
O ponto de partida é a história de Sebastião Rodrigues Soromenho, navegador sesimbrense que rumou à América Latina no século XVI. É esse legado de travessia e descoberta que inspira a carta do MarLuso. “Queríamos mostrar que conseguimos ir a outros patamares”, afirma o chef, explicando como sabores tradicionais – como o peixe grelhado ou o polvo – ganham nova vida através de ingredientes inesperados como o gengibre, o chili ou o leite de coco.
O México, onde passou a lua-de-mel, foi uma das principais fontes de inspiração. Ao SAPO conta: “Adoro a minha profissão e sempre que visito um sítio novo, penso no que posso aprender. No México, fui absorvendo os sabores e quis trazer isso para a nossa gastronomia.” A empanada de atum é exemplo disso. Um prato aparentemente simples, mas que exigiu inúmeros testes até atingir a textura desejada: crocante, estaladiça e macia.
Alguns ingredientes, como a pimenta chipotle, foram difíceis de encontrar, mas hoje são parte da identidade da cozinha do MarLuso. Com produtores locais a apostar na diferenciação, a partilha estende-se agora a outros hotéis e restaurantes.
Apesar da criatividade e das incursões internacionais, a base continua a ser portuguesa. “Sempre, sempre. O resto são ‘kicks’, pequenos toques, que provocam surpresa no paladar”, sublinha o chef.
O menu: travessia de sabores
Para começar, e logo para se perceber a fusão que caracteriza o MarLuso, sugere-se um cocktail com vista para o mar: o Pescador Sour (12 €), feito com um licor local e com o “sour” da América do Sul. As apresentações estão feitas. Segue-se um couvert (4,5 €) com pão da Azóia, manteiga dos Açores e dip de tremoços – o pão, saboroso, estaladiço, não abandonou a mesa quase até ao final da refeição.
Das entradas, destacam-se a Empanada de atum com escabeche de laranja (2 uni./6 €), despretensiosa, mas surpreendente, com uma combinação envolvente de sabores frescos; e o Pica-pau de camarão com leite de coco e chili vermelho (13 €), uma versão tropical do clássico camarão à guilho, com gengibre, coentros e lima.
Sesimbra é terra de peixe grelhado e polvo e no MarLuso, essa tradição mantém-se, mas com um toque diferenciador. O Polvo grelhado com puré de feijão-coco, bimis e óleo de chouriço (23 €), com notas tostadas e tropicais, ou o Espadarte grelhado com puré de aipo assado e salsa roja (22,5 €), peixe da lota local acompanhado de um molho à moda centro-americana, são bons exemplos.
Para terminar, a Tarte de maçã camoesa com canela e gelado de baunilha (6 €), feita com uma variedade típica de Sesimbra e Palmela, é servida quente e deixa um sabor de regresso às origens.
Tradição doce reinventada
Um dos elementos mais singulares, e que nem consta da carta mas que aparece de surpresa e quase despercebida, é a farinha torrada, reinterpretada para acompanhar o café e uma trufa doce. A receita foi descoberta pelo chef através de uma antiga doceira local.
Estas barras rústicas, levadas por Sebastião Rodrigues Soromenho nas suas viagens, davam energia à tripulação: feitas com farinha da Azóia, ovos da região, açúcar amarelo obtido em trocas comerciais e aromas cítricos locais, eram secas no forno. Hoje, surgem como petit four, com sabor a memória e identidade.
O chef José Faustino continua em contacto com essa doceira e já recriou os “matacões” — rebuçados rijos por fora e moles por dentro — que o marido da doceira vendia de bicicleta de escola em escola pela região. Um novo doce está em desenvolvimento, mas permanece em segredo.
A frescura do mar entre almoços e jantares
Outro tema que despertou curiosidade durante a conversa foi a possibilidade de, em breve, surgirem influências asiáticas no menu.
Por enquanto, podemos encontrar influências havaianas no Poké Bar. Também situado dentro do OceanFront, o Poké Bar — aberto apenas ao almoço — serve uma oferta mais descontraída, mas não menos cuidada: pokés com peixe cru, saladas frescas, tacos de peixe, hambúrgueres e empanadas de atum. Também aqui se nota a mão do chef José Faustino, que assina ambas as cozinhas com coerência, técnica e intuição.
Quer no Poké, quer no MarLuso, este aberto apenas ao jantar, cada prato conta uma história: mistura-se tradição com descoberta, transforma-se o que é local e enriquece-se com sabores de outras latitudes, cruzando séculos com a frescura e leveza que só o mar sabe trazer.
O SAPO Lifestyle esteve no MarLuso a convite do restaurante.
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