O termo “alienação parental” é normalmente utilizado para descrever as atitudes deliberadas das mães em manipular os filhos por forma a separá-los dos pais, atitudes essas que conduzem à rejeição injustificada da figura paterna pelas crianças, normalmente o progenitor não residente.
E embora não exista uma definição científica de alienação parental, atenta a dimensão de seguidores alcançada, foi reconhecido pelo Conselho de Direitos Humanos (Resolução 50/7) que existe efetivamente uma tendência para ignorar a violência doméstica e abuso sexual nos processos de regulação do exercício das responsabilidades parentais.
Sendo que, os Tribunais de Família e Menores tendem a julgar as alegações de violência nas relações de intimidade como alienações para se alcançar o afastamento do outro progenitor e, consequentemente, a alegada situação de violência, ainda que demonstrada, é entendida como algo que pertence ao passado e simplesmente faz parte da história de vida do agregado familiar.
Esta teoria tem vindo a ganhar cada vez mais seguidores, mas é importante que se saiba que não é aceite pela comunidade científica e, em 2020, este pseudo-conceito foi retirado da classificação Internacional de Doenças da Organização Mundial de Saúde (OMS).
A violência doméstica é uma das violações mais graves e generalizadas de Direitos Humanos, que afeta maioritariamente mulheres e raparigas, embora saibamos que os homens também podem ser vítimas de violência. Mas, os estudos têm demonstrado que as mulheres correm um risco acrescido de sofrerem violência com uma dinâmica diferente em relação aos homens.
Dada a prevalência da violência doméstica nas relações de intimidade, a separação de um agressor pode representar uma fase de alto risco para a vítima. Sucede que, as alegações de violência doméstica tendem a ser insuficientemente analisadas pelos tribunais e a refletir visões estereotipadas, tal como a crença de que a violência causa poucos danos à mãe ou à criança e que a mesma cessa com a separação. As consequências da violência doméstica e os seus efeitos sobre as crianças são também mal interpretadas e subestimadas pelos juízes, que têm tendência a dar prioridade e estabelecer convívios da criança com o pai sem avaliar devidamente o risco existente, o que resulta numa violação do dever de proteger as crianças de situações de perigo.
Mas, como se disse, não obstante os tribunais considerarem que a violência doméstica é um facto histórico, assumindo que é uma coisa do passado, várias investigações que têm vindo a ser desenvolvidas demonstram que muitos perpetradores de violência doméstica usam indevidamente os processos do direito de família para continuar a exercer violência sobre as vítimas, fomentando, assim, a revitimização.
O uso da alienação parental é profundamente sexista e frequentemente utilizado contra as mães pelos agressores, tribunais e equipas de apoio aos tribunais. As mães que se opõem, que levantam problemas ou tentam limitar os contatos da criança com o pai com base na violência existente, são geralmente consideradas como sendo vingativas e mal-intencionadas. Esta conclusão reflete o padrão generalizado de culpar a mãe e conduz à errada à conclusão de que mesma alienou a criança, visão esta que serve frequentemente para demonstrar que a atribuição do exercício da parentalidade à mãe não é do interesse superior da criança, porque a mesma não vai facilitar o contato com o pai.
O uso da alienação parental tende a transformar-se numa profecia que dá resultados que só aproveitam ao progenitor agressor, pois, como resultado da utilização deste pseudo-conceito, as alegações de violência doméstica passam para segundo plano, como um acontecimento isolado, que faz parte do passado, o que reduz a violência doméstica a um conflito menor, estigmatiza e atribui falsas patologias às mulheres e crianças.
Ao ignorarem ou desvalorizarem a violência doméstica e que as decisões tomadas em contexto de processos de regulação do exercício das responsabilidades parentais podem ter implicações bastante nefastas, os tribunais apresentam a violência doméstica como uma exceção e não como a regra nos casos de alienação parental.
No contexto da violência doméstica, há que respeitar o direito de audição da criança, com uma escuta ativa, e validar as suas experiências relatadas, garantindo que as decisões são mais bem fundamentadas e que a segurança e o bem-estar da criança são garantidos.
No entanto, os trabalhos de investigação têm demonstrado que os pontos de vista das crianças são integrados seletivamente, dependendo do facto de estarem de acordo com a tendência predominante favorável à fomentação dos convívios para ambos os pais.
É preciso perceber que quando uma decisão sobre o exercício da parentalidade é tomada a favor do progenitor agressor que alega ser alienado, sem se considerar suficientemente os pontos de vista da criança, a sua resiliência é posta em causa e a criança continua exposta a danos a longo prazo, podendo também romper o vínculo estável e seguro com o cuidador primário não abusivo.
Para combater este pseudo-conceito e as sequelas que o mesmo implica, o Comité para a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres observou que os papéis estereotipados das mulheres e dos homens também se manifestam como estereótipos e preconceitos de género nos sistemas judiciais, o que resulta na negação de uma justiça eficaz às mulheres e outras vítimas de violência. Não abordar a violência nas relações de intimidade e a violência contra as crianças nas decisões sobre os direitos em contexto de regulação do exercício das responsabilidades parentais é uma violação dos direitos da criança e do princípio do interesse superior da criança, o que vai ao encontro do estipulado na Convenção sobre os Direitos da Criança, na Convenção Europeia dos Direitos Humanos e na Convenção do Conselho da Europa sobre a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica.
Por conseguinte, impõe-se que a violência doméstica seja considerada e reconhecida nas decisões quanto ao exercício das responsabilidades parentais, da mesma forma que terá de haver um reconhecimento que o uso da alienação parental consiste numa extensão da violência doméstica, o que deve ser considerado à luz dos Direitos Humanos das mulheres e das crianças, no seu direito à vida e à integridade física, sexual e psicológica, sempre orientado para o princípio do interesse superior da criança, o que já é defendido, e bem, pelo Comité Europeu para a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres.
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