Hoje, a Saúde portuguesa perdeu uma das suas vozes mais lúcidas. A Professora Doutora Margarida Vieira partiu e, com ela, levou a presença serena e firme que, para muitos de nós na área da saúde, foi uma verdadeira candeia, iluminando caminhos menos conhecidos e guiando gerações com sabedoria e humanidade. A sua ausência empobrece não apenas a Enfermagem, mas também o país e a Saúde no seu todo.

A notícia trouxe-me à memória não apenas as suas aulas, mas as lições silenciosas que iam muito além do conteúdo programático. Tanto eu como a minha esposa, apesar de sermos enfermeiros e termos vindo de caminhos distintos, fomos seus alunos em momentos diferentes da nossa formação. Em ambos, deixou uma marca profunda e duradoura. Não foi apenas o conhecimento académico que nos impressionou, mas, sobretudo, a sua capacidade de nos desafiar a pensar para lá das certezas, a questionar com coragem e a construir um olhar crítico sobre o cuidar.

Recordo particularmente um exercício que fazia com as turmas: uma provocação intelectual, quase uma armadilha benevolente, que exigia pensamento crítico, cuidado nas palavras e rigor nas convicções. Não aceitava respostas apressadas ou opiniões vazias. Pedia-nos argumentos, sustentação, coragem para pensar de forma estruturada e, sobretudo, para cuidar também do nosso pensamento.

Hoje, olhando para a nossa sociedade, percebo ainda melhor a relevância dessa sua lição. Vivemos tempos de ruído ensurdecedor e de silêncios perigosos, em que opiniões rápidas ocupam o espaço da reflexão e em que muitas convicções não passam de slogans frágeis. Numa altura em que as redes sociais amplificam tanto a desinformação como a intolerância, torna-se urgente recuperar aquilo que ela nos ensinava: cuidar da nossa voz interior, refletir antes de agir, falar com conhecimento e não com precipitação.

A sua última lição, “Na senda de um cuidado justo para todos”, não foi apenas uma despedida académica. Foi um testamento. E o seu legado estende-se muito para além dos cargos, graus e responsabilidades que assumiu desde a docência à coordenação dos programas de Mestrado e Doutoramento na Universidade Católica Portuguesa, passando pelo papel fundamental na Comissão Instaladora da Ordem dos Enfermeiros. O mais valioso está no que deixou gravado em nós: a certeza de que o cuidar é um ato simultaneamente técnico e profundamente humano.

Cuidar, como ela nos ensinou, não é apenas assistir à doença, mas estar atento à vida. É olhar para o outro e para nós próprios com respeito, rigor e empatia. É agir com consciência, sem deixar que o ruído externo ou a pressa nos afastem do que é justo. É preservar o pensamento crítico que nos impede de aceitar o inaceitável e ter a coragem de, com serenidade, defender o que é ético, mesmo perante o silêncio ou a indiferença.

Na sua última lição, a Professora Margarida Vieira permanece viva na sua luz e no seu legado, como uma candeia que nunca se apaga. Não será uma lembrança distante, mas sim uma chama que nos desafia a continuar a cuidar, a questionar e a lutar por um cuidado mais justo e humano. A sua vida foi um exemplo de dedicação, e o seu legado, um convite constante para sermos melhores, para nunca desistirmos da reflexão e da empatia, mesmo nos momentos mais difíceis.

Num mundo de loucos, marcado por guerras e mortes, o cuidar do ser humano e de cada um de nós faz ainda mais sentido. Afinal, somos humanos. E se algum dia a inteligência artificial aprender algo connosco, que aprenda o melhor do ser humano: o cuidar.

Que esta última lição ecoe para sempre, inspirando-nos a ser candeias que iluminam o caminho dos que vêm depois, tal como ela fez connosco. Obrigado, Professora Margarida.