Recordo-me de, ainda pequenina, a acompanhar à cabeleireira que semanalmente lhe fazia a tradicional ‘mise’ e de admirar a forma como a minha mãe se cuidava todas as manhãs - num estilo clássico e formal que nunca herdei, mas que sempre admirei pelo resultado final conseguido.
“Nunca se deita fora uma boa peça de roupa. Daqui a 20 anos, ela voltará a estar na moda”. E por menos sentido que isto me fizesse na altura, a verdade é que alguns anos depois lá voltava a usar-se aquela peça que a minha mãe havia deixado bem guardada no familiar baú do seu quarto.
“As modas são cíclicas”, dizia-me.
Constituir família não é uma moda. É um desejo (ou, às vezes, uma surpresa inesperada). Quando eu estava na casa dos meus 30 anos, era raro o mês em que não tinha um casamento, um batizado ou uma ida à maternidade para conhecer mais um bebé do meu grupo de amigos. Durante anos, foi ver o meu núcleo central a crescer desmesuradamente.
Depois, a coisa acalmou. Algumas pessoas já casadas assim se mantiveram, outras descasaram e juraram nunca mais “se meter noutra”. As que tiveram filhos resolveram não aumentar a prole e as que nunca os quiseram ter mantiveram-se sem fraldas e chuchas dentro de casa.
Uma década depois, o ciclo retomou. Os amigos separados reencontraram o amor. Outros amigos que não tinham filhos foram brindados com a notícia de gravidezes (algumas adiadas outras não planeadas).
É assim que neste momento tenho quatro amigos muito próximos, todos com mais de 40 anos, à espera dos seus primeiros rebentos.
Há dias, visitei uma amiga que teve recentemente um bebé. Maravilhei-me com aquele corpo pequenino, com os sorrisos rasgados numa boca perfeitamente desdentada, com os pezinhos que se agitavam ferozmente no embalo de cada gargalhada. Rendi-me a uma fase que já não vivo há quase uma década.
E, enquanto o meu “tico cerebral” insistia em ativar este meu lado puramente maternal que anseia por voltar a sentir a emoção de ter outro bebé em casa e nos braços, o “teco” ria às gargalhadas, perguntando-me se eu estaria disposta a abdicar de tudo aquilo que só recentemente voltei a reconquistar: a liberdade de viver sem grandes dramas com horários; a independência para beber livremente um café com os meus amigos; as noites que, mesmo podendo ser curtas, são de um sono ininterrupto; as idas ao cinema ou ao teatro sem birras estridentes que me faziam querer enfiar em um qualquer buraco.
Saí de casa da minha amiga de braço dado com o “teco”. A olhar para os meus filhos, já crescidinhos, e a agradecer pela vida que já conquistámos. Pelo que eles, de certo modo, já não precisam de mim. Por não precisar de aproveitar os seus sonos para ter um bocadinho só meu. Por não passar já os dias a escorregar em legos que ficavam perdidos pela casa. Por não precisar de lhes lavar os dentes ou de passar os dias num “ai-jesus-se-o-menino-cai-e-me-esfola-um-joelho”.
Aos quarenta anos, tenho finalmente uma vida que me demorou a conquistar. E de que, pelo menos por agora (e por mais que eu amasse ainda ter um quinto filho), não sei se estaria disposta a abdicar.
[dir-me-ão os meus amigos mais próximos, que me ouvem desde sempre sonhar com mais um filho, que estou a escrever com a cabeça. Talvez um dia reescreva estas palavras com o fundo do meu coração!]
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