Pesquisas realizadas um pouco por todo o mundo concluíram que a idade da puberdade nas raparigas desceu um ano desde as últimas décadas. Um estudo dinamarquês também veio confirmar esta tendência.
A investigação do Departamento de Crescimento e Reprodução do Hospital Universitário de Copenhaga revelou que a idade média do crescimento do peito diminuiu de 10,9 para 9,9, em 15 anos, e o aparecimento da menarca antecipou-se quatro meses.
Nos rapazes, as alterações notam-se ao nível da voz. Surpreendido com estas conclusões? Deixamos-lhe as opiniões de quatro especialistas para a ajudar a compreender o que está a acontecer no corpo dos mais jovens e saber quando é que existe lugar para a preocupação.
Stress familiar
Uma pesquisa americana divulgada em setembro deste ano demonstrou que não são apenas o índice de massa muscular e as alterações hormonais que influenciam o início da puberdade, mas que o ambiente familiar também poderá contribuir para antecipar este processo. De acordo com esta investigação, as raparigas que crescem em famílias com o pai biológico ausente tendem a iniciar a puberdade mais cedo.
Como afirma Frank M. Biro, diretor do departamento da Medicina da Adolescência no Cincinnati Children’s Hospital e autor de uma pesquisa recente sobre a influência do ambiente familiar na puberdade, «o aumento do stress e a ausência do pai biológico é tipicamente associada à antecipação da puberdade, uma vez que a instabilidade é um incentivo ao início do processo de maturação». Mário Cordeiro, pediatra, admite que «estas situações podem ser desencadeadas por fatores psicológicos e a necessidade intrínseca de ser mãe».
Consequência da obesidade
Frank M. Biro considera que «o aumento da massa corporal e o crescimento da obesidade são os motivos mais fiáveis para explicar a antecipação da puberdade nas raparigas, uma vez que os níveis de leptina, libertados pelos adipócitos, podem influenciar o aparecimento de menarca mais precoce. Sendo um mediador entre o tecido adiposo e o eixo hipotalamo-gonadas, esta hormona tem relação negativa com a idade de menarca».
Marcelo da Fonseca, presidente da secção de Endocrinologia Pediátrica da Sociedade Portuguesa de Pediatria, lembra que «prevenir a obesidade desde o nascimento, fomentando o aleitamento materno e a correta introdução da diversificação alimentar, bem como uma nutrição adequada nas diferentes fases do desenvolvimento da criança tem sido uma preocupação prioritária dos pediatras».
Mas não tem sido a única.
A puberdade precoce como consequência da exposição prolongada a estrogénios e outros químicos tem sido outra das grandes preocupações. Como explica Cristina Padez, especialista em antropologia biológica, «algumas toxinas têm uma composição química semelhante a hormonas implicadas no processo de menarca». «Aparentemente, o organismo reconhece-as como hormonas e o processo de maturação é desencadeado», sublinha, ainda, esta especialista.
Mães distantes
A hipótese mais polémica para explicar as mudanças físicas aponta as mães como culpadas. O estudo realizado por uma universidade londrina indica que a fraca ligação maternal estimula o início da puberdade.
A pesquisa empírica constatou que, em famílias cujas mães têm um salário mais elevado e que dedicam menos tempo aos filhos, a puberdade acontece mais cedo. Por outro lado, uma investigação australiana conclui que crescer numa família com irmãos mais velhos poderá atrasar a menarca para a idade média de 13,6 anos, comparativamente com as raparigas que têm irmãs mais velhas, cuja primeira menstruação surge aos 12,7 anos.
Raparigas e rapazes
Por norma, as alterações biológicas começam por volta dos 11 anos no sexo feminino e, nos rapazes, iniciam-se um a dois anos mais tarde. O investigador americano Frank M. Biro explica que «embora as razões para o desfasamento entre ambos os sexos não sejam inteiramente conhecidas, o que contribui para as diferenças é o aumento dos níveis de leptina, que acontece mais prematuramente nas meninas do que nos rapazes».
Cristina Padez apresenta as conclusões de Barry Bogin, um dos autores que mais tem estudado esta problemática, para explicar a dissemelhança. «Este investigador defende que as raparigas entram na adolescência dois anos mais cedo do que os rapazes para adquirirem as competências necessárias a nível das relações sociais, gravidez e cuidados maternais.»
Puberdade precoce
A antecipação da puberdade não deve ser, no entanto, confundida com a puberdade precoce.
Como esclarece Marcelo da Fonseca, «a idade de início da puberdade é variável e está influenciada não só pelo sexo, mas também por fatores genéticos, ambientais, nutricionais e geográficos».
«A modificação dos hábitos alimentares e as melhores condições socioeconómicas têm contribuído para o adiantamento de idade da puberdade, correspondendo na maioria dos casos a situações não patológicas», refere este especialista.
A puberdade precoce, como entidade patológica, define-se como o início do aparecimento dos caracteres sexuais secundários, ou seja, subida de peso, crescimento dos seios, dos pelos púbicos e aparecimento da menstruação no sexo feminino e, no caso dos rapazes, a mudança na voz, aumento da massa muscular e desenvolvimento dos órgãos reprodutores, abaixo dos oito anos na rapariga e dos nove no sexo masculino», sublinha ainda.
Mário Cordeiro lembra ainda que «o problema da puberdade precoce antes dos oito anos é que pode existir uma grande dissociação entre a pessoa, em termos físicos, e a pessoa, a nível psicológico e social. E isso pode ser um fator de risco. Depois tudo se compõe quando as outras raparigas também começam a entrar na puberdade, mas se não houver apoio, proteção e, sobretudo, bom senso, podem já ter ocorrido efeitos gravosos».
Evitar os fatores de risco
A antecipação da puberdade em um ano é sempre apontada como uma mudança positiva, mas, quando acontece em idade inferior aos limites da normalidade, Marcelo da Fonseca considera que «as causas devem ser investigadas para esclarecimento da sua etiologia e orientados por uma equipa multidisciplinar». As pesquisas encontram uma relação entre a maturidade precoce e o desenvolvimento de comportamentos de risco.
«As raparigas amadurecem mais cedo do que os rapazes e a menina mais precoce vai amadurecer antes de todas as crianças nessa idade. Aqueles que amadurecem muito mais cedo irão interagir com aqueles que são cronologicamente mais velhos e, portanto, haverá maior probabilidade de se envolverem em comportamentos de alto risco, como a iniciação à vida sexual antes do tempo e uma gravidez indesejada», esclarece Frank M. Biro.
A prevenção da puberdade precoce passa por, «além da alimentação saudável, incentivar a atividade física regular e minimizar a exposição a substâncias químicas potencialmente perturbadoras do sistema endócrino, pois essas toxinas podem imitar os esteroides sexuais, ativando (ou bloqueando) os recetores de esteroides sexuais», conclui o especialista americano.
Realidade nacional
Em Portugal, a situação da puberdade não é diferente do resto do mundo.
Cristina Padez, autora de estudos sobre a relação entre a puberdade e a obesidade em Portugal, conclui que, da década de 70 até 80, a idade da menarca passou de uma média de 13,18 anos para 12,03.
No entender da antropóloga da Universidade de Coimbra, «essa antecipação é positiva, uma vez que, regra geral, é consequência de uma melhoria generalizada das condições de vida da população em termos de padrão de saúde».
Texto: Fátima Lopes Cardoso com Cristina Padez (especialista em antropologia biológica), Frank M. Biro (investigador), Marcelo Fonseca (presidente da seção de endocrologia pediátrica da Sociedade Portuguesa de Pediatria) e Mário Cordeiro (pediatra)
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