De acordo com especialistas ouvidos pela Lusa, mais birras, impaciência, raiva, frustração e situações de confito são situações espetáveis de acontecer neste regresso a casa das crianças e dos jovens para um novo confinamento.
“Não estamos a entrar neste confinamento como entrámos no outro, em que tudo era desconhecido e uma incógnita”, lembrou Raquel Raimundo, presidente da delegação regional do sul da Ordem dos Psicólogos.
O medo, a angústia, a tristeza, a inquietação e a insegurança podem facilmente despoletar estas manifestações, acredita a psicóloga escolar, uma vez que o regresso a casa significa deixar para trás mais momentos e etapas “cruciais na vida” destas crianças e jovens.
“Eles já têm uma ideia do que é estar confinado”, salientou.
Para a presidente da Sociedade Portuguesa de Pediatria, Inês Azevedo, o novo confinamento, delineado de “forma intempestiva e não programada”, deixará marcas no futuro das novas gerações.
“Nunca passamos por uma situação de confinamento de crianças tão dramática como esta”, afirmou a pediatra, acrescentando que o prolongamento do confinamento vai ter “impactos negativos, tanto na aprendizagem formal como informal”.
Da mesma forma, a “incompreensão do que se está a passar e o medo do desconhecido” podem ter repercussões na saúde mental e desenvolvimento das crianças, defendeu Vera Ramalho, psicóloga especialista em psicoterapia.
“Os pais devem clarificar à criança porque voltamos para casa, explicando o que se passa com palavras adaptadas à sua idade, garantindo que elas compreendem”, esclareceu.
As três especialistas defenderam igualmente a necessidade de não se deixarem as crianças e jovens cujas famílias são “mais disfuncionais” desprotegidas.
“A escola é um suporte muito importante, é assim que muitas situações são sinalizadas e é por isso importante não deixar estes miúdos desprotegidos”, disse Raquel Raimundo.
Além de não brincarem ou socializarem, o regresso a casa faz-se acompanhar de uma preocupação partilhada pelas especialistas: a exposição aos ecrãs e meios digitais.
“O facto de estas crianças estarem em casa não significa que estão seguros, mesmo à distância podem começar a ser alvo de situações de ‘cyberbullying’ e é preciso que os pais estejam atentos às relações que eles estabelecem ‘online'”, alertou Raquel Raimundo.
À semelhança da psicóloga escolar, também Inês Azevedo alertou que muitas horas de exposição aos meios digitais podem revelar-se “dramáticas” e influenciarem o neurodesenvolvimento das crianças e jovens.
“Em termos de saúde cardiovascular vamos ter reflexos desta dependência dos meios digitais. As redes já eram um problema que agora vai ser maior”, assegurou a pediatra e docente na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP).
A par do neurodesenvolvimento, esta exposição pode vir a ter impactos na saúde mental das crianças e jovens, com os níveis de ansiedade, depressão e ‘stress’ a intensificarem-se.
O fundamental, assegura Vera Ramalho, é encontrar um “equilíbrio” e existir uma “negociação”, especialmente com os mais velhos que “precisam de sentir que também controlam a situação”.
“Muitas crianças tornam-se dependentes do ecrã porque não encontram alternativas de entretenimento, e os equipamentos eletrónicos acabam por substituir a interação com outras pessoas”, alertou a psicóloga diretora do Psiquilibrios.
As especialistas consideram ser necessário estabelecer rotinas, promover horários de sono, uma boa alimentação, atividades físicas e até estimular a socialização.
“É importante passar a mensagem de que a pandemia não vai ser para sempre e que o confinamento há de terminar”, defendeu Raquel Raimundo.
Todas as escolas de todos os níveis de ensino estão encerradas desde sexta-feira e durante duas semanas, uma medida anunciada na quinta-feira pelo Governo para conter a pandemia de covid-19.
Além das escolas, também todas as creches e ateliês de tempos livres vão permanecer encerrados durante 15 dias, o mesmo acontecendo com os tribunais de primeira instância, que só funcionam para atos processuais urgentes.
As medidas, entre outras, foram anunciadas na quinta-feira pelo primeiro-ministro, António Costa, e seguem-se a outras já anteriormente tomadas para tentar conter a propagação da covid-19.
António Costa disse que as decisões de quinta-feira se justificam pelo aumento do número de casos de uma variante mais contagiosa do novo coronavírus, que cresceram de uma prevalência de 8% na semana passada para os atuais 20%.
Em Portugal, morreram 10.469 pessoas dos 636.190 casos de infeção confirmados, de acordo com o boletim mais recente da Direção-Geral da Saúde.
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