“Os mariscos são alimentos de luxo na relativa raridade em que nos aparecem, até porque a sua reprodução é lenta e a procura enorme”, diz-nos Mário Varela Soares no seu livro “Mariscos – os Frutos do Mar” (Colares Editora).

Sendo, hoje em dia, um alimento muito apreciado, o marisco começou a ser procurado pelo Homem na era do Paleolítico Superior. Prova disso são as conchas de bivalves  deixadas em grandes quantidades nos seus refúgios e os amuletos e joias elaborados a partir das suas cascas.

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No entanto, os frutos do mar não foram apreciados pelas primeiras civilizações. Os egípcios classificaram-nos de perigosos e impuros. Os hebreus rejeitavam, com base na religião, o consumo de seres do mar “que não possuem escamas nem barbatanas, que se alimentam de dejectos e apodrecem fora de água”.

Já os gregos cantavam em verso as vantagens dos bivalves. Os filósofos regalavam-se com o sabor das ostras, ouriços do mar, caranguejos e mexilhões, inventando, a partir daí, o conceito de ostracismo: O nome da pessoa a banir era inscrito nas ostrakon (cascas de ostra), que depois se apresentavam a voto.

Os romanos, mais amantes da boa mesa, consumiam grandes quantidades de peixe e de marisco. Criaram sofisticadas técnicas de conservação, os primeiros viveiros e lançaram os rudimentos da piscicultura e da conchilicultura.

Durante a Idade Média, a fome que grassava pela Europa não permitia estes luxos alimentares. Mas o marisco não terá sido completamente esquecido, contrastando as mesas faustosas de alguma nobreza com a alimentação miserável do povo.

Choques térmicos e mão certeira. Os segredos do marisco nas palavras de um marisqueiro
créditos: Maria Labanda/Unsplash

Em Portugal, a primeira menção ao marisco foi recolhida pelo historiador Oliveira Marques e reporta a 1473: “Estava D. Afonso V a residir em Santarém e quase todos os dias se compravam peixes para a mesa real que as peixeiras traziam às dúzias, ao cento e até à unidade. As qualidades de peixe são poucas, apenas linguados, azevias e salmonetes, alternando com um único marisco, ostra”.

Em 1552, um relatório faz referência a “cem mulheres que vendem marisco e são muito ricas”, na “grandeza e abastança de Lisboa”.

Além disso, sabe-se que o Infante D. Henrique, além de navegador, recebia a dízima dos navios portugueses e castelhanos que pescassem, nas águas do Algarve, pescada e ostra.

Referências à lagosta são encontradas na obra de Frei Luís de Sousa sobre a vida do Frei Bartolomeu dos Mártires. Conta-se que este santo recusou comer a lagosta que lhe era oferecida no refeitório do Convento de São Domingos de Benfica, por ser véspera de São João e dia de jejum. Depois de morto, Bartolomeu continuou a dar provas da sua grandeza. Na festa da trasladação, que juntou 30 mil pessoas, deu-se o milagre da abundância nas redes dos pescadores. A maior parte do peixe, conta Frei Luís de Sousa, eram pescadas ruivas e lagostas, que se vendia quase de graça à população de Braga e Viana.

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créditos: Tommaso Cantelli/Unsplash

A sabedoria popular recomenda que se coma marisco nos meses sem “r”, isto é, no inverno. Já no século XVII, o mestre de cozinha da Casa Real de D. Pedro II, Domingos Rodrigues, afirmava: “qualquer marisco fora do seu tempo é menos saboroso, e mais danoso. Esta é a razão porque as santolas, sapateiras e amêijoas são melhores no inverno. As lagostas, camarões, ostras e berbigão no verão e os mexilhões e caranguejos no outono, porém devem ser colhidos desde a lua cheia até à lua nova”.