Luzes baixas, cortinas de veludo e o tilintar de copos entre risos discretos. Podemos encarar esta como uma descrição próxima ao Maxime de 1949, palco de boémia e glamour no coração de Lisboa, que celebrou 75 anos no final de 2024, e que se mantém no número 58 da Praça da Alegria.

A sua longevidade conseguiu manter viva a essência dos grandes clubes noturnos do passado. E como forma de assinalar a data, a nova carta do restaurante transporta os visitantes para essa época, num tributo gastronómico à sofisticação que se vivia na altura. Esta foi uma parceria entre o historiador João MacDonald, especialista em arte e cultura do final do século XIX e XX, e o chef do Maxime, Flávio Santos. O menu resgata os sabores que marcaram uma era de luxo e a explosão de vida que o fôlego do pós-guerra trouxe à cidade.

Maxime: 75 anos de história, de boémia e de sabores de um cabaret que resiste ao tempo
Maxime: 75 anos de história, de boémia e de sabores de um cabaret que resiste ao tempo créditos: Divulgação

Um espaço onde a história e a boémia se cruzam

"Fomos cabaret de luxo, palco de estreias, palco de estrelas, local de conspirações, de esconderijos, de amantes. Fomos decadentes, de alterne e alternativos. Sempre à mesa." Esta é a forma como o próprio Maxime se apresenta.

E foi também assim que o Maxime se deu a conhecer a Lisboa, a 30 de novembro de 1949. Desde então, tornou-se um microcosmo da cidade, um local onde a cultura, a política e as noites intermináveis se cruzavam. "Havia todo um universo artístico e cultural, mas também político e jornalístico, que se combinava ali. Não é que aquilo fosse exatamente o Rick's Café do Casa Blanca, não é?”, recorda João MacDonald fazendo referência aos cafés que, durante a Segunda Guerra Mundial, povoavam a Baixa de Lisboa e alguns hotéis no Estoril.

Maxime: 75 anos de história, de boémia e de sabores de um cabaret que resiste ao tempo
Maxime: 75 anos de história, de boémia e de sabores de um cabaret que resiste ao tempo Fotografia antiga da Praça da Alegria. créditos: Divulgação

Por um lado, o cabaret tinha “uma combinação mais descontraída desse ambiente todo, em comparação com o lado mais pesado e intenso que foi o período durante a Segunda Guerra. Mas, lá está, era um sítio onde convergiam os políticos, os artistas do Parque Mayer, que é ali a dois passos. Aliás, é isso que alimenta durante décadas, pelo menos até os anos 1970, o essencial dos espetáculos que acontecem ali", explica. O facto de o próprio edifício albergar redações de várias agências noticiosas internacionais, fazia com que fosse “comum ver repórteres a terminar a noite no cabaret depois de um longo dia de trabalho."

Maxime: 75 anos de história, de boémia e de sabores de um cabaret que resiste ao tempo
Maxime: 75 anos de história, de boémia e de sabores de um cabaret que resiste ao tempo Fotografia antiga de números do cabaret. créditos: Divulgação

A abertura do Maxime insere-se na tendência europeia de revitalização da vida noturna no pós-guerra. Apesar da ditadura, espaços como este eram um refúgio para a criatividade, onde a música, aliada ao humor da revista à portuguesa do Parque Mayer, serviam como formas de resistência subtil, num período de mudança, transversal a diversas áreas da sociedade. "É quando aparecem aqueles nomes extraordinários da moda como Hubert de Givenchy, Christian Dior, Balenciaga, que concebem todo aquele design que, hoje em dia por exemplo, associamos à atriz Audrey Hepburn, toda aquela elegância até à cintura, mas depois com aquelas saias espalhafatosas, lindíssimas, enormes. Lá está, já há dinheiro para se gastar em mais tecido. E a fisionomia dos fatos, dos homens, são coisas muito mais justas, mais elegantes, sugerindo mais sensualidade e sexualidade ", acrescenta o historiador, em contraponto a um estilo mais militar, com ombreiras largas que sublinhavam a masculinidade do homem, com recurso a materiais mais pobres que o esforço de contenção em período de guerra obrigava.

Uma experiência gastronómica que nos transporta para o passado

Esta rejeição de austeridade também aconteceu na parte gastronómica. “Na época, na gastronomia, tal como na moda, vem tudo de Paris. Um pouco de Londres também, mas sobretudo Paris” evidencia João Macdonald.

Para recriar a atmosfera do Maxime dos primeiros anos, a dupla historiador e chef mergulhou na pesquisa histórica das ementas da época. "Foi interessante descobrir os pormenores sobre o receituário e descobrir a autenticidade das receitas”, diz o chef, numa Lisboa que se inspirava em países da Europa, sobretudo com recurso à técnica francesa, para compor os menus. Pratos como Lagosta à Cardeal, Escalopes de Vitela à Vienesa ou Robalo com Molho Holandês eram presenças comuns nos menus dos restaurantes e clubes noturnos da altura, refletindo um desejo de espetáculo também à mesa.

Maxime: 75 anos de história, de boémia e de sabores de um cabaret que resiste ao tempo
Maxime: 75 anos de história, de boémia e de sabores de um cabaret que resiste ao tempo créditos: Divulgação

Na altura, a gastronomia não era apenas sobre sabor, mas também sobre espetáculo e ostentação. "Os nomes das ementas que os chefes estão a dar aos seus pratos é para lhes dar um carácter de espetacularidade, e para acompanhar todo o movimento estético, que está a acontecer nestes espaços de consumo", mas ao mesmo tempo "também há que satisfazer a clientela portuguesa que, não só quer sentir-se estrangeira, como quer continuar a ter a pescada ou um bife de porco à portuguesa, esses pratos, que se mantêm até hoje, e que são absolutamente naturais entre nós. Mas acima de tudo tens estas brilhantinas", destaca o historiador.

Para o chef Flávio Santos, o desafio foi equilibrar tradição e inovação, trazendo esses sabores para o presente sem perder a sua essência. "Decidimos fazer uma homenagem à cozinha lisboeta de há 75 anos, mas também incorporar as influências que os restaurantes e hotéis da altura já recebiam do estrangeiro", explica.

Maxime: 75 anos de história, de boémia e de sabores de um cabaret que resiste ao tempo
Maxime: 75 anos de história, de boémia e de sabores de um cabaret que resiste ao tempo Bacalhau à Brás, Bife à Marrare e sobremesa Paris-Brest são algumas das opções atuais da carta. créditos: Divulgação

O menu inclui pratos de matriz portuguesa como o Bacalhau à Brás e o Bife à Marrare, reinterpretados com um toque moderno. "Pegamos no Bacalhau à Brás, desconstruímos um pouco da receita e acabamos com um sabayon de bacalhau. Não contamos logo essa história toda, queremos surpreender o cliente quando recebe o prato. Trabalhamos a base tradicional, sem estragar também. São sabores bem familiares e, penso que são consensuais", revela Flávio Santos.

Outro destaque é o confit de pato com esparregado de nabiças e arroz de forno, uma escolha que, segundo MacDonald, remete às receitas tradicionais portuguesas, mas carrega o mesmo sentido de espetáculo gastronómico que caracterizava a cozinha dos cabarets da época: “Estas recriações do chef Flávio Santos, acho bestiais porque têm uma raiz muito genuína na cozinha portuguesa e ao mesmo tempo transmitem o sentido de espetáculo gastronómico que nos anos 1950 e 1960 se dava na época, no Maxime e noutros espaços semelhantes”.

Maxime: 75 anos de história, de boémia e de sabores de um cabaret que resiste ao tempo
Maxime: 75 anos de história, de boémia e de sabores de um cabaret que resiste ao tempo créditos: Divulgação

A apresentação dos pratos também acompanha todo o ambiente do espaço. “Quando pensamos nos pratos tentamos que eles sejam gulosos, acessíveis. É incorporar o nosso espaço, que é um cabaret, que puxa para luxúria, para esse ambiente da noite. Então, tanto nos menus de show, como nos menus de carta, é isso que nós queremos que os clientes sintam”, acrescenta o chef.

Maxime, um ícone que se reinventa

Para quem visita o Maxime hoje, a experiência vai muito além da gastronomia. “Ir ao Maxime não é simplesmente ir no táxi e entrar naquele sítio. Toda a envolvência, a experiência começa cá fora. Portanto, quem vai hoje ao Maxime, vai ao de hoje e ao de há 20 anos, de há 50, 60, 70 anos. Falando das fases menos boas do Maxime, não eram menos boas, o Maxime teve umas fases péssimas mesmo, horríveis. Mas isso faz parte da história destes sítios e não faz sentido nenhum apagá-las ou suavizá-las, porque de outra forma não perceberíamos a graça e a evolução destes espaços”, afirma Macdonald.

Maxime: 75 anos de história, de boémia e de sabores de um cabaret que resiste ao tempo
Maxime: 75 anos de história, de boémia e de sabores de um cabaret que resiste ao tempo créditos: Divulgação

A localização do espaço também é um elemento-chave na sua experiência uma vez que "o Maxime continua ali, isto parece uma redundância, mas continua ali, naquela parte da cidade, assim como o Parque Mayer”, acrescenta, evidenciando que “os clubes noturnos por mais sofisticados que sejam, não são conventos, não são mosteiros, não é um Palácio da Ajuda. Era divertidíssimo ir ao Maxime e continua a ser”.

O grande desafio de criar menus para um espaço como o Maxime passa por equilibrar a sua história e identidade única com a necessidade de inovação. Flávio Santos, chef do espaço desde 2019, depois de uma passagem pela Bica do Sapatos, enfrentou essa adaptação especialmente no período pós-pandemia, quando o restaurante, inserido num hotel, procurava a receita ideal para unir as suas diferentes vertentes atuais: cabaret, hotelaria e gastronomia. Nesse processo, testaram novas abordagens, incluindo um brunch que, embora inicialmente destoante do conceito original, acabou por ser uma fase de experimentação e reinvenção, refletindo a busca contínua por um equilíbrio entre tradição e modernidade.

Maxime: 75 anos de história, de boémia e de sabores de um cabaret que resiste ao tempo
Maxime: 75 anos de história, de boémia e de sabores de um cabaret que resiste ao tempo Atualmente, o Maxime também é um hotel. créditos: Divulgação

Mas apesar das transformações ao longo das décadas, o espírito do cabaret continua mais vivo do que nunca. "O Maxime, como lugar criativo que é, tem espaço para muito. Felizmente, não é de todo estanque, dá muita abertura, dá para fazer muita coisa”, conclui o chef Flávio Santos.

No Maxime, a história não é apenas contada: é sentida, vivida e saboreada. Do glamour das suas noites douradas aos períodos mais sombrios, cada fase deixou uma marca, transformando este cabaret num símbolo de resiliência, até porque 75 anos não são 75 dias. Hoje, entre pratos que homenageiam o passado e um ambiente que continua a respirar boémia, o Maxime continua a ser um espaço onde Lisboa se encontra para celebrar a arte e o prazer à mesa (e à vida). Porque, afinal, o verdadeiro espetáculo nunca termina, apenas se reinventa.