Os bebés dormem ainda antes de nascer e ainda bem! O sono in útero é essencial para a multiplicação das células nervosas, para a produção de determinadas hormonas e há evidências que sugerem que, no início do terceiro trimestre de gravidez, os fetos começam a sonhar! Por tudo isto se diz que o sono é “a” atividade primária do cérebro no início do desenvolvimento.
Os ciclos de sono e vigília também começam na barriga da mãe – são ciclos de poucas horas que se vão repetindo ao longo das 24 horas. É por isto que as mães sentem os bebés a mexer de dia e de noite, e nuns momentos com maior intensidade que noutros.
Quando nascem, os bebés trazem consigo o padrão de sono-vigília que já tinham no seu mundinho. Aqueles curtos ciclos incluem agora os cuidados e afetos dos pais, além do sono e da alimentação durante o dia… e a noite. Felizmente este ritmo vai-se ajustando ao das 24 horas através do que chamamos de sincronizadores do relógio biológico, como a alternância da luz-escuridão, ruído-silêncio, do horário das refeições e das rotinas associadas ao sono. Com o passar do tempo, o sono noturno torna-se cada vez mais prolongado e o diurno fica circunscrito a determinadas alturas do dia.
Será que a sesta, cada vez mais curta com o passar dos anos, é realmente importante? Ou pode ser evitado para que os bebés e crianças durmam, mais rapidamente, a “noite toda”? A sesta não deve ser descontinuada arbitrariamente porque está implicada no desenvolvimento neurológico (sobretudo em idades precoces), no cognitivo - em particular na memória (logo, é essencial para a aprendizagem), na destreza psicomotora e na regulação emocional e comportamental.
Fica então evidente que a sesta traz inúmeros benefícios, não só à criança como aos próprios cuidadores - crianças que dormem as horas que biologicamente necessitam não só apresentam um melhor funcionamento global, como conseguem chegar a um final de dia relativamente bem dispostas, sem birras ou outros comportamentos menos ajustados, que tantos desafios colocam aos pais. O evitamento da sesta, quando a criança ainda dela necessita, vai interferir não só nas dimensões referidas como no próprio sono noturno, pois para dormirmos temos de estar tranquilos e relaxados e crianças cansadas têm mais dificuldade em adormecer.
Sendo então tão importante, quando é que a sesta deixa de ser necessária? Naturalmente, depende das necessidades individuais de sono de cada criança – há as “grandes dormidoras” e as “pequenas dormidoras” (as que precisam de mais e menos horas de sono). Ainda assim, de uma forma geral, podemos dizer que a maioria das crianças deixa de precisar de dormir entre 3 e os 5 anos, o que não implica que não devam manter um período de relaxamento/descanso depois do almoço.
Recentemente, reacendeu-se a polémica sobre a continuidade das sestas nas escolas com ensino pré-escolar (entre os 3 e os 6 anos), culminando com um pedido ao governo para implementação da sesta nos estabelecimentos de ensino públicos.
O que tem estado preconizado é que, a partir dos 3 anos, a sesta deixa de ser obrigatória nas creches públicas. Como se, subitamente, as crianças da “sala dos 2 anos” que, em agosto, dormiam cerca de 2 horas depois do almoço, deixassem de precisar de o fazer de todo só porque, em setembro, mudam de sala. A necessidade de sesta diminui de forma gradual, por isso não é incomum encontrar crianças da “sala dos 3 anos” a dormir em almofadas ou mesmo no chão, por entre as brincadeiras e risos dos colegas e a luz que entra pelas janelas.
A Secção de Pediatria Social (SPS) e a Sociedade Portuguesa de Pediatria (SPP) reuniram especialistas na área do sono e emitiram um conjunto de recomendações para a facilitação e promoção da sesta até aos 5/6 anos em qualquer estabelecimento de ensino uma vez que, em Portugal, 68% das crianças com 3 anos e 8.7% das de 5 anos ainda necessitam dela.
Recomendam então que as crianças mantenham o sono diurno quando necessário, procurando respeitar a hora do dia e a duração daquele de acordo com a idade.
Pelos 6 meses, o bebé faz 2 a 3 sestas, distribuídas entre manhã e tarde. Aos 12 meses, as sestas reduzem para 2, uma de manhã e outra à tarde, tendendo naturalmente a consolidar-se numa só (depois do almoço) a partir dos 18 meses. A duração desta sesta irá reduzir-se até que a criança deixe de precisar de dormir. Ou seja, de acordo com a SPS-SPP, crianças com 1 e 2 anos devem dormir 2-4 horas durante o dia (distribuídas pelas várias sestas) e com 3 a 5 anos, 1-3 horas.
Estas especificidades devem ser mantidas sempre que possível – por exemplo, há infantários que, aos 12m, “saltam“ a sesta da manhã e só colocam o bebé a dormir depois do almoço. Isto traduzir-se-á uma sesta tardia (porque uma só é insuficiente nesta idade) que vai atrasar o sono noturno ou, não dormindo mais, numa enorme irritabilidade ao final do dia, interferindo com a alimentação, as rotinas, a paciência dos pais e com o próprio adormecer.
Inversamente, há circunstâncias em que as crianças que já não necessitam biologicamente de sesta mas são “obrigadas” a fazê-lo - por exemplo, há turmas heterogéneas (com crianças dos 3 aos 6 anos) em que todos têm de dormir depois do almoço. Naturalmente, confortados pelo almoço e por um ambiente escuro e silencioso, o sono acaba muitas vezes por chegar a quem já funcionaria bem todo o dia sem ele. E é à noite que os pais se veem atrapalhados para que as crianças se deitem, pois estão cheias de energia e não têm sono.
Então, como saber quando a criança já não precisa da sesta? Segundo a SPS-SPP, é simples:
• Quando recusa ir para a cama ou não consegue adormecer porque não está cansada
• Quando acorda durante a noite ou muito mais cedo de manhã, comparativamente com o padrão de sono anterior
• Quando não adormece, na sesta, em 30-40 minutos
• Quando passa todo o dia acordada, atenta, ativa e sem oscilações emocionais importantes
A solução a desenhar para crianças com mais de 3 anos, e que já existe em alguns infantários públicos, seria passar por terem uma sala de descanso só/sobretudo para esse efeito (com condições controladas de ventilação, ruído, escuridão, leito confortável e vigilância) para que aquelas que precisassem de dormir o pudessem fazer.
Espera-se então que se aposte na implementação de condições que garantam a sesta até à entrada para a escola, no superior interesse da saúde física e psicológica e da qualidade de vida das nossas crianças.
Mafalda Leitão
Psicóloga especialista em Psicologia Clínica e da Saúde e em Psicoterapia/Pós-Graduada em Ciências do Sono
Coordenadora do Núcleo de Perturbações do Sono no PIN – Progresso Infantil
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