferentes necessidades de luz e é aí que fazemos as nossas escolhas. Muitas das flores comestíveis e plantas aromáticas podem ser cultivadas dentro de casa próximo de uma janela, já determinadas hortícolas terão de ser cultivadas numa varanda onde a exposição solar é maior (como o tomateiro, por exemplo) e outras, pela dimensão que ocupam, ter-se-á de recorrer a espaços de maior dimensão como um terraço (curgete, por exemplo).

No capítulo do livro “Mãos à Obra”, em cada uma das 55 culturas referidas, encontram-se as condições de luz e de profundidade de solo/substrato que são necessárias. Esta profundidade determina essencialmente o tamanho dos vasos ou canteiros que se devem utilizar.

Obter bons resultados implica muitas horas de dedicação e um conhecimento profundo de cada uma das espécies cultivadas?

Dependendo da ambição de cada projeto podemos ter hortas muito simples, compostas por meia dúzia de vasos à janela, ou hortas mais complexas compostas por canteiros, sistema de rega, compostagem, etc., num terraço por exemplo. Podemos adquirir os vasos e as prateleiras, construí-los ou reciclá-los. Podemos comprar as plantas prontas a transplantar ou podemos produzir as nossas próprias plantas a partir de semente ou de enraizamento de estacas. O grau de complexidade depende sempre dos nossos objetivos e do tempo que decidirmos ou que podemos despender. De qualquer modo, ter uma horta em casa, à medida de cada um, é sempre possível e muito recomendável.

Uma horta em casa

Existe também uma dimensão educativa e pedagógica nesta abordagem?

Claro que sim, pois cultivar o próprio alimento cria a oportunidade, não só de comer produtos biológicos saborosos e saudáveis, como também cuidar das plantas e vê-las crescer o que, comprovadamente, contribui para o bem-estar físico, mental e emocional das pessoas. A horta permite ainda cultivar cores, aromas e sabores para a confeção de pratos, estimulando a criatividade; aprender muitas coisas novas, aumentando o conhecimento; proporcionar bons momentos de lazer; partilhar materiais, plantas e experiências, com a família, os amigos ou com os vizinhos.

O envolvimento das crianças na horta contribui para aumentar o sentido de responsabilidade e a consciência do valor dos alimentos e dos recursos naturais que sustentam a vida do Homem no planeta (o solo, a água, o ar e a biodiversidade).

Em síntese, a horta em casa proporciona uma ocupação útil do tempo, agradável, saudável e gratificante.

Dependendo da ambição de cada projeto podemos ter hortas muito simples, compostas por meia dúzia de vasos à janela, ou hortas mais complexas compostas por canteiros, sistema de rega, compostagem, etc., num terraço por exemplo.

Estimaram qual a poupança mensal obtida com o recurso a uma horta em casa?

Cada um terá de fazer as suas contas, que dependem dos objetivos, dos recursos utilizados e dos resultados obtidos. No entanto, nesta poupança deverão ser contabilizados todos os benefícios que o trabalho na horta proporciona, muitos deles de valor dificilmente mensurável em termos económicos, mas de valor incalculável no que respeita à saúde, qualidade de vida, bem-estar e aumento das relações interpessoais. Estas contas não são fáceis de equacionar, mas acreditamos que se forem consideradas, o resultado económico final é muito positivo.

Não podemos esquecer ainda as vantagens ambientais da horta, que também devem ser introduzidas na contabilidade de custos/benefícios. A horta motiva a diminuição da acumulação de resíduos orgânicos domésticos que, através da compostagem, podem ser utilizados como fertilizantes das plantas no modo de produção biológico; a reciclagem de resíduos inorgânicos, como por exemplo, a reutilização de embalagens de plástico, para diversas práticas como as sementeiras de plantas em viveiro; a melhoria do ambiente urbano em consequência do aumento de áreas com vegetação.

Presumo que na vossa alimentação diária introduzam alimentos provenientes da vossa horta doméstica. Podem dar-nos alguns exemplos de refeições inteligentes com recurso a hortícolas, ervas de cheiro e flores comestíveis?

Também nós estamos em processo de aumentar a horta em casa, mas é um prazer quando utilizamos em saladas folhas baby de alface, rúcula e acelga, quando salpicamos pratos e saladas com germinados e flores comestíveis como o amor-perfeito, quando temperamos pratos e saladas com cebolinho, alho oriental, tomilho, manjericão, salsa e coentro ou, ainda, quando fazemos infusões e aromatizamos queijo e sobremesas com hortelã-pimenta, limonete ou stevia.

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