Se Nikolas Tesla tivesse mesmo descoberto uma forma de viajarmos no tempo, e pudéssemos regressar por momentos ao passado, no número 8 da Rua Joaquim Casimiro, em Lisboa, íamos encontrar a drogaria do senhor Albino, e uma Lapa muito diferente da que encontramos hoje.
A drogaria acabou por fechar ainda na década de 1970 e aí ficou um depósito de móveis, de portas fechadas durante largos anos.
Se os portugueses são conhecidos pelo saudosismo, terá sido esse sentimento de resgatar boas memórias e dar algum dinamismo ao seu bairro de infância que levou Paulo Aguiar, um engenheiro civil e morador nesta rua entre a Lapa e a Pampulha, a resgatar o espaço que fez parte da sua vida, em 2019, mas com uma grande diferença. Entram os pratos de cozinha de matriz portuguesa e inspiração do mundo num restaurante rigorosamente decorado em estilo Arte Nova, dos anos 1930, com salpicos de retro chic das décadas de 1960 e 1970, graças aos veludos que forram os sofás onde nos sentamos para provar as novidades do Drogaria.
Antes de nos aventurarmos na exploração do menu, há que dar destaque a esta decoração, que nos leva para um ambiente de requinte de outras décadas e onde os olhos também comem. Para aqueles que apreciam decoração “é um petisco”, se relembrarmos um sketch de Ricardo Araújo Pereira, numa referência à descrição do Ramalhete por Eça de Queirós, n’ “Os Maias”, que fica a menos de 10 minutos a pé dali. O Drogaria trata-se de um lugar com estilo, mas confortável, onde é agradável estar. E sobretudo uma boa surpresa que nos leva para longe de outros sítios da moda, onde corremos o risco de esperar horas por uma mesa.
Nota para o agora grande armário louceiro, que antes era um guarda-roupa, que serve de apoio ao restaurante e que é um dos móveis que Paulo Aguiar herdou do tempo em que a loja era um armazém, numa nova vida que se enquadra bem no ambiente.
A carta tem a assinatura do chef João Hipólito, aqui como consultor, num equilíbrio entre cozinha portuguesa contemporânea e “um twist que representa as minhas viagens por esse mundo fora e a minha paixão por outras gastronomias, além da nossa”, como nos explica, numa passagem por Lisboa.
João Hipólito é conhecido sobretudo pelo seu trabalho no Canadá, à frente do restaurante Ferreira Café, mas é natural da Beira Baixa, mais precisamente de São Vicente da Beira. Na impossibilidade de estar no restaurante a tempo inteiro, delegou a cozinha ao jovem chef, e seu conterrâneo, João Caio, que com 24 anos, começa a dar os primeiros passos neste mundo da cozinha de autor, depois do VidaMar, em Albufeira, uma breve passagem por Barcelona, um período no Canadá com João Hipólito e mais duas experiências na Covilhã. Uma lufada de ar fresco, acrescentamos nós, por ver o brilho no olhar de quem está a dar os primeiros passos na profissão.
Sem grandes expectativas de vir para Lisboa – “no início foi um pouco confuso para mim, é tanto trânsito”, confessa João Caio – o chef não se coíbe a dois dedos de conversa, onde vai partilhando o seu (ainda) curto percurso profissional, o que mais gosta de cozinhar e que aprendizagens foi tendo.
“Gosto muito da cozinha da minha mãe, da minha avó, dos padeiros, lá cozinha-se muito com o forno, e aprendi muito com o chef João Paulo, na Covilhã, na Taberna Laranjinha. A experiência no Canadá foi espetacular, mesmo a nível de empratamento. Quando fui para lá, nem abrir uma ostra sabia”, confessa.
No menu do Drogaria encontramos pratos tão surpreendentes como gyozas de cozido à portuguesa (12€), “Lasagna” de caça (23€), com carne que o próprio chef João Caio traz das visitas à terra natal, pois o pai é caçador, ou um lírio dos Açores (15€) que se trata de um escabeche com quinoa crocante e molho ponzu de citrinos do Algarve. Um “must try que mudámos para uma influência mais oriental”, como nos explica Paulo Aguiar.
Os pratos de época como tiborna de cogumelos (12,50€), com castanhas, queijo de Nisa e gema de ovo biológico, gnocchi de abóbora Hokkaido (21€), a pensar nos vegetarianos, ocupam o seu lugar e há ainda incontornáveis da gastronomia lusa como bacalhau à Brás (22€), polvo na grelha (25€) ou presa de porco preto (24€).
Questionamos João Hipólito o que para ele não pode faltar num menu. “Peixe fresco de alta qualidade e bacalhau”, responde sem hesitações. E neste aspeto o Drogaria cumpre com distinção.
No campo sobremesas, a tarde de framboesa (7,50€) é um ex-libris do restaurante e que por isso se mantém de cartas anteriores. A mousse de chocolate (7,50€) ou o creme de arroz-doce queimado (7,50€), que podemos considerar uma fusão de duas sobremesas bem típicas portuguesas (arroz-doce e leite creme), prometem satisfazer os mais gulosos. Senão, um gelado (6€) nunca compromete.
Por agora João Caio executa com brilhantismo os pratos de João Hipólito, mas em breve podemos ter novidades. Uma das ambições do jovem chef é fazer o próprio pão de fermentação natural, que neste momento é fornecido pela Gleba, e contribuir com algumas ideias para o menu.
Por seu turno, João Hipólito não põe de parte novos conceitos. “Eu gosto muito do conceito de partilha. Menus com pequenos pratos para partilhar é algo que gosto imenso de fazer. Vamos ver se num futuro próximo iremos ter espaço no restaurante”, conclui.
Outra nota importante, a pensar no bom tempo e nos dias mais longos: em frente ao restaurante há espaço para uma bela esplanada, que agora se encontra encerrada. Arriscamo-nos a dizer que este poderá ser um dos lugares mais agradáveis para se estar na próxima estação. Mas não diga a ninguém.
O SAPO Lifestyle esteve no Drogaria a convite do restaurante.
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