Afinal, a felicidade ensina-se? Há quem tenha esta dúvida. Muitos especialistas dizem que sim. E explicam como. A poucas semanas do parto, Sara Martinho [nome fictício de uma mãe que prefere preservar o seu anonimato], de 40 anos, apenas quer o melhor para o filho. «Primeiro, que ele nasça saudável. Depois, que seja feliz», revela. No último mês de gravidez, começou a sentir-se cansada.
Resolveu, então, diminuir o horário de trabalho e evitar as atividades que sentia provocar-lhe maior stresse. «Não quero que o meu filho já nasça ansioso», explicou, na altura, a futura mãe, em declarações à revista Saber Viver. Para educar o bebé, ainda não tinha, então, uma estratégia.
Apenas a certeza de vir amar o filho e dar-lhe todo o afeto e a esperança de que os genes do seu lado falem mais alto em matéria de felicidade. «Na minha família, temos uma certa disposição para o bem-estar. Eu sou tão genuinamente feliz que acho que é contagiante», observa. Sara Martinho não é única a defender este ponto de vista. Muitos progenitores pensam como ela.
Genes versus educação
Muitos pais acreditam que a personalidade dos filhos já se encontra em grande parte geneticamente definida. E que isso tem um enorme peso na medida da sua felicidade durante a infância e na idade adulta. Mas, curiosamente, alguns vão dando especial importância à transmissão de certos valores ao longo da educação.
Algo que os especialistas defensores da felicidade como capacidade que pode ser ensinada às crianças apontam como sendo essenciais. A posição de Marta Carvalho, de 44 anos, ilustra bem este aspeto. Mãe de um rapaz de 13 anos, defende que a «felicidade não se ensina». Mas explica que tem vindo a sensibilizar o filho para «viver bem com ele próprio», diz.
«A viver bem com ele próprio e a lutar por aquilo que quer, com esforço e perseverança», acrescenta ainda. Também lhe incutiu, desde logo, outros princípios que julga serem essenciais, «nomeadamente, a humildade e a gratidão», sublinha. Princípios e valores que as gerações atuais, tendencialmente insatisfeitas, têm vindo a menosprezar, como alertam vários especialistas.
Vidas felizes proporcionam emoções positivas
Não é uma aprendizagem simples. Podemos dizer que há o antes e o depois em matéria de felicidade. Nos últimos anos, ela deixou de ser vista como algo «que nos acontece por acaso e sobre a qual não temos controlo», como refere Darrin McMahon no livro «Uma história da felicidade», publicado pela editora Edições 70, para concluir-se que afinal a responsabilidade de sermos felizes é apenas de cada um de nós.
Que é possível criar esse caminho a partir dos primeiros anos de vida, e que os pais têm um papel fundamental nessa tarefa. Dito de outra forma, a felicidade pode ser ensinada pelos progenitores, aprendida no seio das famílias. Portanto, há uma inversão do paradigma da felicidade, operada por muitos anos de estudo e investigação no campo da psicologia positiva.
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A felicidade é mais do que um mero estado de espírito
À luz deste movimento dentro das ciências psicológicas, a felicidade deixa de ser vista como um estado de espírito ou pré-disposição. «Em vez disso, uma vida feliz define-se por ser fértil em proporcionar vários tipos de emoções positivas», afirma Christine Carter, investigadora e diretora executiva do Greater Good Science Center da Universidade de Berkeley, nos Estados Unidos da América.
«Por exemplo, emoções positivas baseadas no passado, como gratidão, perdão e valorização, são componentes importantes de uma vida feliz. Tal como emoções positivas inspiradas no futuro, como otimismo, fé e confiança», escreve ainda a autora do livro «Educar para a felicidade», publicado em Portugal pela editora Lua de Papel.
Aprender a educar através de modelos
Segundo a socióloga Christine Carter, que trabalhou como investigadora e diretora executiva do Greater Good Science Center da Universidade de Berkeley, na Califórnia, está provado que o ser humano descobre a felicidade mediante as suas ligações com os outros. «Emoções positivas como o amor, a bondade e a empatia ajudam-nos a estabelecer essas ligações», defende.
«E emoções baseadas no presente, como a alegria e a satisfação, constituem ingredientes óbvios numa infância feliz», acrescenta ainda. Se é certo que as crianças se familiarizam com vários tipos de raciocínio, sentimentos e comportamentos que se baseiam em grande parte no que lhes é ensinado sobre o mundo, das suas relações e das expetativas dos adultos, então também é possível educá-las para a felicidade.
Para serem crianças felizes e, mais tarde, adultos felizes. Pelo menos é o que garante Christine Carter que, ao longo do livro, indica 10 passos para ajudar crianças e progenitores a caminhar nesse sentido, sugerindo educar através de modelos. Veja também como dar resposta às perguntas mais difíceis que as crianças fazem.
A abordagem errada que as crianças trazem de casa
A forma como educamos as crianças contribui muito mais para a felicidade delas do que uma suposta predisposição ou herança genética. O argumento é do psicólogo clínico Manuel Coutinho que também defende que, embora nunca seja verdadeiramente tarde para se ser um adulto feliz, tudo fica mais fácil quando na infância também se foi. «Não somos felizes amanhã. Temos de ser felizes hoje com aquilo que temos», defende.
«E ficar gratos por isso!», diz, comentando que, infelizmente, ainda há pais que pensam que a felicidade está nos bens materiais e no sucesso. Embora todas estas coisas tenham a sua importância ou lugar, não são realmente as essenciais. «A felicidade é acima de tudo um espaço interior que precisa de ser valorizado, pois está muito próximo da autoestima», comenta.
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Quando os pais vivem preocupados com a sua própria felicidade
Em cada pessoa que olha para si própria e gosta do que vê há uma possibilidade de felicidade. Cristine Carter diz mais, indo ainda mais longe. «No caminho para a felicidade duradoura, para além da autoconfiança e do amor-próprio, há gestos de gratidão e altruísmo, capacidade de perdão, bondade e generosidade, otimismo e um constante treino de emoções positivas», refere.
Colocando a tónica no modelo educativo com que se vai transmitindo as bases da felicidade autêntica aos filhos, Manuel Coutinho aconselha os pais a fazerem uma introspeção antes de iniciarem esse percurso. «É importante que eles sejam felizes», refere. Pais preocupados com a sua própria felicidade conseguem transmitir melhor às crianças a capacidade de serem felizes.
«Elas aprendem mais com os exemplos do que com as palavras, daí a necessidade dos adultos serem bons modelos», remata o psicólogo. Um dos pontos de partida de Christine Carter é precisamente aquele que refere que os pais tratem da sua própria felicidade, antes de tentarem ensinar aos filhos as competências para serem felizes. Por isso, convida os leitores «a colocarem as suas máscaras de oxigénio».
O imperativo de colocar uma máscara de oxigénio
Este é o primeiro dos dez passos que prometem ajudar progenitores e filhos a serem mais felizes. O que é que isto significa? Que os pais devem cuidar da felicidade pessoal, alimentando e reservando tempo para eles, pois os filhos só beneficiarão com isso. «A nossa felicidade como pais influencia de muitas formas a felicidade dos nossos filhos», diz.
Ao fazê-lo, Christine Carter procura explicar que uma pesquisa estabeleceu «um vínculo substancial entre mães que se sentem deprimidas e resultados negativos nos seus filhos, como ansiedade e outros distúrbios de comportamento», refere ainda, recomendando a prática de atos de gratidão para alcançar uma felicidade maior. É desejável que mães e pais arranjem espaço para as atividades que lhes dão prazer, portanto.
E para o seu relacionamento conjugal, se for o caso. Ir jantar ou passar um fim de semana fora sem as crianças, deixando-as aos cuidados de alguém em quem confiem, traz benefícios a todos. A felicidade centrada no eu não resulta, como assegura George Vaillant, que nos sugere a importância dos relacionamentos. «É no envolvimento com os outros que reside a melhor fonte de emoções positivas», diz.
A importância de romancear
O psiquiatra norte-americano defende ainda que os atos de gratidão contribuem para os nossos níveis de felicidade. Christine Carter também defende a importância das relações das crianças com os outros. «Precisamos de ensinar os nossos filhos a alimentarem (talvez mesmo romancearem) as suas relações mais importantes», afirma. E também a necessidade de ensiná-las a expressar a gratidão.
Para isso, incentiva que pais e filhos escrevam juntos uma espécie de diário de reconhecimento. Ou, pelo menos, escrever num papel ao fim de cada dia algo pelo qual se sintam gratos. Ela pratica este exercício diariamente com as duas filhas. É um facto que os pais desejam o melhor para os filhos. Mas, também, que muitas vezes se confundem nas prioridades.
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Os limites que é preciso impor
Escolher o que mais importa nas suas educações nem sempre é tarefa fácil. Alguns culpabilizados por estarem pouco disponíveis, por razões laborais, têm dificuldade em dizer não e, com isso, provocar-lhes traumas psicológicos. «Educar é sobretudo amar e amar é impor limites», diz Manuel Coutinho esclarecendo que as regras e a disciplina são fundamentais na caminhada para a felicidade.
«É preciso dizer não quando necessário», refere ainda. O ajustar do comportamento da criança, o marcar limites com regras são mecanismos fundamentais para o crescimento harmonioso da personalidade da criança. «Crescer em harmonia é crescer feliz», acrescenta ainda.
O psicólogo clínico diz que infelizmente os pais ainda educam muito para o sucesso, esquecendo-se de ensinar para o fracasso, o que se calhar ainda é mais importante. «Se a criança estiver educada para os fracassos, perante uma adversidade vai saber reagir. Encontrar dentro dela a força, a energia e a coragem para gerir a situação».
Aprender a desenvolver a resiliência
Ao longo da educação, cabe ao pais valorizar e corrigir os filhos quando se justifique. «Devem corrigir o que está mal no sentido de ajudar a melhorar, mas essa correção não deve afetar a criança na sua dignidade», prossegue Manuel Coutinho, indicando esta atitude como mais uma orientação para ajudar as crianças a serem felizes. «Não me importo que ganhes ou percas» é o conselho que Christine Carter dá aos pais para dizerem aos filhos.
A socióloga concorda que dar mais valor ao esforço do que ao resultado possa ser angustiante para alguns pais mas que é preciso manter esta perspetiva. Explica que quando «elogiamos pelo esforço e o trabalho árduo que conduz à realização, as crianças querem continuar empenhadas nesse processo», sublinha. Quando as elogiamos, «atribuindo instintivamente o seu sucesso a dons inatos, damos-lhes a receita da ansiedade e do resultado insatisfatório».
Explica que o elogio não é mau. Esclarece que os pais podem elogiar frequentemente os filhos desde que atribuam o êxito «a coisas como esforço, empenho, desembaraço, trabalho árduo e prática», uma vez que são esses «os elementos que os ajudam a crescer, a obter sucesso e a ser feliz», acrescenta ainda. À semelhança de muitos especialistas, Manuel Coutinho defende que para crescer é preciso que a criança chore e sinta dor.
Dor e conflitos são essenciais
É fundamental que se sinta confrontada e seja confrontada e viva conflitos. «Os pais devem estar por perto, compreender e apoiar, dar ferramentas para que encontrem estabilidade. Mas não evitar este estado de coisas», diz. É através destas experiências angustiantes que os meninos amadurecem, tornando-se resilientes. Com maior capacidade de reagir face às adversidades que a vida lhes reserva.
Segundo Christine Carter, o conflito é uma coisa boa, pois implica mudança e dá interesse à vida. «Além de ajudar os nossos filhos a desenvolver amizades sólidas, a pesquisa demonstra que aprender a resolução positiva do conflito traz outros benefícios, incluindo o progresso dos resultados académicos e o aumento da autoconfiança e autoestima», sublinha a especialista.
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O condicionamento da herança genética
Também otimiza o nível de raciocínio e a criatividade na resolução dos problemas. Ao longo de duzentas e sessenta páginas a socióloga, autora de «Educar para a felicidade», apresenta-nos dez ideias, ou passos que prometem revolucionar a vivência das famílias. São conselhos para pôr em prática ao encontro da felicidade.
Pistas para atividades e comportamentos que cultivam o esforço e a diversão, a gratidão e a inteligência emocional das crianças e a autodisciplina, ensinam a criar hábitos de felicidade e ambientes felizes. A grande meta na vida do ser humano é sem dúvida ser feliz e ter filhos felizes. Mas a felicidade estará ao alcance de todos?
Estudos levados a cabo por Sonja Lyubormisky, da Universidade de Riverside, na Califórnia, EUA, mostraram que 50% da felicidade depende da herança genética, 10% das circunstâncias de vida e 40% de cada indivíduo e do seu comportamento. É precisamente nestes 40% que muitos especialistas dizem que é possível trabalhar, e trocar a volta às tendências.
Pensar com otimismo
Em vários dos seus livros, Sonja Lyubormisky explica como utilizar estes 40% a nosso favor. Em linhas gerais e no essencial, propõe formas de pensar e de agir para a felicidade, com o otimismo ao fundo. Numa clara mensagem de que ser feliz, afinal, está mesmo na mão de cada um de nós.
De acordo com Christine Carter, crianças de dez anos que são ensinadas a refletir e a interpretar o mundo de forma optimista têm menos 50% de hipóteses de sofrerem de depressão quando passam pela puberdade. A especialista explica várias formas de pensar com optimismo:
- Reconhecer o bem que resulta da dificuldade.
- Considerar o copo meio cheio. Assinalar o que é bom em vez do que é mau, embora ambos estejam presentes.
- Refletir sobre a aprendizagem resultante do fracasso.
- Optar por confiar. Dê a si e aos outros o benefício da dúvida em vez de se deixar abater por sentimentos como a hesitação, a culpa ou a ofensa.
Texto: Júlia Serrão e Luis Batista Gonçalves (edição digital) com Manuel Coutinho (psicólogo clínico) e Christine Carter (socióloga e investigadora do Greater Good Science Center e autora do livro «Educar para a felicidade»)
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