
A Isabel celebrou há pouco tempo os dez anos do seu blogue, o Cinco Quartos de Laranja. Uma década é tempo para amadurecer um projeto. Como o vê hoje em dia?
Vejo o Cinco Quartos de Laranja como um projeto que se foi construindo. Começou por ser uma brincadeira informal. Era professora e senti necessidade de ter algo para além da atividade profissional. Ao criar o Cinco Quartos de Laranja pretendi exprimir a minha criatividade. Estes dez anos têm sido a concretização de uma viagem em torno dos sabores, dos afetos, de tudo aquilo que de bom rodeia a comida e entronca na minha própria vida. O Cinco Quartos de Laranja gira em torno de conceitos: a felicidade à volta da mesa, a comida prática e saborosa, o recurso a muitos legumes.
Quando criou o seu blogue, em 2006, a blogosfera era um espaço muito diferente daquele que conhecemos hoje. Como recorda esses tempos?
Havia muito poucas páginas. Em concreto, aquilo que existia em português, salvo raras exceções, acabava por ser temporário. O meu Cinco Quartos de Laranja terá sido um dos primeiros blogues, mantendo-se em contínuo e crescendo ao longo destes dez anos.
O livro de Joanne Harris, Cinco Quartos de Laranja, acabou por apadrinhar o seu blogue. Foi uma leitura marcante pelo que se percebe.
Sim. Esta autora fala de comida de uma forma deliciosa. Mas o que verdadeiramente me chamou a atenção nesta obra liga-se ao facto da protagonista ter recebido como herança de sua mãe um livro de receitas. Contudo este livro não tem apenas receitas, guarda sentimentos, vivências, afetos. Gostando eu de cozinhar, já em miúda fazia bolinhos e guardava as receitas dos pacotes de açúcares, foi fácil fazer a ligação entre esse facto e esta relação mais emocional com a comida e, no fundo, com a vida.
É esta a fórmula para conquistar as pessoas?
Julgo que não há só um aspeto. Quem me segue gosta das receitas, da forma como escrevo, da fotografia, do relato das viagens. É um composto de abordagens.
Com o passar dos anos a Isabel acabou por alargar o âmbito do seu blogue. Quer contar-nos?
O que começou por ser uma pequena aventura pessoal acabou por ter uma enorme aceitação por parte dos leitores. O meu blogue tem crescido todos os anos em termos de respostas, comentários, visitas. Entretanto surgiram solicitações, como por exemplo os workshops. O Cinco Quartos de Laranja impôs-se e eu deixei. Hoje manda um pouco em mim [risos].
Há uns anos chegaram os livros. Já tem dois títulos publicados, certo?
Quando a editora Marcador me convidou para publicar o Cozinha Para Dias Felizes, fiquei muito satisfeita. O livro é uma imagem do blogue, com memórias, viagens à volta da comida, receitas com ingredientes muito portugueses. Entretanto, pela mesma editora, acabo por publicar Delicioso Piquenique, com comida para levar para fora. Comum aos dois livros, o facto de integrar ingredientes portugueses menos conhecido. No primeiro livro introduzi, por exemplo, a muxama de atum do Algarve. No segundo livro, as túberas, conhecidas como as nossas trufas. Uma ligação ao que é português, às nossas origens. No fundo trata-se, aqui, de um alerta.
Entretanto também se abriram as portas da televisão.
Colaboro regularmente com a RTP no programa A Praça. Tem sido uma experiência deliciosa.
Um contato com o público também consubstanciado nos showcookings que realiza?
Comecei por fazê-los no Porto. Entretanto foram surgindo os convites. É uma oportunidade de partilhar experiências com os participantes. O blogue permite isso através de um ecrã. Mas ao vivo, cara a cara, é diferente. Acaba por complementar todo o trabalho de bastidores do blogue.
Na próxima página fique a saber quais os blogues que Isabel Zibaia segue regularmente
No panteão atual dos blogues quais admira?
Quando comecei a minha página deslumbrei-me com um blogue brasileiro o Chucrute com Salsicha. Atraiu-me a fotografia, a escrita, as composições dos pratos. Já em inglês sigo o Cannelle et Vanille e o La Tartine Gourmad. Chamaram-me a atenção pela fotografia. Refiro, ainda, um blogue americano, o Tea & Cookies. Neste caso, a escrita é cativante.
Como é o convívio entre blogueres e chefes de cozinha?
Têm um papel complementar. São duas realidades diferentes. Os blogues chegam a um público. Os chefes têm um trabalho diferente. Antecipam tendências, criam, inventam muito daquilo que os blogueres depois executam. Aliás, aprendo muito com os chefes. Dou um exemplo. No decurso de um showcooking com o chefe Vítor Sobral, aprendi que devemos tirar a pele aos pimentos. Agora passo essa informação nas minhas ações. Outro exemplo. Temos o privilégio de entrar na cozinha de grandes chefes. Depois, com a nossa escrita, “convidamos” quem nos visita a conhecer os espaços destes obreiros da cozinha.
Entre a gestão do blogue, o lançamento de livros, os cursos, a televisão, não sente que se tornou um pouco empresária?
Considero-me uma empreendedora, no sentido em que promovo as minhas ações, faço os contatos, negoceio as condições. Ou seja, não me restrinjo às atividades que o blogue me propicia, faço o meu caminho.

Voltemos à cozinha, que ingredientes não dispensa na hora de criar?
O azeite, o pão, o alho e a cebola, o arroz, as ervas aromáticas, o tomate. Estes estão sempre na minha cozinha. É claro que estamos a falar de uma realidade muito grande. É difícil categorizar. Por exemplo, há legumes que adoro assados no forno. Sendo assados ganham um excelente sabor caramelizado.
E, pelo contrário, um ingrediente com o qual embirre em particular?
Confesso que a Sálvia me desagradou aquando da primeira utilização. Numa viagem que fiz a Itália comi Sálvia frita com tortellini. Todo um mundo se abriu. Acabei por descobrir Sálvia em pó. Não perco a cabeça por este ingrediente, mas já o vou utilizando. Outro ingrediente que aprendi a gostar é a beringela. Também não tinha uma relação muito simpática. Uma vez mais Itália mudou a minha perspetiva. Julgo que tudo parte da abordagem que fazemos ao alimento.
Já percebemos que tem paixão pela cozinha portuguesa e italiana. Que outras cozinhas a cativam?
A cozinha indiana, com os seus caris, as misturas de especiarias. Também um pouco a Tailandesa, com a sua mistura de legumes. Mas, acima de tudo, a cozinha portuguesa e os ingredientes que definem a mesa mediterrânica.
Passarem dez anos, presumo que a Isabel queira mais dez anos de vida para o seu blogue. Quer partilhar connosco alguns dos seus passos futuros?
Confesso que gostaria muito de prolongar esta colaboração na televisão. Gostava de continuar a escrever para órgãos de comunicação social. Também pretendo continuar os workshops. O ano passado comecei um trabalho interessante com crianças integradas no espaço biblioteca. Isto, à volta dos livros. Neste caso alargando o âmbito e não me cingindo a obras de gastronomia, embora o elemento comida acabe por estar presente. No fundo trata-se de passar experiências.
Jorge Andrade
Fotos: Cinco Quartos de Laranja
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