A sardinha (Clupea pilchardus), comum nas costas atlânticas entre França e Marrocos, é desde há séculos um verdadeiro símbolo português (a par do bacalhau) e muito mais do que um mero pitéu gastronómico.
A pequena sardinha sustentou muitas populações, sobretudo rurais, pulou para a nossa literatura, canções, contos, jogos populares, pregões e festejos. Quem nunca utilizou expressões como “estar como sardinha em lata”, “chegar a brasa à sua sardinha”, ou “sardinha sem pão é comer de ladrão”?
Por outro lado, algumas crenças ligaram a sardinha a problemas de saúde. Um facto que não destronou este peixe da mesa, nem lhe desfez o nó com a indústria conserveira, importante fonte de exportação a partir do século XIX. A “nossa” sardinha rumou, então, a outros mercados com o nome Portugal.
Paralelamente a investigação nutricional colocou a sardinha no seu devido lugar: O peixe está associado aos bons hábitos alimentares. A espécie é rica em baixas calorias, proteínas, ácidos gordos, potássio, iodo, cálcio, fósforo, ferro e vitaminas. Também provou ser um auxiliar na diminuição do risco de acidente cardiovascular agindo, ainda, sobre o colesterol e hipertensão.
A sardinha nacional conta com um vasto receituário. Um estar à mesa que nasceu do muito engenho e da necessidade de diversas populações ao longo da história. À sardinha, a sabedoria popular acrescentou toda a espécie de ingredientes, fruto dos recursos locais.
Dois exemplos: Perdizes com sardinhas ou a espetada de sardinhas. Outras receitas incluem a açorda ou a caldeirada de sardinhas, o arroz com as mesmas, migas com tomate e sardinhas. Contudo é na brasa que o português melhor aprecia esta espécie. Basta um simples fogareiro, uma grelha, carvão e um abanico.
Mas desengane-se quem julgue que no assar não há arte: Há, primeiro, que sacudir o peixe do sal; levá-lo inteiro à grelha, enquanto o fogo já se encontra no ponto. O carvão calcula-se em relação à quantidade de sardinhas a assar. A grelha entra, fica e sai da brasa no momento exacto, no ponto em que a sardinha assa uniformemente, soltando o pingo de gordura. O pão recebe a sardinha ainda quente, fumegante, soltando a pele e deixando perceber a carne branca e deliciosa.
A sardinha na história:
A atual paixão dos portugueses pela sardinha tem uma origem no território da Península Ibérica anterior à nossa nacionalidade. Julga-se que já os Fenícios salgavam a sardinha. Com os Romanos, a sardinha, depois de salgada, viajava em ânforas, desde a Ibéria para todo o mundo romano. O peixe chegou à península itálica, Gália, Inglaterra e África.
Na Lisboa do século XIII, a população pobre alimentava-se de bacalhau e sardinha e no século XIV os excedentes deste peixe eram salgados em locais apropriados na zona da Ribeira, onde se adquiria fresco, salgado e defumado. Corria 1387 e o reinado de D. João I, Mestre de Avis, quando a pesca da sardinha se viu protegida por carta, permitindo aos moradores do Porto a captura da espécie em águas de Lisboa e Setúbal. Em 1456 foi, por seu turno, permitida a captura de sardinhas ao domingo e em dias santos, exceção feita às festas de Jesus Cristo e da Virgem Maria.
A atual paixão dos portugueses pela sardinha tem uma origem no território da Península Ibérica anterior à nossa nacionalidade.
Com o século XVII e a escassez da sardinha em Lisboa houve, inclusivamente, pesadas multas (inclusivamente o degredo) para aqueles que extraviavam o peixe da capital para outros destinos.
Vem do século XVII o hábito de comer a sardinha sobre o pão. A prática era comum entre as populações mais pobres que esfregavam a sardinha assada na côdea para lhe conferir sabor e com isso enganar a escassez do alimento.
A Sardinha “moderna”
No início do século XIX, o chefe francês Nicolas Appert inventou o princípio das modernas conservas, aplicando a esterilização pelo calor. Um pouco mais tarde, O. Dumand patenteava em Inglaterra, a Folha-de-Flandres. O material permitiu o processo de conservação num recipiente. Em 1824 decorreram os primeiros ensaios de conservação de sardinha em azeite e surgia a primeira fábrica de conservas.
Em Portugal a indústria conserveira chega em 1865, com uma fábrica de conserva de atum em Vila Real de Santo António. Por sua vez, em Setúbal instalou-se em 1880 a primeira unidade portuguesa de conservas de sardinha. Outras localidades seguiram o exemplo e, no início do século XX, laboravam em Portugal cerca de 400 fábricas de diversas dimensões. Portugal, beneficiando da crise das pescas francesa, alcança uma posição invejável na exportação de conservas por altura da Grande Guerra.
Em 1938 Portugal produziu 40 mil toneladas de sardinha em conserva.
Muito embora a indústria conserveira esteja atualmente longe dos seus tempos áureos, ainda hoje a sardinha, seja em azeite ou óleo, em tomate ou em molho de escabeche, encontra um mercado considerável além fronteiras.
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