O estudo, “Os Filhos da Violência Doméstica”, é da autoria de Miguel Rodrigues, docente e investigador do Centro de Estudos Interdisciplinares em Educação e Desenvolvimento, da Universidade Lusófona, e é feito com base em inquéritos a 1.205 crianças e jovens, filhos de 1.010 mulheres vítimas de violência doméstica, que decorreram entre 2020 e 2022, em todo o país.
O autor quis aferir os impactos negativos da violência doméstica na vida das crianças e jovens em várias dimensões, desde a saúde mental e bem-estar, educação, comportamentos aditivos e dependências e ilícitos criminais em meio escolar, tendo, para isso, comparado os resultados obtidos com os resultados de outros estudos internacionais nos quais Portugal participou.
Relativamente à área da educação, Miguel Rodrigues, que é também chefe na Polícia de Segurança Pública (PSP), destacou que estas crianças “têm cinco vezes mais retenções do que as outras crianças e jovens da mesma idade”.
“Cerca de 62% destes 1.205 jovens já reprovaram pelo menos uma vez. É cinco vezes mais do que a média nacional”, apontou.
Segundo o estudo, 90% das retenções entre estes alunos acontecem depois de um episódio de violência doméstica em casa.
Ainda em relação à escola, mas avaliando os ilícitos criminais que ocorrem em meio escolar, Miguel Rodrigues apontou que os dados do Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) revelam uma média de 9.322 ocorrências por ano na última década, em Portugal, sendo que 65% são ilícitos criminais.
“Questionados estes filhos da violência doméstica, percebemos que temos aqui uma percentagem muito maior relativamente à média de alunos e o número de ilícitos que cometem em ambiente escolar, disse o investigador, apontando que 17% dos inquiridos admitiu ter cometido algum ilícito na escola.
De acordo com os dados do estudo, e perante a média de ilícitos criminais em ambiente escolar em que ocorre um crime por cada 67 alunos, entre os jovens inquiridos ocorre um crime por cada seis estudantes, o que representa “uma média onze vezes superior”.
Na área da saúde mental, a investigação demonstrou que 32% dos jovens admitiram “sentir-se tristes quase todos os dias”, igual percentagem entre quem disse ter “dificuldades em adormecer quase todos os dias”, havendo também 13% de jovens que disseram “ter medo quase todos os dias”.
Relativamente a comportamentos aditivos e dependências, e comparando resultados com estudos feitos pelo Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e Dependências (SICAD) sobre consumos de drogas nas escolas, os jovens inquiridos no estudo demonstraram percentagens mais elevadas.
Por exemplo, no consumo de álcool ao longo da vida, a percentagem de consumo entre jovens em Portugal oscila entre os 26% e os 91%, enquanto entre os “Filhos da Violência Doméstica” varia entre 68% e 97%.
Miguel Rodrigues salientou, por outro lado, que é objetivo deste estudo “lançar mais dados” para a prevenção da violência doméstica em Portugal, sublinhando que o número de denúncias será “muito menor do que a realidade” e que “não se olha muito” para as vítimas.
Sobre esta questão, defendeu que é “inaceitável” que atualmente não haja um instrumento de avaliação de risco para as crianças e jovens, à semelhança do que existe para as vítimas adultas.
Por outro lado, Mauro Paulino, psicólogo forense e responsável pelo apoio científico do estudo, defendeu que “há uma exigência que tem de ser enfrentada”, com uma resposta ao nível da saúde mental mais global e que é preciso continuar a olhar para o trauma na infância como algo que se não for intervencionado servirá para “perpetuar o ciclo do sofrimento e da violência”.
Entende, por isso, que são necessários mais psicólogos no serviço nacional de saúde, mas também que deve ser feito um trabalho na comunidade educativa, desde logo com a capacitação dos professores para identificar determinados cenários na sala de aula.
Ao nível do sistema de justiça, Mauro Paulino defendeu que continua a haver a necessidade de formar juízes e procuradores para as dinâmicas da violência doméstica e para perceberem que “cada vez mais um progenitor agressor não precisa de bater nos filhos fisicamente para os mal tratar”.
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