O canal temático de cozinha 24Kitchen estreia este mês de setembro um programa com três novas caras do canal. Entre os novos protagonistas encontra-se o chef Carlos Afonso (que se junta a Margarita Pugovka e a Miguel Mesquita). No programa Chef de Serviço os intervenientes interagem num ambiente que se assemelha a uma cozinha profissional. A equipa assume desde o primeiro momento que está num estúdio de filmagem.
Nesta primeira temporada, cada chef conta com dez episódios temáticos, com temas que vão desde a inspiração, à criação ou à frustração e que vão inspirar as suas receitas. No final, os chefs vão reunir-se num episódio especial de Natal.
A anteceder o lançamento do novo programa do 24Kitchen, a 18 de setembro (21h00), falámos com o chef Carlos Afonso que, na capital, apresenta a sua cozinha no restaurante Oitto. Uma conversa informal que destaca os sucessos, mas também as frustrações e que envereda pelos novos desafios da cozinha portuguesa.
Como encarou o desafio de apresentar este novo programa de cozinha, assente num modelo inovador?
Como encaro todos os desafios, com coragem e determinação, mas com medo e alguma apreensão. Já tinha feito algumas coisas em televisão, mas nada desta envergadura, gosto de estar sempre a procura de aprender coisas novas, de me envolver em novos projetos e novos desafios profissionais, conhecer novas pessoas e novos mundos diferentes daquele que eu estou habituado, que são as cozinhas. Todo o medo se dissipou quando percebi a equipa que estava comigo, que me deu todo o suporte, um grupo de pessoas jovens muito trabalhadoras e determinadas a fazerem bem feito e com um nível de profissionalismo, perfecionismo e exigência muito altos, o que me deixou super-confortável porque confiei a 100% no trabalho deles.
O que podemos esperar das receitas que nos vai apresentar?
As receitas que vou apresentar têm o meu ADN enquanto cozinheiro, muitas delas já estão comigo há anos, como é o caso do pato de escabeche, do peixe ao sal, ou seja, é a cozinha do Carlos Afonso sem segredos, tudo o que coloquei ali são os pratos que cozinho no restaurante, outras foram criadas para o programa, e que seguramente irão na carta do meu restaurante Oitto. Quero permitir que os telespectadores possam provar aqueles pratos, alguns certamente já conhecerão, como o arroz de pato, a mousse de chocolate do Oitto, a encharcada, porque são pratos que estão comigo há mais de dez anos.
As receitas terão como base o receituário tradicional português, com muita predominância do Alentejo, terão também muita acidez e citrinos. Sobretudo focamos em fazer o tradicional português, apresentado de uma forma fresca viva, com uma linha estética, muito presente que é a minha, mas ao mesmo tempo muito simples e fácil de replicar.
É uma forma de cozinhar que vem de dentro, não a consigo explicar, todos os empratamentos foram criados no momento em que estávamos a gravar, tudo o que aconteceu ali foi muito especial, depois de gravado provávamos todos os pratos, e ficávamos surpreendidos pela positiva com os resultados, por isso acho que as pessoas vão gostar.
Se tiver de resumir a cozinha que prepara numa frase, como a apresenta?
Uma cozinha portuguesa, elegante, simples e contemporânea.
Habituamo-nos a enaltecer os sucessos, esquecendo que com os insucessos também crescemos. Qual foi o insucesso na sua vida profissional que mais o fez crescer como cozinheiro?
Foram vários, ir trabalhar para o estrangeiro sem saber falar a língua do país para onde estava a ia, estar longe dos amigos e da família, ao difícil que é conquistar um determinado posto numa cozinha. Mas sempre olhei para as dificuldades como a melhor forma de aprender, evoluir, sair da zona de conforto oferece essa possibilidade de crescimento. Sempre que me sinto a estagnar procuro um novo desafio que me tire o conforto e a estabilidade.
Imagine que alguém que não conhece de todo a cozinha portuguesa se sentava à sua mesa. Que prato lhe prepararia que fizesse a síntese do nosso país?
Essa é uma pergunta difícil porque quem conhece a cozinha portuguesa sabe como ela é complexa e diversificada. Eu que a estudo há anos, sinto que ainda só conheço 20% do que ela representa. Pensemos que só a carta gastronómica do Alentejo tem 1500 receitas diferentes, imaginem as cartas gastronómicas de todas a regiões do nosso país. Mas acho que preparava uma caldeirada, ou um cozido à portuguesa, são pratos que definem bem a nossa cozinha, comida de tacho.
Na mesma linha, que ingredientes fazem a síntese da sua cozinha?
Ingredientes simples: ervas aromáticas, ou não fosse eu alentejano, gosto do coentro, do poejo, da hortelã da ribeira, salsa, estragão, cerefólio, aneto, funcho, a hortelã, uso e abuso delas. Já coloquei poejo numa mousse de chocolate, e não dispenso a hortelã com borrego. Uso e abuso dos citrinos, na minha cozinha 90% dos pratos levam citrinos, seja raspa, sumo, a laranja (no famoso arroz de pato), o limão, a lima, a tangerina. Basicamente eu guio-me pela receita base, e depois tenho de puxar os sabores, introduzir alguma técnica, equilibrar o sabor, apresentá-la de uma forma simples e bonita
Quais foram as palavras mais elogiosas que recebeu sobre a sua cozinha?
Fresca, equilibrada, saborosa.
Em sentido contrário, quais as palavras que mais o magoaram?
Nunca deixei que as críticas ou palavras me magoassem, eu gosto de uma boa critica, tento aprender, e aprendi muito a cozinhar com as críticas dos clientes, aliás ainda aprendo. Gosto de ser criticado, porque é o sentido critico e a nossa capacidade de assimilar a crítica que nos faz evoluir. Diria que gosto de ouvir tudo, sou muito atento, acho que é necessário termos a humildade suficiente para saber aceitar a crítica e crescer com ela.
O que falta dizer sobre a cozinha portuguesa que não foi dito até agora?
Não sei. Está cada vez mais na moda, temos cada vez mais jovens e mais cozinheiros apaixonados por ela, o turismo a ‘bombar’. Estamos num bom momento, temos de continuar a trabalhar duro, para que ela seja cada vez mais reconhecida, porque é um tesouro aquilo que temos. Temos de trabalhar junto com organizações competentes para não deixarem morrer o saber fazer, e o tradicional, temos de ter coragem de assumir as nossas raízes, aquilo que é nosso. Apoiar os produtos e produtores portugueses, dar força à nova geração e deixar que a magia aconteça. Temos grandes cozinheiros em Portugal, temos grande cozinheiros portugueses pelo mundo, grandes restaurantes e somos um país com um receituário incrível.
Um chef para vingar nas cozinhas portuguesa precisa de se tornar uma estrela e contar com exposição mediática?
Não. Um chef/cozinheiro para vingar numa cozinha precisa de gostar daquilo que faz, fazer com gosto, procurar evoluir todos os dias, aprender, estudar, provar muito, e ir atrás do seu sonho.
Se tivesse a possibilidade de escolher uma pessoa famosa para lhe preparar uma refeição, qual seria e porquê?
Seria o professor Agostinho da Silva, porque acho que foi um homem com um pensamento muito à frente do seu tempo, moderno, contemporâneo, com uma capacidade incrível de simplificar o complexo, um verdadeiro sábio, e acima de tudo uma pessoa simples, com um amor por Portugal e pelos portugueses muito marcante, e que deixou um grande legado na forma como pensava.
Qual a sua principal característica?
Esta não é uma pergunta fácil…mas talvez determinação, resiliência e trabalho.
O que mais aprecia num cliente?
Capacidade e coragem para criticar o que não foi tão bom, com educação, mestria e sabedoria, e depois ter a capacidade de fazer um brinde e voltar. Muitos dos amigos que tenho hoje em dia foram meus clientes.
Que pessoa ou pessoas foram determinantes para si na sua profissão? Alguém teve influência na forma como trabalha no presente?
O chef Alexandre Silva, o chef Sérgio Herman, o chef Rui sequeira e o chef José Júlio Vintém.
Há alguma região do país em termos de gastronomia que prefira?
O Alentejo, porque é a minha casa, são as minhas origens, a minha família.
Há segredos na cozinha que não se partilham? Ou não há nada a esconder?
Devemos partilhar sempre, porque também partilharam connosco e a partilha traz evolução. Não há segredos em cozinha, hoje em dia está tudo nos livros, na internet, devemos ensinar o que sabemos, e aprender o que ainda não sabemos. Nesta profissão podemos trabalhar até morrer e aprender todos os dias, é o que faz com que seja tão viciante. Nunca é estática, e quem disser o contrário está a mentir.
Para si, o futuro próximo significa...
O futuro passa por continuar a sonhar e a trabalhar para tornar o sonho realidade. E aproveitar a vida com a minha família.
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