São cinco os quilómetros que nos separam da entrada da Terramay até chegarmos ao coração do projeto. Um dia também será um hotel, mas hoje já tem atividades quanto baste, desde uma horta biológica, produção animal, um restaurante e até um movimento, o Soil to Soul, que culminou num evento que aconteceu no início de maio, no espaço Manja, em Lisboa. Trata-se de um projeto de agricultura regenerativa, em pleno concelho do Alandroal, no Alentejo, com vista para Espanha, e o sonho de Anna e David de Brito, o casal luso alemão, que nos recebe na herdade, e do sócio Thomas Sterchi, neste momento a viver em Zurique.

Alimentar através de um projeto de agricultura regenerativa. A Terramay quer mudar conceitos a partir do Alentejo
créditos: Daniela Costa

A vista, aliás, é uma das coisas que nos faz suster a respiração. Estamos também nas terras do grande lago, o Alqueva, o que logo à partida pode denunciar aquilo que os nossos olhos podem esperar. “Estivemos à procura [de um terreno] em todo o lado e achamos que o Alentejo é um dos sítios que ainda não está muito explorado. Acreditamos no potencial do Alentejo para um turismo sustentável e para um turismo que não seja como aquele do Algarve, de massas”, explica Anna. A proximidade com a água era fundamental para, por um lado, servir de suporte à herdade e aos animais, por outro a pensar em atividades lúdicas e turísticas.

A herdade com 562 hectares, emprega 26 pessoas, e trabalha várias vertentes da permacultura à agrofloresta. Na produção animal, apenas trabalham com raças autóctones como vaca mertolenga, porco preto, cabra serpentina, ovelha merino e galinhas. Têm ainda criação de cavalos lusitanos, produção de mel e plantam mais de 100 variedades de hortícolas. No verão esse número duplica.

O objetivo do projeto é “promover a importância da saúde dos solos, da consciência alimentar e o combate à desertificação”, como podemos ler no site Terramay. Ao mesmo tempo querem produzir “alimentos com padrões elevados de qualidade, garantindo o respeito por todos os elementos da natureza”.

Alimentar através de um projeto de agricultura regenerativa. A Terramay quer mudar conceitos a partir do Alentejo
O casal Anna e David de Brito.

“A ideia é construirmos aqui uma comunidade onde as pessoas têm perspetiva em termos de carreira”, afirma ainda Anna, na visita à propriedade, em relação aos envolvidos no projeto Terramay.

Mas de onde surgiu este grande e ambicioso projeto que se está a tornar aos poucos um motor na região? Da preocupação de deixar algo para as gerações futuras. Essa ideia enraizou-se no casal com o nascimento dos três filhos, sendo que o mais novo já nasceu em Portugal, com todo o projeto a acontecer. Algo improvável para um casal que trabalhava com startups na Suíça, depois de um background na área das artes, como a carreira de atriz de Anna, ou a carreira como assistente de televisão de David. Uma tradução da máxima “Deus quer, o homem sonha, a obra nasce”, relembrando uma passagem de “A Mensagem”, de Fernando Pessoa, e um exemplo de que nada é impossível.

“Vimos uma Ted Talk do Allan Savory, que fala sobre a desertificação e para mim foi um alerta enorme porque tínhamos quase dois filhos nessa altura [em 2015], e não vou deixá-los a viver neste mundo”, explica David que assume que mudou de lado. “Decidi deixar de ser o Darth Vader da consultoria digital e estratégia da treta para dedicar toda a minha energia e força a um projeto de futuro, que fizesse bem à Humanidade”.

A concretização do projeto levou quatro anos, mais de 100 viagens a Portugal e a visita a centenas de propriedades. “Não foi fácil encontrar uma propriedade com todos os predicados que nós queríamos e especialmente um, a desertificação. Estávamos à procura de um sítio deserto na sua localidade, na sua expressão social, mas também a nível de qualidade de terra”, recorda. “Quando chegámos à Terramay, tudo estava depauperado, completamente”.

No entanto, a Terramay “sempre foi não ter apenas o conceito de regeneração dos solos e da agricultura regenerativa em todas as suas vertentes, mas também sermos autossustentáveis e podermos mostrar que um monte pode funcionar como antigamente, como era o Barrocal, por exemplo, em Monsaraz, há uns 60 ou 70 anos. Isso é possível voltar a fazer, integrar as comunidades, temos muito essa preocupação”, explica David de Brito.

O cofundador tem a ambição de este ano faturar 450 mil euros, num momento em que são fornecedores de restaurantes estrela Michelin como Feitoria, Encanto ou Herdade do Esporão, entre outros como Cavalariça, Mercearia do Largo, Momentos, Híbrido ou Origens. Mas não só.

Alimentar através de um projeto de agricultura regenerativa. A Terramay quer mudar conceitos a partir do Alentejo
créditos: Daniela Costa

COMO ENCOMENDAR CABAZ TERRAMAY

1 – Ligar ou enviar mensagem (sms/WhatsApp) para o +351 932 566 672 até às 12h00 de quinta-feira.

2 – Depois de receber a encomenda até às 12:00 de quinta-feira, é processado o pagamento com cartão de crédito, MBWAY ou transferência bancária.

3 - Depois de receber o pagamento, o cabaz é preparado para ser transportado para o pick-up point mais perto do cliente ou para ser entregue em casa nos concelhos de Lisboa e Estremoz, Évora e Vila Viçosa.

4 – À sexta-feira, a partir das 14h00, é possível levantar o cabaz no pick-up point e receber os pontos "bolotas" que podem ser trocados por produtos e experiências Terramay.

Desde fevereiro, que graças a uma série de parcerias conseguem fornecer cabazes com produtos da quinta por um valor de 25€, tanto na região (Estremoz, Évora e Vila Viçosa), como em Lisboa, pela parceria que estabeleceram com o Talho das Manas. O novo cabaz da semana é apresentado às segundas-feiras, com produtos e receitas selecionados pelos cozinheiros da Terramay, e até uma sopa está incluída. Para encomendar basta ligar ou enviar mensagem de WhatsApp. Depois o cabaz é entregue às sextas-feiras, na loja da Comida Independente, em Lisboa, ou entregue em casa por um valor adicional de 5€, na cidade de Lisboa e 10€ nos concelhos à volta. Nas restantes cidades também há pick up points definidos.

Apesar de ainda não receberem hóspedes estão abertos a receber visitas de estudo e voluntários que queiram participar e perceber melhor o conceito da Terramay, num programa com duração de dois meses. Para já, existe também a possibilidade de realização de tours pela herdade, como uma visita num carro com quatro lugares que inclui um snack por 100€. Mas o que mais fazem são tours “à medida do cliente”.

Os próximos passos são a plantação de sete tipos cereais para fazer pão e leguminosas para fazer farinha. Uma das experiências que querem tentar concretizar é farinha de tremoço e de quinoa.

Da horta para o prato ou da quinta para a praia num restaurante chamado Raya

Entramos no barco e cruzamos as águas do Alqueva num percurso de cerca de 20 minutos até ao Raya Beach Club, na praia fluvial das Azenhas d’el Rei, também no Alandroal. O conceito é simples: aproveitar os produtos produzidos na Terramay e apresentá-los no seu melhor no restaurante que serve de apoio a uma das praias do Alqueva.

Alimentar através de um projeto de agricultura regenerativa. A Terramay quer mudar conceitos a partir do Alentejo
O restaurante Raya na praia fluvial das Azenhas d’el Rei, no Alandroal.

Este é o segundo ano de vida do Raya, depois de um ano de teste em que se pretendeu aproveitar a época alta na região. Este ano Anna e David de Brito pretendem concretizar uma série de projetos integrados que não passam apenas pelo restaurante.

Assim, estão a fomentar outro tipo de atividades, daí a ideia de Beach Club, como aulas de ioga, atividades aquáticas ou animação musical com DJs em dias específicos, pensada especialmente para o verão. Estas atividades podem ser complementadas com as experiências na quinta com os tours, passeios a cavalo ou de barco.

Sentamo-nos à mesa e começam a desfilar pela mesa as criações do chef Diogo Pereira, num menu com inspirações do mundo, mas com respeito pelos ingredientes sazonais e por aquilo que a natureza nos dá. O verdadeiro conceito da horta para o prato, ou como defendem os fundadores, da quinta para a praia.

Alimentar através de um projeto de agricultura regenerativa. A Terramay quer mudar conceitos a partir do Alentejo
Alguns dos pratos do Raya.

Pakoda indiana com molho de iogurte (8€), ceviche do rio (10€), taco de peixe do rio curado (12€), nas entradas, caril de legumes (12€), hambúrguer Terramay (12€), t-bone com dois acompanhamentos (24€) ou peixe do rio frito (12€), nos clássicos e pudim de bolota (5€) ou tecolameco – bolo de amêndoa (6€), nas sobremesas são algumas das opções.

Há ainda a ideia de desenvolver um brunch ao fim de semana e há a possibilidade de fazer-se menus de grupo.

O SAPO Lifestyle visitou a Terramay e o restaurante Raya a convite do projeto.