E se estivéssemos finalmente perante uma hipótese histórica para reorientar os cuidados de saúde?
Num país onde há décadas se fala em reformar o sistema de saúde, há algo de novo a acontecer.
Não se trata de um plano mágico, nem de uma mudança estrutural imediata. É uma oportunidade real, rara, quase histórica, de recentrar o foco da saúde em Portugal no que verdadeiramente importa: as pessoas.
Durante demasiado tempo, organizámos os cuidados em torno das instituições, das estruturas, dos fluxos.
Mas hoje, mais do que nunca, impõe-se uma pergunta essencial: para que servem os sistemas de saúde, se não para cuidar melhor? Melhor dos doentes, melhor dos profissionais, melhor dos líderes que os guiam?
Vivemos um momento de inflexão.
O cansaço das equipas é evidente. O envelhecimento dos profissionais é incontornável. A desmotivação silenciosa alastra-se por muitos corredores. E os resultados em saúde, apesar do esforço de tantos, nem sempre acompanham a entrega diária dos que estão no terreno.
Por outro lado, há sinais de esperança. Projetos que florescem. Equipas que se reinventam. Lideranças que transformam.
O desafio que se coloca hoje é mais profundo do que qualquer plano de reorganização ou mudança de organograma.
É um desafio cultural, estratégico e profundamente humano. E a resposta pode estar na forma como olhamos para o valor — não como slogan, mas como bússola.
O valor como bússola
O paradigma do Value-Based Healthcare não é uma tendência académica nem uma linguagem apenas para congressos.
É um convite à maturidade dos sistemas.
Desafia-nos a medir o que realmente importa: os resultados com significado para os doentes.
Mas exige também que cuidemos da experiência dos profissionais, da sua satisfação, da sua permanência, da sua segurança. Sem isso, não há valor gerado. Nem sustentabilidade do SNS.
Numa lógica de valor, investir na saúde dos profissionais não é um luxo, é uma decisão estratégica.
Equipas motivadas produzem mais, erram menos, cuidam melhor e permanecem mais tempo.
Menos absentismo, menos rotatividade, mais compromisso. Em última análise, MAIS VALOR.
A transformação possível
A transformação que ambicionamos exige visão estratégica e coragem.
Mas também humildade, escuta ativa e capacidade de envolver quem verdadeiramente conhece o terreno.
Talvez nunca tenhamos tido uma oportunidade tão clara para recentrar o debate em torno do que conta: o valor percebido pelos doentes, o reconhecimento dos profissionais, a eficácia dos modelos de governação.
Precisamos de líderes preparados para essa mudança.
Mas precisamos também de cuidar das lideranças que temos, dotando-as das ferramentas, do tempo e da formação adequada para conduzirem essa transição com justiça, eficiência e humanidade.
Porque cuidar dos doentes, cuidar das equipas e cuidar da liderança fazem todos parte do mesmo esforço.
Um esforço que não se mede apenas em indicadores, mas em impacto, sustentabilidade e legado.
E agora?
É tempo de abandonar o ruído e fazer perguntas sérias.
Estamos a medir o que realmente importa?
Estamos a valorizar o que verdadeiramente conta?
Estamos a cuidar de quem cuida?
Se a resposta for “ainda não”, talvez esta seja a melhor altura para começar.
Porque quando o contexto muda, quando as oportunidades surgem, quando as vontades se alinham — não basta reconhecer o momento
É preciso assumi-lo.
Pode não voltar tão cedo.
Comentários