1. O que são as células estaminais?

As células estaminais definem-se por duas propriedades básicas: a capacidade de se auto renovarem indefinidamente num estado indiferenciado e a possibilidade de se diferenciarem num ou mais tipos de células especializadas. As células estaminais podem ser classificadas em função da sua origem e/ou da sua capacidade de diferenciação em dois tipos principais: embrionárias e adultas. As células estaminais embrionárias, presentes numa fase muito inicial do desenvolvimento humano, conseguem dar origem a todos os tipos de células que constituem o nosso organismo. As células estaminais adultas permitem manter as funções dos tecidos e órgãos onde estão presentes, bem como reparar os tecidos em caso de lesão. Alguns tecidos neo-natais, como a placenta, o sangue e o tecido do cordão umbilical, contêm também populações de células estaminais adultas (assim designadas por se obterem após o nascimento), com interesse para a medicina.

As células estaminais que têm tido maior relevância a nível clínico são as células estaminais da medula óssea, do sangue periférico e do sangue do cordão umbilical. Estas fontes são ricas em células estaminais hematopoiéticas, as células que dão origem às células do sangue: glóbulos vermelhos, plaquetas e todas as células do sistema imunitário.

O sangue do cordão umbilical é actualmente considerado uma fonte de células estaminais para o tratamento de mais de 80 doenças, que incluem doenças hematológicas, imunológicas e metabólicas, tendo em 2012 sido contabilizados mais de 30.000 transplantes com sangue do cordão umbilical em todo o mundo. Para além disso, a sua utilização encontra se em estudo em ensaios clínicos, em doenças como paralisia cerebral, autismo, diabetes tipo 1 e lesões da espinal medula, entre outras, o que poderá aumentar o leque de aplicações clínicas do sangue do cordão umbilical.

O tecido do cordão umbilical é muito rico num outro tipo de células, as células estaminais mesenquimais que poderão vir a ser úteis no tratamento de um conjunto alargado de doenças. Também o seu potencial clínico se encontra em estudo, em ensaios clínicos, em diversas doenças. Dadas as aplicações actuais e o crescente número de ensaios clínicos com células estaminais do sangue e do tecido do cordão umbilical, assume cada vez mais importância a criopreservação destas células, cuja colheita pode apenas ser feita no momento do parto.

Recentemente descobriu-se que células maduras especializadas podem ser reprogramadas para se tornarem células imaturas com características semelhantes às das estaminais embrionárias, capazes de dar origem a todos os tecidos do corpo. As células assim obtidas designam-se de células estaminais pluripotenciais induzidas (iPSC, do inglês: induced pluripotent stem cells), e têm o potencial de poderem vir a revolucionar a realidade terapêutica e contribuir para a cura de patologias actualmente sem tratamento. Por esta razão, as iPSC são promissoras para futuras terapias celulares tendo despertado a atenção generalizada de investigadores e médicos.

2. Para que servem as células estaminais?

As células estaminais desempenham funções importantes no nosso organismo. Por um lado, as células estaminais embrionárias, presentes numa fase muito inicial do desenvolvimento humano, conseguem dar origem a todos os tipos de células que constituem o nosso organismo e, por outro, as células estaminais adultas, encontram-se em muitos tecidos do organismo adulto e permitem a renovação e reparação dos tecidos de que fazem parte. Para além do papel fisiológico das células estaminais, elas têm também um papel importante no contexto terapêutico.

A capacidade das células estaminais se diferenciarem em vários tipos de células, podendo substituir células lesadas ou destruídas e regenerar tecidos danificados, explica o grande interesse na utilização das células estaminais no contexto terapêutico. As células estaminais hematopoiéticas são as que têm tido maior relevância a nível clínico, particularmente em doenças nas quais é necessário regenerar o sistema sanguíneo e imunitário do doente. No indivíduo adulto as células estaminais hematopoiéticas estão maioritariamente localizadas na medula óssea, e originam todas as células do sangue: glóbulos vermelhos, plaquetas e todas as células do sistema imunitário.

O sangue do cordão umbilical é também uma importante fonte de células estaminais hematopoiéticas, razão pela qual se tornou, nos últimos anos, numa alternativa à medula óssea nos transplantes hematopoiéticos. As células estaminais hematopoiéticas da medula óssea, do sangue periférico e sangue do cordão umbilical têm sido usadas para o tratamento de mais de 80 doenças, que incluem doenças hematológicas, imunológicas e metabólicas. No início de 2013 foram contabilizados mais de 1.000.000 de transplantes hematopoiéticos para o tratamento de um conjunto alargado de doenças, entre as quais se encontram vários tipos de leucemias e anemias, linfomas e doenças metabólicas.

3. Quais as doenças que podem ser tratadas com as células estaminais?

Até ao momento, as células estaminais que têm tido maior aplicação clínica são as células estaminais hematopoiéticas que se encontram na medula óssea, no sangue periférico mobilizado e no sangue do cordão umbilical.

Conforme publicado, por exemplo, no site do banco público de Nova Iorque (http://www.nationalcordbloodprogram.org/qa/), são mais de 80 as doenças em que já foi usado sangue do cordão umbilical (à semelhança da medula óssea e do sangue periférico). A maioria dos transplantes realizados destinam-se ao tratamento de doenças do sangue (como leucemias e alguns tipos de anemias) e do sistema imunitário, mas as células do sangue do cordão umbilical são também usadas no tratamento de algumas doenças metabólicas.

A utilização das células do sangue do cordão umbilical para além da utilização nas mais de 80 doenças já descritas, encontra se em estudo em ensaios clínicos (utilização em humanos a título experimental), em doenças como paralisia cerebral, autismo, diabetes tipo 1 e displasia broncopulmonar, entre outras, o que poderá aumentar o leque de aplicações clínicas do sangue do cordão umbilical.

Para além das células estaminais hematopoiéticas, há outros tipos de células estaminais, como as mesenquimais, que se encontram no tecido do cordão umbilical, na medula óssea e no tecido adiposo. As células estaminais mesenquimais podem diferenciar-se em cartilagem, osso, músculo e gordura. Para além disso, estas células têm a capacidade de regular a resposta do sistema imunitário e assim aumentar a probabilidade de sucesso dos transplantes, quando utilizadas em conjunto com células estaminais hematopoiéticas.

A utilização simultânea das células mesenquimais com células estaminais hematopoiéticas (por exemplo do sangue do cordão umbilical) reduz as complicações associadas aos transplantes alogénicos (em que as células do sistema imunitário do dador podem rejeitar o doente transplantado - doença do enxerto contra hospedeiro). O potencial destas células está actualmente em estudo, com mais de 400 ensaios clínicos a decorrer em doenças como a diabetes, colite ulcerosa, cirrose hepática, cardiomiopatias, esclerose múltipla, lúpus e doença do enxerto contra hospedeiro, entre outras.

Muitos destes ensaios clínicos encontram-se ainda numa fase inicial, mas alguns já apresentam resultados preliminares promissores. Considerando todas as fontes de células estaminais, estão actualmente em curso mais de 4.000 ensaios clínicos com células estaminais de várias fontes, e o que se espera é que estes venham a proporcionar, num futuro próximo, opções terapêuticas para muitas doenças actualmente sem tratamento.

4. Que tipos de transplantes de células estaminais podem ser feitos? No caso de irmãos, podem usar-se as células estaminais de um irmão no outro?

As células estaminais podem ter aplicação autóloga (quando são usadas no próprio) ou alogénica (quando dador e receptor são pessoas diferentes). Dentro da utilização alogénica, esta pode ser relacionada, também designada de familiar (quando o dador é familiar do doente, mais frequentemente um irmão), ou não relacionada (quando o dador das células não é familiar do doente).

Em caso de transplante autólogo não existe risco de rejeição, pois as amostras são 100% compatíveis com o próprio. Nos transplantes alogénicos, apesar de se usarem amostras compatíveis com os doentes a quem se destinam, há sempre algum risco de rejeição. A utilização de uma amostra de um familiar compatível (preferencialmente de um irmão) é preferível à de um dador não relacionado. O transplante de sangue do cordão umbilical alogénico com amostras de um dador familiar (preferencialmente de um irmão) aumenta o sucesso do transplante, pois é maior a probabilidade de sobrevida e menor probabilidade de doença do enxerto contra hospedeiro, uma complicação grave e frequente dos transplantes alogénicos. Para além disso, é entre irmãos que é mais fácil encontrar um dador com a compatibilidade necessária para o transplante.

A probabilidade de compatibilidade total entre irmãos, filhos do mesmo pai e da mesma mãe, é de 25%. Os bancos privados de sangue do cordão umbilical têm carácter familiar, permitindo não só a libertação de amostras para uso autólogo mas também para uso alogénico relacionado, sendo grande parte das amostras libertadas para utilização entre irmãos. O que normalmente dita a escolha entre o recurso a um transplante autólogo ou alogénico é a doença em causa.

No âmbito das aplicações actuais na área da hemato-oncologia, existem doenças (e.g. doenças genéticas) para as quais é indicada a utilização de células de um dador compatível e nestes casos recorre-se a um transplante alogénico. As principais indicações para o transplante alogénico são leucemias, hemoglobinopatias e doenças genéticas hematológicas, imunológicas ou metabólicas.

No entanto, existem outras aplicações para as quais a abordagem autóloga é a preferencial. Entre as doenças em que mais se recorre a transplantes autólogos encontram-se os linfomas e os tumores sólidos. Para além disso, actualmente estão em curso vários ensaios clínicos que envolvem a utilização autóloga de sangue do cordão umbilical em crianças com paralisia cerebral, autismo, diabetes, entre outras doenças, o que traz enormes perspectivas de aplicação do sangue do cordão umbilical nestas doenças.

5. Há garantias de eficácia do tratamento de doenças com células estaminais do sangue do cordão umbilical?

O primeiro transplante de sangue do cordão umbilical realizou-se em Paris, em 1988, para tratar uma criança com Anemia de Fanconi, tendo sido usadas as células de uma irmã sua compatível. Desde então, o sangue do cordão umbilical tem sido usado em todo o mundo, sendo hoje considerado uma alternativa à medula óssea no tratamento de um leque alargado de doenças do foro hemato-oncológico.

Em 2012 foram contabilizados mais de 30.000 transplantes com sangue do cordão umbilical em todo o mundo, cerca de 75% dos quais nos últimos 6 anos, o que evidencia a crescente adopção do sangue do cordão umbilical como alternativa terapêutica nos transplantes hematopoiéticos (transplantes de sangue do cordão umbilical, medula óssea e sangue periférico).

Estes dados são demonstrativos dos bons resultados que têm sido conseguidos com esta fonte de células estaminais Os resultados destes transplantes são semelhantes aos que se conseguem com os transplantes de medula óssea, com a vantagem de se registarem menos casos de doença do enxerto contra hospedeiro (uma complicação frequente dos transplantes) e, nos casos em que tal acontece, a gravidade desta doença ser inferior quando se recorre ao sangue do cordão umbilical. Estes são resultados de alguns estudos publicados em revistas científicas da especialidade em que é feita a comparação dos dois tipos de transplantes.

Pelo número crescente de transplantes com sangue do cordão umbilical a que temos vindo a assistir, quer em crianças quer em adultos, podemos concluir que se trata de um procedimento eficaz, nomeadamente para o tratamento de doenças do foro hemato oncológico, quando há necessidade de repor a medula óssea. Para além de doenças hematológicas, o sangue do cordão umbilical também é usado no tratamento de algumas doenças metabólicas e encontra-se em estudo em ensaios clínicos noutras doenças, com resultados promissores.

Texto: Crioestaminal