Atualmente, a decisão de ter um filho está dependente de múltiplos factores, bem diferentes daqueles enfrentados pelas gerações anteriores.

Hoje, estudar, entrar no mercado de trabalho e conseguir uma estabilidade profissional e económica, são prioridades que surgem muito antes de constituir uma família.

Mas será que existe uma idade ideal para engravidar? Conheça a opinião da obstetra Lisa Vicente, que esclarece todas as suas dúvidas e preconceitos relativamente à maternidade tardia.

O momento certo

«Não existe uma idade ideal para ter filhos», esclarece a obstetra. Para Lisa Vicente, apesar do pico de fertilidade das mulheres ser aos 25 anos, «ter filhos, atualmente, também tem de ser contextualizado na vida profissional, na capacidade e estabilidade socioeconómica do casal. Diria até que as pessoas podem não encontrar logo a pessoa ideal para ter filhos».

De acordo com dados do INE (Instituto Nacional de Estatística), em 2009 cerca de 20 por cento dos nascimentos ocorreu em mulheres com 35 ou mais anos, tendo vindo a registarse um aumento significativo ao longo dos anos. «Desde que seja planeada e desejada, tanto aos 18 como aos 42 anos a gravidez pode ser vivida de forma muito confortável», afirma a especialista.

Enfrentar desafios

É certo que, no que respeita a questões biológicas, «o ser humano foi feito para ter filhos mais cedo» e uma mulher que tente engravidar mais tarde, depois dos 30 ou depois dos 40 anos, corre mais riscos de ter «aborto espontâneo e alguma doença como a diabetes, obesidade e hipertensão, factores que podem complicar a gravidez», explica Lisa Vicente.

Ao longo dos anos aumenta também o risco de «alterações cromossómicas do feto (sobretudo a partir dos 35), como a trissomia 21, e que para a qual, hoje em dia, já temos formas de rastreio e até de diagnóstico», refere. Contudo, «existem mulheres que engravidam com toda a facilidade aos 38 anos, aos 40 e até aos 50», mas é preciso não esquecer que «é diferente ter 40 anos e ser saudável, magra e não fumadora, ter 40 anos, ser obesa, ter hipertensão e ser fumadora», sublinha Lisa Vicente.

Cuidados de saúde

Melhorar a alimentação, não ingerir bebidas alcóolicas, deixar de fumar e de usar drogas, reduzir os níveis de stress, tomar suplementos e proteger-se de perigos ambientais e profissionais.

Estes são alguns dos conselhos que Marilyn Glenville, nutricionista, descreve ao longo do seu livro, «Quero um bebé» (Estrela Polar), que permitem aumentar as probabilidades de engravidar.

Assim, para uma saúde ótima durante os meses de preparação para a gravidez, a autora aconselha a consumir gorduras essenciais.

Privilegie, por isso, a ingestão de nozes, sementes e peixes gordos, além de alimentos ricos em fibras (fruta, vegetais, leguminosas), hidratos de carbono e soja orgânica. Deve igualmente «eliminar o álcool e a cafeína (café, chá, refrigerantes, chocolate e medicamentos para as dores de cabeça que contenham cafeína), diminuir o consumo de gorduras saturadas (carne, ovos e lacticínios)». Apostar em alimentos de produção biológica é outra sugestão da autora.

Planear é preciso

Antes de mais, a mulher deve traçar um plano pré-concecional. «É importante consultar o médico de família e dizer que pretende engravidar», refere Lisa Vicente, pois existe um conjunto de exames que são necessários para saber se a pessoa é saudável, um check up médico que envolve observação clínica, medição da tensão arterial, análises à urina, glicemia, ureia, entre outros.

O plano inclui também, como refere a médica, «o rastreio a infeções, para saber se está imune ou não, uma citologia e outros exames que podem ser determinados pela situação clínica em particular», bem como uma mamografia. Se a pessoa tiver uma doença base, «é importante saber que medicamentos que está a tomar e programar a gravidez para um período de equilíbrio da doença», alerta.

Quando procurar ajuda

A Organização Mundial de Saúde define infertilidade como a «ausência de gravidez após um ano de relações sexuais regulares e sem uso de contraceção». Existe consenso médico em considerar que após um ano de tentativas sem sucesso se deve iniciar um processo de avaliação de fatores envolvidos. Alguns especialistas defendem até que este período poderá ser reduzido para seis meses no caso de mulheres com mais de 35 anos.

Lisa Vicente, considera que a pessoa que teve «no seu passado história de alguma doença infeciosa ou oncológica, que tenha recorrido a uma quimioterapia ou a uma cirurgia, deve procurar ajuda mais cedo».

Forma(s) de conceção

Quando a infertilidade bate à porta, o recurso a técnicas de conceção torna-se imprescindível.

Podem ser diagnosticados diversos problemas e cada caso exige uma solução diferente.

A inseminação artificial, que consiste no depósito de espermatozoides no útero através de métodos artificiais, pode ser uma opção. De acordo com Lisa Vicente, a fertilização in vitro, com uma taxa de eficácia de um bebé em cada quatro tratamentos, «é normalmente mais utilizada quando existem problemas femininos», como sublinha.

A injeção intracitoplasmática de espermatozoides (injeção de um espermatozoide diretamente no ovócito), por seu lado, «é o tratamento mais utilizado para problemas masculinos». A taxa de sucesso diminui com o avançar da idade.

Preservar a fertilidade

Ao contrário dos homens, em que a preservação de esperma já está devidamente consagrada, hoje em dia, «nas mulheres, a preservação de óvulos e tecido ovário não tem ainda resultados tão seguros. É um campo em plena evolução», refere Lisa Vicente, acrescentando ainda que, neste momento, essa precaução passa por «prevenir e evitar as infeções sexualmente transmissíveis e fazer uma contraceção segura.

Estas são, sem dúvida, as melhores medidas que temos ao nosso alcance para prevenir complicações que levem à infertilidade». Na opinião da obstetra, «é errado pensar-se que se a pessoa adiar a gravidez tem uma grande probabilidade de se tornar infértil, o que acontece é que a probabilidade de engravidar vai diminuindo com os anos, ou seja, olharmos para a sub-população de mulheres que têm infertilidade, é frequente encontrar mulheres mais velhas, da mesma forma que encontramos mulheres com patologia».

Testemunho

Paula Brás tinha 40 anos quando engravidou do segundo filho, embora tivesse planeado a gravidez para um ano mais tarde. «Tinha perfeita consciência dos riscos que poderia correr, mas também sabia que era um risco controlado», diz. «Optei por ter este filho mais tarde por uma questão logística e profissional e, a partir de determinada idade, fiz sempre um acompanhamento médico», sublinha ainda.

Paula Brás considera que a principal dúvida que se coloca é «se vamos viver o tempo suficiente para acompanhar o crescimento e o desenvolvimento da criança». No entanto, «se a pessoa for saudável e tiver uma vida regrada, à partida também viverá mais anos».

Ao comparar a primeira gravidez (aos 33 anos) com a segunda, Paula Brás confessa que o parto e sobretudo o pós-parto foram mais dolorosos, pois «a capacidade física já não é a mesma!». E que os cuidados de saúde foram cruciais para evitar possíveis complicações. «Deixei imediatamente de fumar», desabafa.

Texto: Cláudia Vale da Silva com Lisa Vicente (obstetra)