Esta é uma daquelas peças informativas que, quase apetece dizer, nasceu com o patrocínio de um céu e sol de janeiro que, só Portugal, no contexto do inverno europeu, consegue oferecer. Ou seja, tudo é luz, firmamento de azul impoluto e brilho. O Tejo ajuda e devolve-nos o sol em cintilações brincalhonas. É no primeiro andar, a varanda, do Vestigius, que desempoamos corpo e alma de dias cinzentos. Fechamos uma refeição que fez périplo por comeres do mar. Já lá iremos. Detemo-nos, agora, frente a um prato generoso de sobremesas. Podemos chamar-lhe gula, mas sob um sol pródigo apetece com ele congeminar e “mandar às urtigas”, mesmo que seja por breves minutos, os bons conselhos para cortar nos açúcares.

É com a proprietária do Vestigius que nos sentamos. Esmeralda Fetahu e João Fernandes comandam desde 2013 este ´barco´ à beira Tejo. Esmeralda faz as honras da casa e dispõe-se a abandonar a sala onde é presença constante e atuante para nos contar a história deste espaço nascido a dois e que prefere não catalogar apenas como restaurante. “Vestigius porque tudo o que o decora, a própria estrutura desta casa, é uma herança do armazém de sal que aqui funcionou durante décadas”, conta-nos Esmeralda.

Restaurante: À beira Tejo há vestígios. Haja, para nosso bem, quem os saiba aproveitar
Restaurante: À beira Tejo há vestígios. Haja, para nosso bem, quem os saiba aproveitar créditos: @Vestigius

Sal que aqui era descarregado após transporte em embarcações no Tejo, armazenado e, posteriormente, comercializado. Um labor que deixou vestígios. Os que o casal encontrou no espaço devoluto. “Aproveitámos muitos dos materiais, coisas incríveis, muitas madeiras, cordame”, recorda Esmeralda. Matéria-prima em bruto que encontrou um salva-vidas na proprietária deste Vestigius. Esmeralda, albanesa de nascença, estudou belas-artes em Itália, país onde viveu largos anos e onde trabalhou como fisioterapeuta e cozinheira. “Sou um espírito curioso e a par da formação em artes, tirei um curso de fisioterapia. Viajei muito neste âmbito, conheci muitas gastronomias”. Acresce que a nossa interlocutora juntou ao currículo, o trabalho em cozinhas, nomeadamente a do chefe com estrela Michelin Moreno Cedroni.

Restaurante: À beira Tejo há vestígios. Haja, para nosso bem, quem os saiba aproveitar
Restaurante: À beira Tejo há vestígios. Haja, para nosso bem, quem os saiba aproveitar Polvo à vinagrete. créditos: @Vestigius

Um percurso eclético que para Esmeralda passou a contar, há dez anos, com uma nova variável. Numa viagem de avião conhece João Fernandes. E a química humana muda o rumo a duas histórias pessoais, trazendo-as até ao momento presente, aqui à beira rio.

Um ´aqui` que se corporiza num espaço amplo e que, para além da componente alimentar, acolhe acontecimentos sociais, culturais e empresarias, exposições, concertos, tertúlias, palestras.

Dois andares onde também se arruma a veia artística de Esmeralda, em peças de arte e mobiliário engendrados a partir dos despojos do armazém. Há madeiras em construções singulares, cabos de atracação trabalhados para se tornarem simulações de candelabros, boias, cristais que chovem do teto, pufes em lã de proporções generosas e, peça central neste cenário, um bar que é, simultaneamente, a quilha de uma embarcação. Impõe-se na sala de 50 lugares (outros tantos no segundo piso), voltado para o elemento que lhe é natural, o Tejo.

Restaurante: À beira Tejo há vestígios. Haja, para nosso bem, quem os saiba aproveitar
Restaurante: À beira Tejo há vestígios. Haja, para nosso bem, quem os saiba aproveitar Cave, também garrafeira e apta a receber eventos. créditos: @Vestigius

“Certo dia, um senhor entra aqui no restaurante e diz-me que trabalhou no armazém de sal. Recordava-se de algumas peças agora em exposição. Dei-lhe uma boia”, conta em tom animado Esmeralda recordando, também, a surpresa que foi encontrar sob um velho alçapão a antiga salgadeira do armazém. Hoje tornou-se um espaço para garrafeira, provas de vinhos e jantares sob marcação.

Uma casa que nasceu há seis anos com uma vocação para os vinhos e petiscos e que, com o tempo, não os desmerecendo, afeiçoou-se também a uma mesa mais robusta, com carta de almoço e jantar, assim como uma carta de bar. Chegados aqui, importa, meter o garfo e a faca nestes comeres do Vestigius que, não percebendo a presença próxima do rio e do oceano, nos apresenta uma carta generosa de peixes e mariscos.

Restaurante: À beira Tejo há vestígios. Haja, para nosso bem, quem os saiba aproveitar
Restaurante: À beira Tejo há vestígios. Haja, para nosso bem, quem os saiba aproveitar Caçarola. créditos: @Vestigius

O comensal vai encontrar duas cartas, uma de almoço, outra de jantar, assim como um “menu tapas”, com seis sugestões que, como se usa agora afirmar, “para partilhar” (45,00 euros para duas pessoas e que inclui, entre outros petiscos, Pica-pau da vazia, Polvo à vinagrete, Punheta de bacalhau, Tártaro de atum).

No que respeita às cartas para as refeições principais, a de almoço mais petisqueira e marisqueira, com as ostras, os mexilhões, os camarões, a amêijoas, o polvo à vinagrete – que provamos, oferecendo-nos boa textura e sabor a mar, assim como um tártaro de atum de carne exemplar - o pica-pau da vazia, um quarteto de saladas, sanduíches (uma vegetariana) e hambúrguer. Ainda ao almoço repetem algumas das sugestões mais encorpadas aconchegadas na carta de jantar.

Restaurante: À beira Tejo há vestígios. Haja, para nosso bem, quem os saiba aproveitar
Restaurante: À beira Tejo há vestígios. Haja, para nosso bem, quem os saiba aproveitar créditos: @Vestigius

Neste item, a destacar as caçarolas, umas senhoras “tachadas” de sabores do mar. No caso vertente, provamos uma Caçarola “Bulhão Pato”, ainda fervilhante chegada à mesa, com amêijoas, mexilhão, camarão, lula e peixe branco (orça os 40,00 euros para duas pessoas). Uma, num trio de caçarolas de peixes e mariscos que incluem a “Coccote de La Mer” (com molho à base de natas, alho francês e anis estrelado) e a “Brodetto di Mare” (com molho à base de tomate, cenoura, aipo e alho).

Restaurante: À beira Tejo há vestígios. Haja, para nosso bem, quem os saiba aproveitar
Restaurante: À beira Tejo há vestígios. Haja, para nosso bem, quem os saiba aproveitar Torta de laranja com curd de lima. créditos: @Vestigius

Ainda nos principais, não desmerecer o Lombo de bacalhau com broa de milho, espinafres, tapenade e batatinhas a murro (15,50 euros), o Polvo assado com batata-doce, espinafres baby e molho de pimento assado (16,50 euros) ou o Carabineiro à Royal, flambados, com compota de lentilhas com presunto, crumble de broa e vegetais baby (32,00 euros). Um elenco de mar onde não falta uma pujante presença de terra com o T-Bone Steak, 650 gramas de carne de novilho (42,50 euros).

Vestigius

Rua da Cintura do Porto de Lisboa, Cais do Sodré, Armazém A17, Lisboa

Horário: Todos os dias das 11h00 às 23h00

Contactos: E-mail info@vestigius.pt; Tel. 938 660 822

Nos vinhos, a seleção é ampla, com perto de 200 referências entre tintos, brancos, rosés, espumantes, colheitas tardias e um bem nutrido naipe de néctares tirados a copo. Trinta para sermos precisos. “Procuramos nos vinhos encontrar pequenos produtores e referências menos conhecidas”, sublinha Esmeralda enquanto nos apresenta um vinho duriense, o Bom Viver, casa de três irmãos que “ainda produzem vinho proveniente de pisa a pé”.

Tendo o leitor chegado a este ponto, há que advertir que o generoso prato de sobremesas citado na abertura teve nesta mesa um final feliz. O mesmo é dizer que o “Pecado da Gula”, como é chamado no Vestigius, encontrou recetividade no comensal. Como sabe bem viajar á beira tejo ao sabor de um bolo de chocolate, uma tarte de laranja, um cheesecake e queijo da Beira Baixa com compota.