O ‘sequestro’ poderá tornar-se ainda mais evidente a partir deste ano letivo, uma vez que, antecipam os diretores, dificilmente o ensino secundário vai aderir à flexibilização curricular agora possível em todas as escolas do país, por medo de prejudicar as notas dos alunos nos exames que lhes garantem a entrada no ensino superior.

“Há muita competição no ensino secundário. O que interessa é brilhar naquela hora e meia de exame. Como o modelo de acesso ao ensino superior ainda é à base de exames, [o secundário] está refém deste modelo, alunos e professores trabalham só para os exames e não estão muito virados para este projeto que é bem interessante”, disse à Lusa Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP).

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Filinto Lima desafia, por isso, os reitores a pronunciarem-se sobre uma alteração do modelo de entrada no ensino superior, em relação ao qual, critica, são agentes passivos.

“O ensino superior nada faz para a passagem dos alunos para esse grau. O trabalho é todo feito na base, somos nós que o fazemos. Nós não sabemos a opinião dos reitores em relação ao modelo de acesso, que acho que devia ser discutido e devia ser modificado”, disse.

Sistema avaliativo "castrador"

A opinião crítica é partilhada pelo presidente da Confederação Nacional de Associações de Pais (Confap), Jorge Ascensão, que considera o sistema avaliativo no ensino secundário e de entrada no superior “completamente castrador de um trabalho de qualidade que as escolas queiram fazer”, criticando um excesso de preocupação com as notas.

O novo decreto-lei da autonomia e flexibilização curricular, que estende a todas as escolas o projeto-piloto que no último ano abrangeu cerca de 200 estabelecimentos, dá às escolas uma margem de 25% do tempo curricular para ‘experimentar’: podem criar disciplinas, juntar algumas em projetos interdisciplinares, estimular o trabalho colaborativo entre turmas, inclusivamente de anos diferentes, e permitir uma certa permeabilidade de percursos aos alunos, permitindo-lhes frequentar disciplinas que sejam do seu interesse, apesar de não constarem no seu currículo.

Demasiadas experiências para um ano só que podem retrair a adesão de um ensino secundário orientado para exames nacionais, admitem até os que preferem ver o copo meio cheio.

“Não pretendemos mudar tudo de uma vez. Vai ser com calma. É verdade que enquanto houver exames nacionais e enquanto houver matrizes curriculares comuns, obviamente que por mais que se queira experimentar nas escolas não é possível, porque há objetivos curriculares que têm de ser cumpridos por causa dos exames nacionais. Mas não vale a pena estarmos desesperados. Vamos com calma. No próximo ano já teremos mais experiência e poderemos experimentar estratégias diferentes”, disse, por seu lado, Manuel Pereira, presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares (ANDE) e, segundo o próprio, “um otimista”.

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Até ao 3.º ciclo, no entanto, Filinto Lima acredita que o interesse e adesão serão muito maiores, não só pelas experiências bem-sucedidas no decurso do projeto-piloto, mas também pelo interesse que ao longo do último ano muitas escolas, que não aderiram, foram demonstrando em conhecer o que de diferente se estava a fazer na escola pública, visitando escolas que aplicaram a flexibilização.

Dando o exemplo da sua escola, o presidente da ANDAEP referiu que implementar semestres a História e Geografia do 7.º ano, levando umas turmas a terem uma disciplina num semestre, e outras no semestre seguinte, resultou num “sucesso de 100%”, com alunos “menos dispersos e mais motivados” e na decisão de estender esta mudança administrativa de gestão do tempo escolar a todas as turmas da escola, este ano.

Manuel Pereira, que elogia o diploma e a experiência-piloto, diz que esta só não foi implementada na sua escola, porque não tem um quadro docente estável, e metade dos seus professores previam mudar de escola este ano.

As suas preocupações principais em relação à flexibilização, partilhadas com Filinto Lima, são com o pouco tempo que os professores tiveram para estudar o novo decreto-lei, assimilá-lo para agora o aplicarem, uma vez que o diploma foi publicado já final do ano anterior.

“Esta pressão, este trabalho sempre em cima do joelho e em cima da hora provocam sempre muitos desequilíbrios, muita instabilidade e alguma desmotivação”, criticou.

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Na cabeça dos diretores no arranque deste ano letivo estão também as preocupações de sempre: a falta de funcionários, ainda que este ano tenha sido garantido um reforço de 500 afetos ao pré-escolar, mas que dão resposta aos muitos de baixa que é preciso substituir.

“Grave é não haver legislação que permita a substituição dos funcionários doentes, que entram no rácio, mas não estão a trabalhar. Já foi feito um esforço apreciável de colocação de funcionários, mas é preciso dar passo decisivo para que todos os anos não se fale deste problema. Mais do que para o Ministério da Educação, queria virar-me para o Ministério das Finanças. O ministro Centeno tem de perceber que estas pessoas fazem uma falta imensa às escolas e só ganham o salário mínimo, era um ‘investimentozinho’ que se fazia”, disse Filinto Lima.

Manuel Pereira receia também que, apesar das garantias da tutela, os problemas com a plataforma para atribuição de ‘vouchers’ para manuais gratuitos não permitam que todos os alunos comecem o ano com os livros na sua posse.

Este ano os manuais escolares são gratuitos na escola pública até ao 6.º ano de escolaridade, mas há autarquias que complementam a oferta do Estado com os livros de fichas ou que vão mais longe, como em Lisboa, oferecendo os manuais até ao 12. ano.