Primeiro foi em 2011, com o lançamento da trilogia "As Cinquenta Sombras de Grey". "Este romance erótico pôs as gravatas cinzentas no primeiro lugar da lista de compras de muitas esposas, na esperança de que os respetivos maridos viessem a imitar a personalidade obsessiva, imperiosa e intimidante de Grey, com muitas a admitirem que o livro lhes despertou um desejo intenso por sexo com os companheiros", escreveu o Daily Mail.
Depois foi em 2015, com a adaptação ao cinema do romance erótico de E. L. James. Segundo a revista Sábado, só no ano de lançamento do livro, a venda de brinquedos sexuais aumentou cerca de 400% e nasceu um novo grupo denominado "Mommy Porn" (pornografia para mãe).
Aparte do sucesso da trilogia, o Dia Internacional do Fetiche existe e, mais do que marcar uma data no calendário, o objetivo deste dia é chamar a atenção e criar apoio para a comunidade fetichista, ao encorajar os seus membros, e a sociedade em geral, a ser mais aberta em relação à sua sexualidade.
Mas, o que é o fetiche? "O fetiche foi classificado pela psicanálise como uma perversão, ou seja, uma manifestação disfuncional da sexualidade. Hoje, o DSM (Manual de Diagnóstico e Estatística das Doenças Mentais) define o fetichismo como uma parafilia", explica Marta Xavier Cuntim, psicóloga clínica, na Oficina de Psicologia.
E o que é uma parafilia? "É um padrão de comportamento sexual, no qual, geralmente, a fonte de prazer não se encontra na penetração, mas noutras interações sexuais. São considerados parafilias os padrões de comportamento sexual nos quais o interesse não está no ato em sim (por exemplo, coprofilia), mas no objeto (pedofilia). As parafilias mais comuns são: exibicionismo, fetichismo, fetichismo travestido, frotteurismo, pedofilia, masoquismo, sadismo, voyeurismo", esclarece a psicóloga clínica.
Eu tenho um fetiche
Rui tem 35 anos, é realizador e fotógrafo free lancer e tem um fetiche. Chama-se tricofilia e trata-se de "um interesse primordial por cabelos. Os cabelos (e pêlos púbicos) têm uma relevância quase determinante nas minhas escolhas sexuais. Digo "quase" porque este fetiche é ainda periférico em mim. É muito importante mas ainda não é totalmente determinante. Há outras condicionantes que podem ainda sobrepor-se a essa preferência, mas o cabelo é sem dúvida a primeira coisa em que reparo e quando estou com alguém e sinto que é um elemento que catalisa a minha excitação durante o sexo", explica.
A sua atração pelo cabelo tem uma explicação simples: "Um cabelo bem cuidado, luminoso, suave, com "vida própria" é das coisas mais sedutoras que posso apreciar. Ao dizer isto parece quase uma analogia à lenda da Medusa, mas por vezes é mesmo. Há cabelos que hipnotizam", conclui.
Rui foi ganhando perceção do seu fetiche graças à sua profissão pois "enquanto apreciador de vídeo e fotografia, sempre me fascinou imagens de cabelos. E quanto mais naturais melhor. Cabelos ao vento, cabelos em movimento, cabelos caídos sobre caras, ombros e costas. Os cabelos reservam algum tipo de mistério que desde muito cedo me despertou a curiosidade", relembra.
O fotógrafo, que assume dar mais importância ao cabelo de uma mulher, e à forma como é penteado, do que, por exemplo, a roupa ou a maquilhagem, recorda o momento em que tudo mudou: “Fui ver uma peça de teatro que também tinha momentos de dança. Não me lembro de nada da peça, mas lembro-me perfeitamente do cabelo de uma das atrizes e da forma como ele se movia quando ela dançava... e do quanto isso me excitou. Fiquei com essa imagem gravada e comecei então a tomar consciência da importância que os cabelos tinham para a minha libido. E isso passou a confirmar-se nas experiências sexuais posteriores. E é assim que os fetiches passam de periféricos a integrados”.
Um mundo por descobrir
Para a generalidade das pessoas, o termo "fetiche" está muitas vezes associado ao BDSM - Bondage e Disciplina, Dominação e Submissão, Sadismo e Masoquismo. Mas há mais para além disso e é aí que Rui se demarca.
“Os fetiches, mais do que distúrbios ou disfunções, fazem parte das preferências cognitivas de cada um e podem desenvolver-se ou interferir mais ou menos no prazer que todos temos na interação sexual. Nesse sentido, há preferências exclusivas, como as pessoas que só se excitam com determinada "especificidade" (fetiche) ou preferências inclusivas, como as pessoas que, tendo uma vivência sexual abrangente, valorizam ou sentem predileção por algo específico que acabar por aumentar a sua estimulação”, explica, acrescentando que “enquadro-me neste segundo nível”.
Marta Xavier Cuntim acredita que ainda há muita confusão de conceitos porque “muitas vezes se confunde fetiche ou parafilia com fantasias sexuais. Um fetiche implica que a pessoa só tenha prazer com um "objeto" em particular, enquanto uma fantasia acaba por ser uma interpretação sexual de uma coisa inócua, como por exemplo, pessoas que se vestem de super heróis, ou com fardas, ou que fantasia vir a ter sexo com estranhos”, explica.
Realizar fantasias sexuais é uma das ações da Purília, uma comunidade criada em 2009, com cerca de seis mil pessoas registadas, que tem como objetivo colocar em contacto pessoas com gostos idênticos, através da realização de eventos muito exclusivos.
Eva Lee, responsável pela comunidade, explica que criam “eventos de cariz erótico sexual, bem como experiências privadas, indo ao encontro ao desejado por quem nos procura, sendo que algumas vezes sugerimos experiências entre membros”.
Marta Xavier Cuntim admite que "enquanto as fantasias são melhor aceites pela sociedade e pelos casais, quando se fala de fetiches associa-se sempre a coisas negativas. Acima de tudo devemos ter em consideração que o que é normal e saudável no sexo é aquilo que os parceiros aceitam, aquilo em que o casal está de acordo".
Os brinquedos sexuais
Foi em 1998, que João Correia, autor de "Sex, Sharks and Rock & Roll", volumes I e II, abriu uma sex shop virtual, a Alalunga Lingerie. A ideia era aliar o seu gosto por lingerie (meias de ligas, stay-ups, catsuits) ao facto de poder ter um rendimento extra.
“Tudo começou quando vi o "Flash Gordon" no cinema, com os meus pais, com uns 8,9 anos... Quando vi a filha do Imperador Ming, de catsuit vermelho, a levar uns “tau taus” de um robot malvado, pensei imediatamente: Quando for grande quero ser um robot malvadinho!”, explica em tom de brincadeira.
A loja foi a forma que encontrou para explorar um tema que lhe agrada: “Com a Alalunga podia fazer isso”, acrescentando que “desde cedo começámos a patrocinar eventos Fetiche, como a Gathering party”.
Além da loja online, João Correia também vende produtos para lojas físicas, sendo que os produtos mais procurados são conjuntos de lingerie, loções afrodisíacas e vibradores. No entanto, João tem notado “uma tremenda diminuição nas vendas fruto da "crise". Não se trata apenas de mais concorrência porque os meus clientes (lojas) queixam-se exatamente do mesmo”, desabafa. Mas, por outro lado “diria que têm aumentado as vendas de artigos "kinky” (bondage, restraints), muito provavelmente graças às "As Cinquenta Sombras de Grey" e à "democratização" dos fetiches”, concluiu.
Falar de sexo de uma forma descontraída é o principal objetivo da Maleta Vermelha, uma empresa originalmente espanhola, que tem cerca de 30 assessoras, de norte a sul do país.
“A maioria das mulheres tem pudor a ir a uma sex shop. Portanto, a ideia é trazer um pouco daquilo que se encontra numa sex shop para as mulheres, num ambiente mais intimista, onde estão com as pessoas que confiam e onde podem escolher e fazer perguntas sobre os produtos”, afirma Claudia Sousa, Diretora Geral da empresa.
A ideia das reuniões é abordar temas ligados ao sexo, através de vários produtos, num ambiente onde as mulheres se sentem seguras. “Nós maioritariamente lidamos com “fetiches light”, ou seja, seja aqueles com o chicote ou com uma chibatazinha. Tendemos mais para o bondage ou para o sadomasoquismo, mas ligth, do que para outro tipo de fetiches, porque em termos de fetiches existem imensos”, explica Cláudia.
Os produtos mais procurados na reunião da Maleta Vermelha são de cosmética erótica, como óleos ou cremes de massagem, pinturas corporais, estimulantes, retardantes, espumas de massagens, gelatina para o banho, perfumes e incensos com feromonas e conjuntos de máscaras e chicotes ou algemas, de veludo ou a imitar joias. Os vibradores também têm alguma procura.
“Como estamos em ambientes normalmente privados há uma libertação maior e elas acabam por falar e aproveitam o facto de terem alguém que tem mais conhecimento de causa que elas para colocaram questões. Mas, infelizmente, ainda existe muita ignorância em relação a vários assuntos, tanto que, coisas que consideramos que toda a gente devia saber, a maioria das pessoas não sabe. Por exemplo, uma simples coisa como onde está o seu clitóris”, lamenta Cláudia Sousa.
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