Em 16 de março, quando as escolas de todo o país encerraram por decisão do Governo como forma de combate à disseminação da pandemia de covid-19, a ‘paisagem’ da avenida General Roçadas, em Lisboa, também mudou.
Até esse dia, mais de 800 alunos entravam pelos portões da EB Nuno Gonçalves. Hoje, a imagem é bem diferente e pela portaria deserta passam somente quatro crianças. São elas que mantêm aberta a escola e, estranhamente, há mais funcionários do que crianças.
A EB Nuno Gonçalves é uma das cerca de 800 escolas que, ao abrigo do decreto do Governo, se mantiveram a funcionar para os pais que, em situações especiais, necessitam de um estabelecimento onde deixar os filhos. A medida foi pensada sobretudo para as famílias mais carenciadas e para os filhos dos profissionais da área hospitalar e de emergência, como médicos, enfermeiros ou polícias.
Aquando do seu anúncio, a medida foi fortemente criticada pela Ordem dos Médicos e por vários sindicatos na área da educação. A diretora desta unidade de ensino, Laurinda Pereira, assume que no início também a olhou com “preocupação”, mas que hoje está “rendida” aos seus méritos.
“Quando tomei conhecimento da decisão fiquei preocupada, sobretudo pelo nível de contágio que sabemos que este vírus tem. Contudo, assim que tomei contacto com uma primeira família que precisava de ajuda fiquei absolutamente rendida à decisão. É de facto uma resposta importante que tem de existir para determinadas famílias”, afirma a diretora em entrevista à agência Lusa, ressalvando que, embora “preciosa”, esta ajuda só tem sido usada pelas famílias quando não têm outra solução.
É o caso de Ana, João e Sara, três irmãos de 12, 9 e 7 anos, respetivamente, filhos de uma enfermeira do Hospital Dona Estefânia e cujo pai, César Bandeira, ocupa grande parte do dia no Banco Alimentar, para fazer chegar ajuda aos mais necessitados.
“Era difícil tomar conta dos três, fazer refeições… Assim posso deixá-los aqui. De facto, no nosso caso particular, era muito difícil passar por esta situação sem o apoio da escola. Eles estão satisfeitos e eu posso ajudar como voluntário”, conta este pai.
César Bandeira admite que a situação não é “normal”, mas ainda assim elogia a abertura das escolas e o trabalho que tem sido feito.
“Sabemos que não é a mesma rotina, mas também não podia ser. Eles têm estudado enquanto cá estão e acho que tem sido benéfico. Não tem sido o ideal, mas dadas as circunstâncias se calhar também não podia ser melhor”, sublinha o pai dos três irmãos, que revela que os filhos anseiam pelo regresso à normalidade e ao contacto com os amigos.
“É o que eles mais desejam, mas por agora temos de aguardar”, reitera.
A diretora Laurinda Pereira vive a mesma espera que os mais novos, mas defende que não devem ser dados passos precipitados na hora de decidir sobre a reabertura dos estabelecimentos de ensino. A palavra final, frisa, deve estar a cargo da ciência e dos epidemiologistas.
“Todos nós fomos convocados pela comunidade científica para dar uma resposta assertiva e disciplinada às características deste vírus. A resposta que tem sido dada está fundamentada na evidência científica e estou em crer que a decisão a tomar e o cenário que venha a ser traçado para a educação não vai pôr em causa valores como a segurança das comunidades escolares e educativas. Acredito que a evidência científica continuará a suportar todas as decisões que forem tomadas”, antecipa a diretora.
Em cima da mesa pode estar a possibilidade de as escolas não voltarem a reabrir neste ano letivo, algo que não atemoriza a diretora da EB Nuno Gonçalves.
“Não me assusta, porque temos estado a trabalhar e houve uma excelente reação dos docentes e do sistema educativo a esta situação. As crianças também responderam muito bem, por isso estamos a preparar-nos para ter um terceiro período online se for essa a decisão, com recurso à telescola ou outra ferramenta. Importante é que as decisões sejam tomadas com sustentação científica”, reforça.
César Bandeira está otimista quanto à evolução da pandemia em Portugal, mas quando o tema é o regresso às aulas opta pelo realismo e vê poucas hipóteses de isso acontecer.
“Acho que é muito difícil os alunos regressarem à escola este ano letivo. Ainda não chegamos ao pico da pandemia, depois disso continuaremos a ter que manter algumas reservas no contacto social, por isso vai ser difícil retomar as aulas este ano”, afirma.
Mesmo assim, diz que não está preocupado com o futuro imediato dos seus filhos e acredita que serão encontradas as melhores soluções.
“É uma situação nova que nos apanhou desprevenidos a todos e à qual temos de nos adaptar. É isso que vamos fazer”, garante.
Natalia Kozak é a mãe de Taras, um menino de 6 anos que é a companhia dos três irmãos na agora gigante e silenciosa escola lisboeta.
Esta ucraniana de 35 anos está há nove em Portugal e mantém-se a trabalhar. Por isso, agradece o facto de o filho poder ter onde ficar enquanto trabalha.
“Estou muito contente por ele ter conseguido entrar, porque era um problema encontrar uma vaga. É bom ele poder vir à escola, onde pode passear, almoçar, lanchar e onde tem muitas pessoas para tratar dele. Sinto-me mais segura com ele aqui”, diz a funcionária da Junta de Freguesia da Penha de França.
Quanto ao futuro, Natalia Kozak diz que tenta não pensar muito no que vai acontecer por reconhecer que existem muitas coisas que não se conseguem controlar neste momento.
“Tento não pensar muito no futuro, mas sim no presente. Esperamos que um dia isto acabe e a vida volte ao normal… vai correr tudo bem”, afirma esperançada.
Laurinda Pereira também não alinha em dramatismos e diz mesmo que desta crise vai resultar “um grande crescimento do sistema educativo, da relação pedagógica e da utilização das tecnologias”.
“Às vezes é preciso estas grandes crises para percebermos que temos de dar este passo. Estamos preparados para dar uma resposta diferente ao nível do ensino, num trabalho de parceria com os nossos alunos. Os alunos estão diferentes e nós também”, termina a diretora.
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