Setembro é o novo janeiro! «Há algo na moda que deixa as pessoas muito nervosas». As palavras proferidas de forma seca e arrogante o quanto baste, não fosse essa parte da sua imagem de marca, são de Anna Wintour, editora chefe da edição norte-americana da revista Vogue, no documentário «The September Issue». Lançado em agosto de 2009, este pequeno filme que conta também com a presença de personalidades da moda como o fotógrafo Mario Testino ou Karl Lagerfeld, retrata a azáfama que é o dia a dia (ou a noite a noite), enquanto se prepara a edição de setembro de uma revista de moda.

Setembro é, de facto, o janeiro da moda. E se por um lado esta excitação é passada para o lado do leitor que em julho já anseia pela edição de setembro, por outro, todo o encanto passa quando o folhear de uma revista da grossura de três dedos, se começa a revelar, afinal, um anuário de publicidade. Seria injusto, por outro lado, considerar apenas a publicidade, no que diz respeito à relevância da edição de setembro. Este é efetivamente o mês em que são anunciadas as tendências para a nova estação.

É no mês nove que páginas e páginas são preenchidas de peças-chave, peças obrigatórias, it bags, acessórios statement, entre tantas outras novidades fresquíssimas (ou diríamos quentinhas) para a estação fria. Mas cruamente falando e sem floreados à mistura, este é, acima de tudo, o mês em que os anunciantes querem destacar os seus novos produtos e conceitos, estratégica e maravilhosamente estampados em lindas e caras campanhas. Descubra a evolução da comunicação de moda, desde os tempos em que o produto era estrela, até aos tempos em que a estrela de cinema o substituiu.

A evolução da publicidade na moda

A publicidade de moda remonta ao século XVII quando, em Paris, surgiam as primeiras publicações dedicadas à moda. Jornais como o Mercure Galant ou o Cabinet des Modes, cobriam-se de ilustrações onde elegantes mulheres ostentavam as criações de alfaiates, ainda sem as pomposas designações de criadores de moda ou designers. Ainda que para um público mais específico (o acesso era limitadíssimo, restrito a uma classe mais elevada), o objetivo de quem comprava moda não era diferente dos dias de hoje.

Forma de expressão, de distinção social ou apenas mera vaidade e genuína paixão por roupas, joias ou acessórios. Era isto que procuravam as mulheres da época. A destacar personalidades como Marie Antoinette ou Madame Bovary (personagem de Even Flaubert, famoso novelista da época) e o seu assumido fascínio por moda. Tal como hoje, as publicidades davam então a conhecer os últimos gritos da moda, apenas na altura este era o único meio possível.

Não havia televisão, não existiam desfiles, o cargo de editora de moda era um termo desconhecido e stylists nem se fala. Só em 1867, quase um século depois, é concebida nos Estados Unidos da América a revista Harper's Bazaar, num formato de jornal semanal. Em 1892 surge a primeira Vogue, ditando o início oficial do império das publicações femininas. A grande mudança acabava por acontecer uma década depois quando, em 1900, estas revistas passaram a incluir fotografia de moda, e as marcas da área apercebem-se deste potencial novo meio.

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O que mudou quando as mulheres passaram a vestir calças

As campanhas que dominavam as revistas na época, à semelhança do que foi acontecendo posteriormente, refletiam a sociedade. Se na década de 1920, as imagens assentavam essencialmente no luxo e no estilo boémio, já em 1940, com a partida da classe masculina para a guerra, a moda feminina surgia nas páginas de revista mais contida, mais robusta e menos delicada. As mulheres passavam a vestir literalmente as calças. Mas não só de publicidade viviam as marcas e o editorial também teve momentos memoráveis.

De recordar a dupla Diana Vreeland, editora chefe e Alexy Brodovitch, diretor de arte, que tomaram conta do reinado Harper's Bazaar, proporcionando alguns dos momentos mais fortes e memoráveis que a revista tem conhecimento. O inconfundível design das capas de Alexy Brodovitch rompia com tudo o que tinha sido feito até à época e chocava de frente com as páginas de publicidade e as suas paletas de cor neutras e deslavadas, assim como as fontes demasiado old school na perceção do diretor de arte.

Mas foi em 1950 que o verdadeiro salto da indústria do marketing foi dado, na moda e no mundo em geral. Nos Estados Unidos da América, colocava-se um ponto final à austeridade do pós-guerra e os ideais de consumo conheciam uma nova faceta. Gastar dinheiro era saudável, patriótico até, e uma nova geração de marketeers estava pronta a ajudar a América moderna a gastá-lo. Por volta da década de 1970, grandes casas como a Chanel ou a Dior, viam a oportunidade de aumentar as suas receitas através da expansão para outras áreas de negócio como os acessórios ou a perfumaria.

A justificação para o aumento do número de páginas

Claro que para anunciar estas novidades, mais publicidade era necessária e revistas como a Vogue ou a Harper's Bazaar cresciam abrutamente em tamanho físico. Mais uma vez, a moda refletia a sociedade, desta vez uma sociedade regida pelo mantra greed is good (a cobiça é boa) e com dinheiro a circular como há muito não se via, toda a indústria crescia animadamente.

Este sentimento de bem-estar não se estendia ao design. As campanhas e mesmo a zona editorial estavam demasiado presas ao passado, dando aso a que novas e disruptivas publicações surgissem, como foi o caso de ID Magazine, The Face, Purple, Self Service e ainda Dazed and Confused.

Estas foram apenas alguns dos nomes que rebentaram com o tradicionalismo das revistas de moda até então conhecidas. Publicadas com menos frequência que as suas gigantes concorrentes, estas foram as revistas que fizeram imergir uma nova era do design e da fotografia de moda que acabaria, também, por se refletir nos seus anunciantes. Ainda nos anos 80, o crescente interesse pela moda por parte do público masculino fez eclodir títulos como a GQ ou a Esquire, abrindo largos horizontes ao mercado da relojoaria e calçado.

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O produto ou a pessoa?

Com o boom da publicidade na famosa década de 1980 e a evolução que carregou consigo, também a mensagem a transmitir acabaria por mudar. Se, até aqui, as campanhas estavam focadas no produto e na venda pura e dura, a nova publicidade passaria a incidir na venda de um sonho. De lifestyle, puramente aspiracional. Pouca ou nenhuma informação acerca do produto entrava na campanha. A eficácia desta forma de comunicar manteve-se até hoje.

Por isso assistimos a campanhas de nível tão alto que muitas vezes se sobrepoem aos editoriais de moda da revista em termos de produção. A equação fotografia mais logotipo acaba mesmo por valer mais que as mil palavras de qualquer anúncio de publicidade.

Assim, dos tempos em que o produto era a estrela, até aos tempos em que a modelo era apenas um cabide de roupa, a realidade atual é a de valorizar quem aparece na campanha. O «quem usa o quê» substituiu sem qualquer tipo de pudor o «o quê». O produto deixa de ser o protagonista. É o fim mas nunca o meio para o alcançar.

Texto: Pureza Fleming