No espaço de uma hora Vítor Sobral deu uma miniaula de culinária a todos aqueles que assistiram ao seu showcooking que teve lugar no interior do Chef’s Garden. “A ideia era essa”, referiu o chef ao SAPO Lifestyle no último dia de Rock in Rio em que se apresentou no Chef’s Stage. “Quando nós temos um palco para comunicar com o público temos que tentar aproveitar e quando estou em contacto com possíveis consumidores eu tento passar a maior informação que possa.”
O proprietário da Tasca da Esquina subiu ao palco com uma mensagem muito simples: sensibilizar o público para a questão do desperdício alimentar e de que forma podemos utilizar todas as partes de todos os alimentos que entram na nossa cozinha. “O animal quando é sacrificado, ou um legume, temos que aproveitar tudo. Se vou fazer uma sopa, da casca [da cenoura] faço um caldo para a sopa. Tudo tem que ser aproveitado, até os talos das ervas aromáticas. Por exemplo, na minha cozinha não uso nem a pele do tomate nem as sementes, mas para fazer um caldo eu fervo as cascas das cebolas e dos alhos e isso dá mais sabor ao nosso cozinhado. E os ossos dos animais não podem ir fora, têm que ser fervidos para fazer caldo também”, referiu.
Atualmente existem mil e uma formas de aproveitar os legumes e até mesmo a proteína animal que ingerimos diariamente. O chef deu o exemplo ao confecionar uma receita que teve como produto estrela a cabeça de porco. “Tudo nos animais se come”, disse ao público após mostrar a peça de carne que, em seguida, foi cozida, picada, apertada, sendo que para a emulsão foram utilizados cebola e alho escaldados, vinagre, mostarda e maçã escaldada. Depois de refrigerada, deu origem a uma terrina de cabeça de porco condimentada com hortelã, manjerona, pimenta da Jamaica, pimenta-preta e cravinho. O produto final foi servido num pão de leite com rúcula. “Eu sei que é meio assustador aparecer-vos uma cabeça de porco à frente, mas cabe-nos a nós, profissionais, criarmos alternativas para vocês ou fazerem em casa ou poderem comer os produtos que, à partida, são considerados menos nobres cozinhados de outra forma.”
Para quem acha que as famílias portuguesas não estão habituadas a incorporar estas partes menos nobres dos animais na sua alimentação, desengane-se. “Há séculos que nós aproveitamos tudo. Em Portugal, há 20 anos havia talhos de miudezas”, recorda Vítor Sobral sobre esta realidade que parece distante para muitas das gerações mais novas. Então, mas de que forma é possível promover a sua ingestão junto dos jovens e contribuir para uma maior valorização e aproveitamento de todas as partes dos animais? O segredo está na inovação: encontrar novas receitas e novas formas de confecionar este tipo de alimentos de forma a introduzi-los na nossa dieta de forma saborosa. “Se calhar não tenho de comer fígado partido. Faço uma mousse de fígado e como. É aqui que entram os cozinheiros.”
Seja com a cabeça de porco, do peixe ou miudezas, na cozinha a imaginação não deve ter limites quando o tema é reaproveitamento alimentar. Vítor Sobral relembra que “em Portugal sempre fomos muito imaginativos a aproveitar as coisas porque eramos pobres. […] Hoje já não estamos formatados para comer a cabeça em si como ela está, então vamos transformá-la numa terrina. Tem que se pensar como os nossos antepassados faziam”, salienta.
O evento também serviu para apontar alguns dos principais erros que os portugueses cometem em casa: cozinhar com água, em vez de com caldos aromatizados confecionados com restos de alimentos, fazer assados destapados, em vez de os tapar para fazer com que os ingredientes libertem a água e acelerem a cozedura, cozinhar com flor de sal, em vez de a utilizar para temperar a cru, optar por um pão fermentado quimicamente, em vez de pão de fermentação natural. O seu objetivo é que o público leve consigo algumas das lições gastronómicas que partilhou em cima do palco e que faça escolhas mais conscientes na hora de ir às compras. “Nós passamos a vida a defender que devemos ser vegetarianos, veganos e devemos ter cuidado com o planeta e depois temos um consumo que não é inteligente nem cuidado. O que nós temos de comer é menos coisas ruins, processadas e produzidas de forma massificada e aproveitar aquelas que são bem produzidas e que podemos comer.”
Naquele que foi um dos últimos eventos do dia no Chef’s Stage, Vítor Sobral contou com uma presença de peso ao seu lado: Roberta Medina que, ao longo de todo o showcooking, foi colocando perguntas ao chef sobre aqueles que foram os temas centrais deste espaço ao longo do festival: alimentação, saúde e sustentabilidade.
“Super positivo”. É este o balanço que a vice presidente faz desta 9ª edição do Rock in Rio que contou com a criação do Continente Chef’s Garden: um novo espaço de restauração com diversos pratos criados por quatro chefs portugueses: Vítor Sobral, Justa Nobre, Noélia Jerónimo e Miguel Castro e Silva. “Se conseguimos fazer uma operação da dimensão do Chef’s Garden com produtos locais e sazonais, a primeira coisa que fica para mim para o futuro é que é possível ampliar este conceito, não sei se para 100% da Cidade do Rock, mas para muito dela. Outra coisa que eu tenho pensado muito é como nós, inclusive, podemos ser uma ferramenta de partilha, de educação e formação para os próprios operadores que estão aqui dentro, que eles possam ter outro tipo de critério, para temos a certeza de que quem está a operar aqui dentro tem os cuidados de não desperdício. A nossa intenção é sermos provocadores, pois não somos especialistas, mas irmos provocando para que mais parceiros mudem”, disse ao SAPO Lifestyle após o evento que teve como temas principais o combate ao desperdício alimentar e a produção sustentável e biológica.
Ainda que com os seus desafios e aprendizagens, nas palavras de Roberta Medina este é claramente um formato a repetir. “Vamos digerir tudo o que aconteceu por aqui, mas acho que já foi um passo vitorioso e um passo muito bem-sucedido.”
Recorde-se que o Rock in Rio tem como meta tornar-se, até 2030, um evento Zero Desperdício Alimentar. Tendo em conta aquilo que já foi implementado este ano – como a adoção da dose certa por parte dos chefs, ao nível das embalagens utilizadas dentro do recinto e da separação de resíduos -, a vice presidente diz que os próximos passos passam pela “consciencialização e formação dos parceiros” nas edições que se seguem. “Tem muitas mensagens [que é preciso passar] e como nós chegamos a muitas pessoas, se pudermos ir aos pouquinhos reforçando, acho que conseguimos ajudar”, remata.
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