A autora do livro “Dietas Sem Castigo” considera urgente a revisão das ementas escolares e dá sugestões aos pais para não exagerarem nas guloseimas nas festas de aniversário dos seus rebentos.
Parece existir uma contradição entre o que aprendemos e o que fazemos. Consumimos guloseimas, gorduras e sal em excesso, vegetais e frutas a menos… As acções/campanhas de sensibilização ajudam a tomar consciência do problema ou necessitamos de medidas mais concretas?
Essas regras aprendem-se agora, e de há uns anos para cá, fazendo parte do currículo escolar em vários graus de ensino. Mas, em simultâneo, as campanhas publicitárias que versam produtos menos saudáveis são cada vez mais e dirigidas sobretudo às crianças, que, em determinadas idades, as confundem com qualquer outro programa infantil. Se a escola, que emana essas regras, não for exemplo de boas práticas como não o tem sido, e continuar a disponibilizar aos alunos os alimentos que apregoa como pouco saudáveis dentro da sala de aula, como poderão os alunos fazer uma escolha acertada e consciente? Penso que é sobretudo a escola que poderá contribuir para inverter a situação seguindo as recomendações ministeriais para melhoria da oferta nas cantinas, bufetes escolares e máquinas de venda automática, e tendo o cuidado de fazer ementas saudáveis mas que também agradem aos alunos.
O que levar para o lanche, quando este é preparado em casa, para que seja agradável e não repetitivo?
O lanche deve ser composto por alimentos de grande densidade nutricional mas com baixo teor calórico. Ora, os alimentos de “pacote” postos à disposição dos alunos são habitualmente o contrário disto, muito calóricos, cheios de gordura, açúcar ou sal e pobres em vitaminas e minerais, por exemplo. Por isso, muitas vezes é realmente preferível levar a merenda de casa, incluindo um alimento do grupo do pão (pão, cereais, bolachas sem açúcar), outro do grupo do leite (leite, iogurte ou queijo magro) e fruta ou legumes (cenoura, por exemplo). As nozes ou outros frutos secos poderão ser utilizados como fornecedores proteicos em vez de fiambre ou queijo. É importante variar, quer o tipo de pão, quer o recheio, quer os frutos. Poderá consultar no meu livro “Dieta sem castigo” como executar uma tabela que lhe dará sugestões para combinar diferentemente os ingredientes e assim variar estas merendas.
E nas cantinas escolares, o que escolher?
Em minha opinião, é importante e urgente que se revejam as ementas das cantinas uma vez que é sabido que muitas vezes os alunos as evitam procurando as máquinas de venda automática. Apesar de, actualmente, haver uma preocupação generalizada para que as ementas sejam equilibradas, muitas vezes a sua confecção não agrada aos seus utilizadores. Há que conjugar a alimentação equilibrada com o gosto dos alunos porque, se não for ao seu gosto, de nada serve que seja equilibrada uma vez que não a comem.
Os hábitos em casa também são importantes. O que podem os pais cozinhar e como devem dar o exemplo?
Os pais são os primeiros responsáveis pela educação dos seus filhos e mesmo não tendo tido formação em alimentação, deverão tentar pôr em prática os ensinamentos da escola e ser, eles próprios, também exemplos de boas práticas. Muitas vezes o esforço de mudanças alimentares realizado nos infantários e escolas é posto em causa pelo mau exemplo dado em casa. Os pais saem de casa sem o pequeno-almoço, não comem sopa, consomem produtos de “pacote” com frequência, têm o frigorífico repleto de refrigerantes, etc., etc. Em relação ao modo de confeccionar os alimentos é importante que reaprendam formas tradicionais de confecção como as caldeiradas ou as jardineiras que, quando confeccionadas com pouca gordura (incluindo azeite), são pratos com muito sabor, muita cor e nutricionalmente muito ricos.
Como evitar as guloseimas nas festas de anos? Não é só o bolo ou o salame de chocolate. Hoje em dia é comum os pais do pequeno aniversariante darem um saquinho com muitos doces a cada membro da turma, desde o infantário...
Na verdade parece que as crianças só se divertem e são felizes se forem “bombardeadas” com guloseimas. Concordo que os doces devem fazer parte de ocasiões festivas mas muitas vezes tornam-se quase rotina semanal pois, além das festas privadas de aniversário geralmente realizadas ao fim de semana, os próprios infantários ou ATL comemoram os aniversários de todas as crianças com bolo e refrigerantes. Ora, com a quantidade de crianças existente nestas instituições, facilmente se compreende como isto deixa de ser um consumo ocasional…Nas festas em casa do aniversariante, era desejável que se reduzisse a quantidade de doces e guloseimas, cheias de açúcar e corantes, e que em cada saquinho as crianças levassem outro tipo de surpresas como balões, canetas, bolas ou outros brinquedos, que hoje em dia se encontram com facilidade a preços muito acessíveis.
Como se explica a presença de máquinas de vending com chocolates e guloseimas dentro das escolas em vez da distribuição de fruta, por exemplo?
A explicação tem a ver com motivos economicistas. O congestionamento do bufete nos intervalos requereria mais funcionários para “dar vazão” aos pedidos. Mas também há muitas escolas que daí obtêm proveitos para o financiamento de várias actividades. Não sou contra a existência destas máquinas, mas pela substituição do seu conteúdo. Se fornecerem sandes, cereais, fruta ou sumos de fruta naturais, iogurtes, frutos secos ou desidratados poderão estar a contribuir para melhorar a saúde dos alunos enquanto satisfazem os outros requisitos. Não nos esqueçamos de que as crianças, tanto na escola como em casa, comem o que tiverem à disposição para comer e são os adultos que devem fazer essa opção. A água, bebida de eleição em termos de saúde, deve estar à disposição dos alunos e ser gratuita.
Quais as doenças associadas à obesidade a que as crianças estão sujeitas e como se manifestam?
A obesidade é por si só uma doença que pode tornar-se crónica quanto maior for o seu grau e quanto mais cedo se instalar. Com ela podem surgir muitas outras doenças associadas ao Síndrome Metabólico que se caracteriza por excesso de gordura acumulada sobretudo à volta da cintura, elevados níveis de açúcar e triglicerídeos no sangue, aumentos dos níveis de LDL (o “mau colesterol”) e diminuição das HDL (o “colesterol “bom”) e hipertensão arterial, elevando grandemente o risco de doença cardiovascular e de diabetes do tipo 2. O excesso de peso pode ser ainda um factor agravante de problemas respiratórios, apneia do sono ou problemas osteoarticulares. Além destes, não nos poderemos esquecer de que as crianças que sofrem de excesso de peso são muitas vezes alvos de “chacota” entre os seus colegas o que provoca habitualmente um sentimento de rejeição e de desintegração social com consequências psíquicas e emocionais importantes.
«O presidente da Sociedade Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo (SPEDM), José Luís Medina, defendeu, no Porto, ser urgente que Portugal adopte medidas de saúde pública "agressivas" para combater a obesidade. O médico defende que estamos perante uma situação grave e em crescimento, pelo que se deve apostar na sensibilização das camadas mais jovens da população.» (notícia do Público, 23 de Janeiro 2008). A questão é: o que é que o Estado/Ministério da Educação pode fazer no sentido de minimizar o problema?
Como já referi anteriormente, é importante que o Ministério da Educação imponha regras para que a teoria ensinada na escola possa estar em sintonia com a prática, isto é, para que a alimentação fornecida na escola não colida com os princípios ensinados no curriculum escolar, que é o que tem acontecido até à data. O ministério da Saúde poderá ser uma peça importante na detecção e correcção dos casos de obesidade e pré-obesidade, através do rastreio do Índice de Massa Corporal (relação entre o peso e a altura) feito em cada escola. Nos casos de sobrepeso, os pais deveriam ser informados e alertados para as suas consequências. O tratamento deveria ser efectuado nos centros de saúde, com técnicos especializados.
Julgo também ser importante uma acção concertada de ambos os ministérios numa campanha publicitária que vise promover alimentos saudáveis, quer através dos media quer através de acções e cartazes a afixar nas escolas usando, para o efeito, ícones da juventude como músicos, actores, modelos, etc.
Quais são as reais necessidades energéticas de uma criança “normal” e de que forma equilibrar o regime alimentar?
As necessidades energéticas de uma criança variam com a sua idade e género e com o nível de actividade física praticado. No entanto, a energia é apenas um dos factores a ter em conta em cada idade. É importante focarmos a atenção nos nutrientes imprescindíveis ao seu crescimento e desenvolvimento como sejam proteínas, hidratos de carbono, gorduras, vitaminas e sais minerais. Estes devem ser conjugados em diversas proporções conforme a idade e em quantidades que permitam manter um peso saudável. Se houver dúvidas, o melhor será consultar o pediatra, o nutricionista ou livros que disponibilizem essa informação.
Ana César Costa