Para além dos constantes paralelos que podemos estabelecer entre os respectivos modos de produção, preparação, ritos, formação de variedades e tradições, e por muito que isso o possa surpreender ou até parecer algo estranho, a verdade é que o chá e o vinho proporcionam ligações maravilhosas, sofisticadas e estonteantes: deixe-se tentar por um Gunpowder com umas gotas de Porto Tawny ou pela conjugação de um Douro jovem, de taninos abertos, com um Souchong aparentemente esmorecido. Mas perante um excelente chá, por que não bebê-lo puro? Ou então deixá-lo infundir-se com especiarias, frutos, flores ou outras plantas que o aromatizem e assim o enriqueçam.

Faça os seuspróprios “blends” de aromas, cores e sabores e descubra-se numa infinita paleta sensorial graças ao chá... De origem simples, o chá fez-se a si próprio: é uma bebida de eleição, tal como o vinho, a começar pelos rituais de consumo que lhe estão implícitos. E disponibiliza uma riqueza de taninos, aromas e sabores que enleva o verdadeiro “gourmet” em tantos e tão especiais momentos. Provavelmente, o chá foi mesmo obra do acaso. Conta-se que um imperador chinês, Sheng-Tung, em 2737 AC, ordenou que apenas se bebesse água fervida em épocas de grandes epidemias, tendo os seus conselheiros verificado, sensatamente, que esta precaução diminuía, de facto, o perigo de contágios. Porém, certo dia, folhas e rebentos de “Theaceae Camellia Sinensis” misturaram-se no recipiente do imperador, que estava cheio de água ainda quente. Pouco depois, Sheng-Tung terá sentido no primeiro gole de chá de toda a História um novo aroma, saboroso e estimulante... Um provérbio chinês diz que quando alguém tem chá ou vinho para oferecer é porque dispõe de muitos amigos. E comprova-se que o apreciar do chá pacifica o organismo, enquanto confere um enorme prazer e proporciona um ambiente especial.

Não por acaso, esta bebida é hoje a mais consumida a seguir à própria água. Diariamente, consumimos neste planeta qualquer coisa como dois mil milhões de chávenas de chá, que se apresenta numa tal diversidade de propostas que sabemos, garantidamente, ser sempre possível encontrar a variante que mais condiz connosco, num determinado momento e ambiente, em busca dos aromas que queremos sentir. Tal como no vinho, também no universo do chá constatamos que da mesma planta derivam variações múltiplas que proporcionam diferentes possibilidades para apreciarmos sem pressas. Do mesmo modo, essas variantes são inerentes às características geográficas dos “jardins” onde são colhidas, à idade da respectiva árvore, ao tempo de oxidação a que se sujeitam as folhas na sua preparação, e à forma como se apresentam depois. Nesta prazenteira volta ao mundo, o “gourmet” tem ao seu dispor um vastíssimo leque de aromas, cores e sabores. Sinta-os, cada um no seu momento...

  • Chás de todo o mundo
    Paleta de cores, aromas e sabores

    Desde a doçura e grande presença aromática do Darjeeling até à força, generosidade e adstringência dos chás do Assam, que se equilibram bem com o açúcar ou o leite, nesta prazenteira volta ao mundo passemos também pelo Ceilão, pela região do Uva, que nos proporciona chás fortes e escuros. Ou então pela província do Seidang, que origina os famosos Ling Ching, aveludados, delicados e frescos. E prove, com o seu tempo de resguardo, os infinitos chás verdes, cujas folhas se infundem em pouco tempo, com o aroma a terra molhada, a madeira, a amoras e a flores. Destes, há que passar pelos chás verdes japoneses Sencha e Bancha, as principais variedades do Genmaicha, misturados com milho e arroz tufado. Experimente ainda um marcante Gran Yunnan, cujos taninos não esquecerá, com o seu inconfundível perfume de mel, ou os chás da província de Anoi, os Keemun, com notas únicas de malte e chocolate. Não deixe de provar o suave chá verde Gunpowder, da região chinesa de Guanxi, e, se tiver oportunidade, os semi-fermentados da ilha Formosa, que produz os Oolong de melhor qualidade, nem amargos, nem acres, frutados e de tons vermelhos acobreados na infusão.

No rol de chás africanos, geralmente muito fortes, escolha os do Quénia, por exemplo, e constatará quão similares são aos chás do Assam.

Esta pequena sugestão de viagem degustativa fez-se em torno de chás puros. Mas as misturas (“blends”) entre chás de vários “jardins”, regiões e até continentes podem dar excelentes resultados. Muitas dessas misturas são mesmo famosas: Earl Grey (“blend” criado na China por Edouard Grey, conde de Falllodon, um chá composto por vários chás chineses com essência de bergamote) ou o lote Breakfast (à base de chás do Ceilão e de Assam).

Outras misturas famosas conquistaram lugar de preferência entre os consumidores: misturas de chá com flores (como é o caso do delicioso chá de jasmim, que é espalhado conjuntamente com flores de jasmim durante o processo de oxidação), com especiarias, com ervas aromáticas, ou mesmo com bebidas alcoólicas – o Jagerte e é um chá com adição de rum, que apresenta um sabor requintadamente fora do comum.

Correctamente definido, o chá é a infusão, no sentido literal de imersão, de folhas e/ou botões de uma árvore específica – a “camellia sinensis” – em água muito quente. Estas folhas oblongas, ou os botõezinhos de jovens folhas enroladas, são preparadas segundo um processo milenar que envolve distintas fases: oxidação, fermentação, secagem, escolha e, eventualmente, mistura com outras plantas, ervas, especiarias ou frutos secos.

Também é comum chamar-se “chá” a toda e qualquer infusão de frutos, ramos, ervas ou flores, mesmo que, na verdade, não contenha verdadeiras folhas de chá. A estas bebidas seria mais correcto chamarmos infusões ou tisanas, uma vez que a palavra “chá” pressupõe uma ligação etimológica à planta de onde provem.

É o caso do incorrectamente denominado “chá” de Camomila, de aroma suave e delicado, com propriedades calmantes, ou o popular “chá” de limão, que gostamos de beber frio ou quente, conforme as ocasiões e épocas do ano.