A  hora de comer pode ser uma verdadeira batalha para muitos pais. Seja porque os filhos não gostam da comida, lhes doi a barriga, não têm fome ou fazem birras à mesa.

 

Segundo Carla Rêgo, pediatra especialista em nutrição, «o comportamento alimentar é apenas uma das facetas do comportamento em geral».

 

«Advém da própria partilha de experiências entre os cuidadores e a criança, desde os primeiros momentos de vida», acrescenta. Portanto, «desde a relação da mãe com o alimento, à capacidade de entender a oferta de alimento como algo natural e que deve seguir um ritual único, tranquilo e espontâneo, passando pelo respeito pelas próprias regras familiares», sublinha.

 

«Tudo isto modela o comportamento da criança e o seu relacionamento com o alimento», refere ainda. Nesse sentido, identificámos os principais problemas de comportamento que surgem à mesa e qual a melhor forma de os solucionar.

 

O que fazer quando...


1. Diz «não gosto»

 

O problema: Recusa-se a comer porque «não gosta» da comida que lhe é servida.

A solução: «A criança só diz que não gosta se já o viu fazer ou se já o fez e daí resultou proveito para si. Todos temos o direito de gostar mais de umas coisas do que de outras na vida. O que não temos é o direito de não fazer aquilo que deve ser feito, neste caso, comer os alimentos preparados para a refeição da família», esclarece a pediatra. E não se deixe convencer a trocar o alimento por outro, cedendo às preferências da criança, pois segundo a pediatra, «só escolhe quem tem alternativa, quem não tem aprende a comer de tudo».

 

2. Não quer comer sozinho

O problema: Pede para lhe cortar a comida em pedaços ou dar-lha à boca.
A solução: A criança deve ser incentivada a perceber que é capaz de comer pelas próprias mãos. Use a sua imaginação e criatividade. «Com calma e a brincar vá mostrando que os adultos, que são o seu exemplo, comem sozinhos e que eles são capazes do mesmo. Através de jogos, acordos a brincar, mas sobretudo de incentivo e estímulo», aconselha a especialista.

 

3. Não quer ir para a mesa

 

O problema: Continua a brincar, ignorando o aviso para se sentar à mesa.

A solução: mesmo que obrigue a interromper a brincadeira, não deixe de fazer respeitar a hora da refeição. «A criança não manda e só nega vir para a mesa se isso lhe for permitido. Educar implica necessariamente saber quem manda e quem obedece e toda a envolvência da alimentação é suportada na educação. Uma criança que recusa vir para a mesa quando a chamam está a desobedecer», alerta Carla Rêgo. Para prevenir essa situação, experimente, por exemplo, avisá-la com cinco minutos de antecedência.

4. Demora muito tempo a comer

 

O problema: Usa a demora como uma forma de adiar comer o que lhe foi dado.
A solução: A criança deve comer o que tiver vontade de comer. «Estar mais do que 30 minutos à mesa cria desprazer pela hora da refeição e pode desencadear aversão à comida. Cerca de 30 minutos após o início da refeição, o apetite é saciado, mesmo que se tenha comido pouco. Só estará a perder tempo e criar um mau relacionamento com a comida», diz a pediatra.


5. Faz birras

O problema: Recorrer a birras e crises de choro para não comer.
A solução: As birras não são mais do que sinais das primeiras provas de força que as crianças tentam travar com os pais. O truque é ignorar e não deixar que isso perturbe a calma da refeição familiar. «A birra só ocorre com assistência. Se ignorar e mantiver a rotina da refeição, a criança come o que quiser e, se não quiser comer, não come mas não discuta, não ameace, não fomente a birra, argumentando e insistindo e, sobretudo, não substitua por outro alimento de que a criança goste mais», aconselha Carla Rêgo.

 

6. Tem «dor de barriga»

 

O problema: Inventa desculpas para não comer aquilo que foi preparado. É o caso do clássico «Doi-me a barriga».
A solução: Antes de mais, é preciso ter a certeza de que a criança não está doente. Quando o comportamento é repetitivo e só ocorre à mesa, obviamente, não há doença. «O importante é tentar, na dinâmica da refeição familiar e sem dar demasiada importância à criança, ir negociando duas ou três colheres de cada prato. há que ter sempre presente: importa oferecer variado, a quantidade é pouco relevante e a criança gere», esclarece a especialista Carla Rêgo.

 

7. Não fica sentado à mesa

 

O problema: Quer comer noutro local, por exemplo, à frente da televisão, no sofá ou no quarto.
A solução: Procure estimular um bom ambiente na mesa onde habitualmente se fazem as refeições. Desligue a televisão e aproveitem para partilhar experiências vividas por todos ao longo do dia. «O local para ingerir o alimento deve ser sempre, desde que a criança introduz alimentos à colher por volta dos 5/6 meses, a mesa. Se ela desenvolver esta associação, o comportamento é natural», aconselha a pediatra.

8. Não quer comer um alimento específico

 

O problema: Tem uma lista negra de pratos, nomeadamente vegetais, verduras, sopa ou algumas frutas.
A solução: Mesmo contra a sua vontade, é importante que ingira todos os alimentos. A solução passa, nestes casos, por não lhe oferecer alternativa. São os pais quem dita as regras do que se come e não come, não a criança. mesmo que a criança acabe por comer menos do que é habitual, estará a adquirir uma noção de «regra» que deve, sempre, respeitar.

 

9. Não tem fome

 

O problema: Justifica o facto de não querer comer com o argumento «Não tenho fome».
A solução: Deve procurar que a criança prove cada prato e coma apenas a porção que entender mas nunca permitir que salte uma refeição. «Há que respeitar oscilações de apetite que têm que ver com variações na velocidade de crescimento ao longo da idade pediátrica. A contabilização dos volumes ingeridos nunca deve ser diária mas sim semanal; mesmo que coma pouco, desde que seja variado será o quanto basta para o momento», explica a pediatra Carla Rêgo.

 

10. Só como bem fora das refeições

 

O problema: Come todos os alimentos fora das refeições mas o mesmo não acontece à mesa.
A solução: Para a pediatra Carla Rêgo a resposta está na imposição de regras. «O comportamento alimentar é apenas uma vertente do comportamento individual e social global. O educador é que estipula as regras e isso tem que ser claro e consistente, desde cedo. Uma criança que cresce sem balizas, sem regras, não cria os seus limites e os seus pontos de referência… e na adolescência aparecem os problemas desviantes.» 

 

Punir ou não?

A atribuição de uma recompensa por bom comportamento (neste caso, comer) ou uma punição por mau comportamento (não comer) pode ser uma solução, contudo, a especialista em nutrição infantil, Carla Rêgo, alerta que «só o comportamento deve ser usado como recompensa ou punição e não o alimento».

 

Texto: Ana Teixeira e Fernanda Soares com Carla Rêgo (pediatra no Hospital CUF Porto e professora na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto e na Universidade Católica do Porto)