O SAPO Lifestyle esteve à conversa com Pedro Pena Bastos, o chef responsável pelo restaurante Ceia, em Lisboa.

Neste restaurante há apenas uma mesa. Uma mesa onde podem sentar-se 14 pessoas que partilharão comida e experiências.

14 é também o número de momentos que compõem a refeição, um menu de degustação que muda sazonalmente, de acordo com o ciclo dos produtos utilizados.

SAPO Lifestyle - Vi numa entrevista que um dos momentos em que decidiu ser chef foi quando o seu pai chegou a casa com um livro autografado pelo “Zé” [José Avillez]. Ainda conserva esse livro?

Pedro Pena Bastos - [Risos] Acho que sim, acho que ainda o tenho lá em casa. Mas não era ser chef, e aí corrijo. Acho que foi quase um incentivo para entrar na área e assumir uma coisa que realmente me dava prazer e eu tinha noção que dava prazer aos outros, portanto foi quase haver alguém a abrir-me um bocadinho os olhos para este mundo. E foi por coincidência, eu passado 11 anos dou-me lindamente com o Zé.

SP - Então quando é que descobriu que queria realmente ser chef?

PPB - Não sei, acho que provavelmente quando tinha 16 ou 17 anos… sempre quis muito perceber como é que as coisas se faziam, sempre vi muito a minha avó a cozinhar em casa, a minha mãe, ou seja esse contacto com a gastronomia sempre foi muito presente e esteve sempre muito presente em mim. Lembro-me de ter 6 anos e fazer maionese, foi a primeira vez que me lembro de cozinhar, acho que aquilo me marcou, foi quase um big achievement para mim. Não sei, surgiu naturalmente quando eu tinha 16, 17 anos, depois decidi estagiar no restaurante Cafeína, no Porto, e integrei na área da restauração por aí.

Restaurante Ceia
créditos: Foto Reprodução Instagram Silent Livingnstagram Silent Living

SP - Aprendeu a cozinhar com a mãe e a avó?

PPB - Sim… não gosto de me considerar nada, mas se tivesse que me considerar alguma coisa, diria que sou um bocado autodidata. Sempre pesquisei muito e sempre procurei assimilar aquilo que ia pesquisando, ou seja, pôr em prática as coisas e testar, e perceber o erro e aprender com o erro e não desistir até perceber como é que as coisas se faziam. Não me considero um cozinheiro de base normal, se bem que passei por todos os momentos, fiz estágios desde cadeias hoteleiras até restaurantes de uma, duas e três estrelas Michelin. Ainda sou muito novo e, portanto, pretendo continuar a fazer assim sempre que tenho um tempinho, faço um escape, falo com alguns contactos e vou passar uma ou duas semanas a um restaurante dentro de um conceito que eu acho apelativo, mas sempre me considerei uma pessoa muito interessada pela pesquisa e por criar conforto às pessoas, nunca me considerei um chef de gastronomia molecular. Procuro muito o sabor e a naturalidade, o fator orgânico nas coisas, as memórias, a tradição e a cultura que estão inerentes a isso.

SP - Neste momento cozinha num ambiente mais intimista e acolhedor, mas já cozinhou para muita gente. O que acha mais difícil? Onde há maior pressão?

PPB - A cozinhar para pouca gente, onde todos os dias o set list é diferente e é quase como se fosse um show. Quase como aquelas grandes bandas que fazem 100 ou 200 concertos por ano e têm que manter a consistência e o ritmo e há uma playlist que tem de ser cumprida. No fundo, aquilo que se passa no Ceia é um bocadinho assim, é uma experiência gastronómica que passa muito pela oferta de uma refeição diferente. As pessoas são convidadas a sentarem-se numa mesa todas juntas, sem se conhecerem, e toda a experiência se desenrola muito a partir de dentro para fora, ou seja a mesa acaba por ser a atmosfera. Estamos a falar obviamente do fator gastronómico, em que a proximidade, a história que contamos, dos produtos e como eles foram parar à mesa cria uma aproximação  do produtor ao cliente final. Acho que tudo isso simboliza e expressa muito a linguagem do Ceia.

SP - O conceito do Ceia era um projeto que queria desenvolver há já algum tempo. Porquê? O que acha que realmente muda na perspetiva de quem está a degustar a refeição?

PPB - Para já, o factor da presença da equipa ser muito mais intimista e muito mais próxima deles do que se encontra noutro tipo de restaurante, em que há um empregado de sala a fazer o serviço. Ali, os cozinheiros fazem o serviço de mesa e, portanto, há toda uma integridade muito grande na equipa. Temos o nosso sommelier, Mário Marques, que é um conhecedor incrível sobre novos produtores e todo o leque de aromas dos novos vinhos naturais, de longas fermentações, de fermentações completamente sem invasão humana, portanto tudo isso, todas essas histórias, essas nossas pesquisas, essa nossa preocupação em dar ao cliente algo especial e diferente é quase como se fosse aquele momento especial no final do dia e é isso um bocadinho que Ceia significa também, portanto acho que é essa a grande diferenciação, é a proximidade que nós conseguimos dar ao cliente, por nós também fazermos parte do enredo.

Pedro Pena Bastos com a equipa no Ceia
créditos: Foto Reprodução Instagram Silent Living

SP - O que é , para si, realmente uma ceia?

PPB - Para mim uma ceia é um momento especial no final do dia, com uma série de produtos que nos dão agrado e conforto. Antigamente resumiam-se a um pão, chouriço, um queijo, um copo de vinho, eventualmente um chá uns biscoitos. Aquele momento especial antes de ir dormir.
O Ceia resume muito isso. Uma série de pessoas à volta da mesma mesa, num momento proporcionado por nós que vai terminar o dia dessas pessoas de uma forma muito mais descontraída e descansada.

SP - A cozinha em Portugal tem mudado um bocadinho nos últimos anos, especialmente na forma como as pessoas encaram a comida e uma ida ao restaurante. O que acha que terá provocado essa mudança?

PPB - Eu acho que a nova geração de chefs é muito impulsionada pelas redes sociais e por um grande “abre olhos” em que, finalmente, não só as redes sociais, mas a imprensa nacional começaram a dar valor às pessoas que realmente vão marcar a gastronomia para os próximos 200, 300 anos. Eu acho que tudo isso junto veio dar um novo brilho. Ainda assim, estamos a anos-luz dos outros e não é mau pensarmos que estamos a anos-luz, temos sempre tendência a evoluir e a querer ir mais além e eu acho que é isso que nos dá coragem de fazer mais e melhor, temos que deixar de ter medo e arriscar, ensinar as pessoas e deixar um legado. Na minha opinião, eu não trabalho só para deixar as pessoas felizes. O meu objetivo é dar prazer às pessoas, mas acima de tudo deixar um legado para os próximos que vêm, eu acho que isso é o mais importante, sem dúvida. Deixarmos uma marca na nossa campa, não em nosso nome mas em nome do nosso trabalho feito, sabendo que fomos positivos para o mundo.

SP - Que legado é que o Pedro quer deixar?

Eu tenho feito o meu trabalho e sinceramente não penso exaustivamente nisso, gostava muito de continuar a fazer muito pela gastronomia em Portugal, de estimular novos cozinheiros. Eu sou novíssimo e ainda me continuo a inspirar imenso por grandes nomes do mercado, mas a verdade é que quero continuar a deixar boas receitas, boas técnicas, bons conceitos, que não existem só para agradar ao cliente. O cliente manda no sentido em que pode dar um feedback, mas quem orienta o cliente somos nós, portanto nós temos que criar modas, temos que fazer mais, criar mais, romper regras, romper as barreiras e testar, inventar, criar, numa ótica positiva, que seja sustentável e que não seja arrojada ao ponto de ser desenquadrada do local onde nos encontramos.

O Ceia, de Pedro Pena Bastos, em Lisboa, é como uma mesa de família

SP - Acha que hoje em dia para um chef ser devidamente reconhecido tem de ser também empreendedor?

PPB - Sem dúvida. Corrijo, para ser reconhecido não, para conseguir concretizar alguns projetos que movam a população. É preciso ser empreendedor e é preciso querer estar inserido no meio, é preciso ceder, é preciso querer perceber de uma série de coisas, não basta só saber cozinhar. Hoje em dia, cozinhar é uma coisa que me satisfaz imenso, mas eu não consigo cozinhar todos os dias a toda a hora, há muito mais a fazer, uma outra parte de gestão que é preciso ter em conta e todos os dias tem que existir. É importante estarmos associados a alguns projetos que façam sentido e visem algo melhor e que não seja só pelo dinheiro.

SP - Para terminar, o Porto ainda está nos seus planos?

PPB - Sem dúvida. Não vai ser para breve, mas talvez num futuro não muito longe. Gostava muito, é a minha cidade, adoro a minha cidade e não a troco por nada.