Quem conhece a obra literário do escritor português Gonçalo M. Tavares sabe-lhe o gosto por criar bairros ficcionais e de os povoar com os seus senhores. Os senhores Henry, Brecht, Calvino, Breton, entre outros, convivem, com as suas personalidades, numa narrativa de histórias curtas e eficazes. Francisco Breyner gostaria de ser uma espécie de M. Tavares na restauração. Povoar a cidade de Lisboa, e não apenas esta, com o conceito de restaurante que criou na capital portuguesa.
Chama-lhe Sr. Lisboa, é casa petisqueira de porta aberta no número 136 da Rua de São José. Na longa artéria, paralela à Avenida da Liberdade, povoada de lojas de antiquários, nasceu em 2017 aquele que Francisco gostaria que fosse o primeiro restaurante, ou melhor, a primeira divisão de uma casa de carta petisqueira e que se submete a uma narrativa. Passemos a explicar.
No Sr. Lisboa, entramos e sentamo-nos na cozinha. Não literalmente, mas cenicamente através do jogo de elementos decorativos da lavra do próprio Francisco.
É nesta mise en scene que começam as aspirações do jovem empresário de 24 anos. Formação em Marketing, experiência familiar ligada à restauração e uma grande vontade de passar da cozinha neste Sr. Lisboa, para restaurantes homónimos onde nos sentaríamos na Sala, no Quarto, onde possa e leitor imaginar. Por enquanto Francisco e o chefe de cozinha conimbricense Pedro de Sousa (Casa do Marquês, Restaurante Champanharia do Largo, Great Tastings), de 23 anos, laboram e amadurecem o Sr. Lisboa, versão copa e onde vamos encontrar uma carta eclética no que toca aos comeres, com um denominador comum: sabe-nos a petisco, porque é petisco, tem os clássicos que gostamos de encontrar.
Os dois jovens empreendedores, pais das cartas do Sr. Lisboa, assumem uma atitude disruptiva face ao formato e laboração do que nos trazem à mesa. Fazem-no bem, seja num molho de Amêijoas à Bulhão Pato, onde não estão as ditas, mas fica todo o sabor e a gulodice de mergulharmos na tigelinha o pão de Mafra, seja nos croquetes de Bacalhau à Brás, ou num Atum dos açores braseado e servido com um puré de batata-doce.
Porque comer não é só deglutir é também mimar sentidos e a nossa presença e relação com o restaurante, vale a pena enquanto aguardamos que o afã da cozinha (a verdadeira, não a ilusão daquela em que nos sentamos) se corporize em prato à mesa, um olhar de 360 º sobre a sala. Não lhe falta um frigorífico de estrutura robusta a recordar-nos que nos idos de 1950/1960 também já se fazia frio doméstico, assim como um candeeiro que Francisco engendrou com uma dúzia de frigideiras. Um tambor de uma máquina de lavar, também acomoda iluminação, numa sala acolhedora onde, para diversão dos nossos olhos, não há duas mesas iguais, duas cadeiras homónimas, ou dois pratos e copos que casem.
Nenhum problema em não acasalar o cinto com o sapatinho, ou a meia com a gravata, como se usa dizer. Não é essa a feição do Sr. Lisboa como percebemos logo à entrada. Um antigo troféu de caça que o tempo tratou de empoeirar, descansa numa parede. Sobre as hastes de uma alpaca, cervídeo africano, descansa um chapéu de coco. Uma relíquia que os proprietários do Sr. Lisboa resgataram de uma loja de velharias.
Uma sala com carisma, numa casa onde funcionava, antes, um tasco lisboeta. Um Sr. Lisboa que herdou dessa outra vida do estabelecimento um enorme painel de azulejos que, hoje, contrasta com as paredes em cimento cru, o chão e balcão em madeiras e a vontade de “brincar” com quem visita a casa. Um outro exemplo? Veja-se o leitor perante a necessidade de utilizar as casas de banho do Sr. Lisboa e vai perceber que a história continua, com o convite para entrar num cantinho comum nas nossas cozinhas.
No que respeita à carta, dá-nos bons argumentos para casarmos sobre a mesa quatro ou cinco propostas. Experimente-se, por exemplo para além dos pratos já aqui citados, o Lombo de novilho com molho de queijo Serra da Estrela. Carne dos açores, tenra, suculenta, a pedir um tinto que no caso do Sr. Lisboa pode, por exemplo, recair numa sugestão de vinho biológico, natural ou biodinâmico, num elenco por hora apenas nacional mas que se irá espraiar brevemente para outras geografias vínicas.
Se vai compor a mesa, faça-o também com uma ovos revoltados, um Polvo Chimichurri , acompanhado com batata, ou uns “Pés à Cinderela”, neste caso uns “delicados” pezinhos de porco, batata-doce, gel de coentros e cuscuz. Junte uma “Couve-flor atrevida”, com a dita a chegar à mesa gratinada; e um Pica-pau de Touro Bravo. Se preferir petiscar com sabor a mar, opte pelo “Vulcão de Bacalhau” com o fiel amigo feliz sobre umas gulosas migas de chouriço.
Posto isto, divida, comente e misture. A carta, nesta casa de 34 lugares, é encorpada com mais de duas dezenas de propostas. Não esquece, naturalmente os doces. Pedro quer dar-lhes, também aqui, assinatura própria. Dois exemplos? O pastel de nata desconstruído e Pudim Abade de Priscos, este acompanhado por um crumble de avelã, gelado de lima e redução de manjericão ananás.
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