O parlamento aprovou na passada sexta-feira, em votação final global, a alteração ao regime jurídico da gestação de substituição, mas que não inclui a revogabilidade do consentimento da gestante até ao nascimento da criança imposta pelo Tribunal Constitucional (TC).
Para ultrapassar a situação, o Bloco de Esquerda (BE) apresentou um requerimento de avocação pelo plenário da votação na especialidade do artigo do texto de substituição referente à possibilidade de a grávida poder revogar o seu consentimento, que foi chumbado com os votos contra do PSD, CDS e PCP.
Em reação, a APFertilidade veio hoje afirmar, em comunicado enviado à agência Lusa, que “a nova lei da gestação de substituição foi aprovada, mas não é válida”, pois, “de uma forma incompreensível, a norma que determinava o direito à gestante ao arrependimento de entregar a criança 20 dias após o parto foi chumbada”.
A associação sublinha que, sem este direito, a lei não cumpre o imposto pelo Tribunal Constitucional no acórdão proferido em abril de 2018.
A APFertilidade lamenta este “falso avanço e a ameaça já deixada pelo CDS-PP de que irá pedir a verificação da constitucionalidade da lei, caso seja promulgada”.
“Os casais beneficiários merecem justiça e por isso irá ser solicitada uma audiência, com caráter urgente, ao Presidente da República, a quem cabe a próxima palavra neste processo”, adianta.
“Mais de 450 dias depois do anúncio do acórdão do Tribunal Constitucional a exigir a revisão da lei da Procriação Medicamente Assistida (PMA) quanto à gestação de substituição, os beneficiários de uma lei criada para mulheres com uma situação clínica única, que as impede de engravidar ou levar uma gestação até ao fim, foram iludidos com a votação no último plenário desta legislatura”, refere.
A APFertilidade diz que foi “contactada por vários casais confusos, incrédulos e perplexos”, porque “afinal há uma nova lei que lhes permitirá avançar com uma candidatura a esta alternativa, mas que nada vale por se manter um vazio legal quanto a um dos pontos que a legislação deveria prever obrigatoriamente”.
A APFertilidade reafirma, como o fez nas audições pedidas pelo grupo de trabalho para a PMA na Comissão de Saúde, que “para o casal que tem na gestação de substituição a única alternativa de ter um filho biológico, será sempre penoso e angustiante ter que aguardar um, dois, três ou 20 dias para saber se a sua gestante se irá arrepender”.
A associação afirma que “Insistir na violência e insensibilidade que esta questão representa não irá inverter o determinado pelo Tribunal Constitucional”, vincando que “o que aquele órgão institucional decidiu é obrigatório, sem possibilidade de contestação”.
“Os partidos com assento parlamentar demitiram-se, na sua grande maioria, da obrigação de procurar uma solução justa, equilibrada e respeitadora dos direitos da criança, do casal e da gestante”, sublinha.
“É possível encontrar uma solução. É possível garantir um equilíbrio legal. É absolutamente possível que nos processos de gestação de substituição a palavra ‘arrependimento’ não venha alguma vez a surgir, e acima de tudo é possível e obrigatório trabalhar com o objetivo de ajudar a resolver os problemas dos cidadãos e não bloquear o acesso aos seus direitos”, argumenta.
“A certeza de que a nova lei irá ser uma vez mais remetida à análise do Tribunal Constitucional dada pelo CDS-PP, caso seja promulgada pelo Presidente da República, não irá impedir que a APFertilidade tente que se inverta a situação angustiante e de desespero a que os beneficiários continuam submetidos”.
A associação solicitou uma audiência, com caráter de urgência, ao Presidente da República, “no sentido de o sensibilizar para esta injustiça”, bem como para sublinhar a possibilidade de recurso ao Código Civil para solucionar a lacuna existente na lei aprovada, permitindo ao Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida, entidade administrativa independente reguladora da PMA, que assuma essa responsabilidade.
“O vazio de propostas alternativas, as ameaças de que a gestação de substituição é uma alternativa impossível, condenada a ficar adormecida, não são a atuação digna e esperada de deputados que mantêm cidadãos reféns da sua vontade política”.
A Associação Portuguesa de Fertilidade foi constituída a 20 de maio de 2006 e dedica-se ao apoio, informação e defesa da comunidade de pessoas com problemas de fertilidade.
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