Brincar é meio caminho andado para um desenvolvimento saudável. «As crianças saudáveis e felizes têm a vista na ponta dos dedos e a cabeça no ar, fazem uma asneira de oito em oito horas e esgotam as quotas de impertinência a que têm direito», refere Eduardo Sá. Em entrevista à Prevenir, o psicólogo clínico aponta pistas da felicidade na infância dos dias de hoje. O especialista incentiva os pais a reviverem as memórias do tempo em que brincavam e a acabar com a sobreproteção dos mais pequenos, reclamando inclusive o direito à dor.
Recorde-nos a sua infância. Quais os momentos de maior felicidade de que tem memória?
Enquanto criança, recordo como os mais puros momentos de deleite, estar, com apenas dois anos, tardes inteiras com a cabeça no colo da minha avó.
Podemos tirar lições da criança que fomos para nos tornarmos melhores pais?
Sem dúvida, mas existem duas questões que me preocupam. Ou os pais nunca foram crianças ou talvez se tenham esquecido das crianças que foram. Parecem perder o coração e a alma. Tornam-se mais tecnocráticos do que propriamente pais, por vezes por se sentirem atropelados com algumas experiências infantis que tentam de tal forma fugir delas, fazer diferente, melhor, que quando se dão conta estão a ser outra coisa que não pais, lutam contra fantasmas.
Um exemplo disso acontece quando se tenta explicar às crianças para onde vão as pessoas quando morrem, como se a morte fosse um assunto perfeitamente esclarecido e resolvido dentro dos pais. Nas questões essenciais, não somos tão crescidos assim.
Quais são as principais diferenças entre a infância do seu tempo e a de hoje em dia?
Somos a civilização que criou, até hoje, as melhores crianças. Demagogia à parte, nunca os pais foram tão atentos e cuidadosos e nunca as crianças foram tão felizes... até à entrada na escola. O que acho dramático é que esses pais, até a essa altura fabulosos, parecem perder a compostura.
Acham que, de repente, a escola é mais importante do que devia ser ao mesmo tempo que afirmam que antigamente ocupava menos tempo, aprendia-se o mesmo e eram mais felizes. Os pais querem sempre transpor o que de melhor tinha a sua infância para a dos seus filhos. Então, porque não questionar as horas de aulas de hoje?
Hoje é mais fácil ou mais difícil fazer uma criança feliz?
Fazer uma criança feliz exige sempre uma adaptação dos pais. Se os pais não desistirem desse estatuto, isso vai fazer a criança ser mais feliz. Preocupa-me que, por vezes, as agendas das crianças sejam preenchidas por outras pessoas que não os pais. A família é sempre muito mais importante que a escola. Brincar é tão importante quanto aprender.
Quando as crianças estão na escola quando podiam estar com os pais, isso revela que as hierarquias estão desajustadas. A formação escolar é tão importante quanto a escola da vida e é isso que ajuda a resolver os problemas quotidianos.
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Quais os novos desafios para os pais e para os filhos atualmente?
Hoje, o desafio mais importante para os pais é abandonar a ideia de que as crianças e os jovens são de porcelana. A ideia de, por exemplo, as crianças frequentarem o mesmo grupo desde o primeiro ciclo até ao nono ano é um atentado à saúde mental. As crianças ganham mais se tiverem outros colegas e professores. Tornam-se mais versáteis.
Às vezes, de tanto querer proteger as crianças, estamos a criar uma imunodeficiência à dor. Devemos reabilitar o direito à dor. Assim, vamos ter crianças mais felizes pois é preciso errar para aprender e desenvolver uma espécie de sexto sentido».
Haverá uma chave para a felicidade das crianças?
Ninguém é feliz sozinho. Devemos defender a convivência familiar. Tirar a televisão do quarto das crianças e da hora do jantar e promover o convívio. O que torna as crianças felizes é sentirem a presença dos pais. Quanto mais elas tiverem os pais nas suas vidas mais felizes serão. E brincar com elas e deixá-las brincar. Falamos de algo que deveria ser património da humanidade e uma das chaves da felicidade.
E existirá uma fita métrica dessa felicidade? Como podem os pais saber se o seu filho é feliz?
Quando as crianças estão distantes ou quando estão invariavelmente sob um registo eufórico, algo está mal. As crianças saudáveis são aquelas que, de quando em vez, ficam tristonhas. Se não vivermos a dor devagarinho não conseguimos ser felizes. Têm a vista na ponta dos dedos e a cabeça no ar, fazem uma asneira de oito em oito horas e esgotam as quotas de impertinência a que têm direito.
Fazer uma criança feliz tem mais a ver com dar à criança o que ela quer ou dar-lhe o que ela precisa?
Os pais devem ser uma entidade reguladora. Devem definir regras de acordo com as suas convicções, de bom-senso e sabedoria. Os maiores inimigos dos bons pais são os pais bonzinhos. Não é por se fazer todas as vontades às crianças que elas gostam mais de nós e são mais felizes.
Como podemos ajudá-las a lidar com as frustrações?
É importante que as crianças sintam a derrota pois a vitória, por vezes, escapa-nos. No entanto, aos pais aconselho que sejam convincentes nas suas decisões, que incutam respeito.
Qual a importância da felicidade na construção da personalidade de uma criança?
A felicidade de uma criança é o maior alicerce da sua personalidade. Quanto mais tivermos cuidado nos primeiros dois anos de vida, mais criamos crianças com um conjunto de recursos que as tornam afoitas, seguras de si, expeditas e curiosas. Obviamente que, enquanto tivermos este cuidado, podemos ter a certeza que vão constipar-se, sentir perto a morte de alguém da família, mas vão manter o equilíbrio, continuar organizadas.
Se, pelo contrário, as protegermos excessivamente, tentando evitar frustrações, à primeira contrariedade vão partir-se como se de uma peça de porcelana se tratasse e, isso sim, é trágico.
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As crianças são mais felizes se:
1. Os pais exibirem versatilidade e adaptação.
2. A família for encarada como muito mais importante que a escola.
3. Brincar for entendido como tão importante quanto aprender.
4. Os pais forem sempre o mais presentes possível.
5. Os pais servirem de entidade reguladora.
6. Os pais lidarem com as frustrações das crianças com todo o orgulho.
7. Filhos e pais sentirem um orgulho recíproco.
8. Os pais optarem por uma filosofia de transparência e de autenticidade.
9. Se os pais abandonarem a ideia de proteger excessivamente as crianças.
Texto: Carlos Eugénio Augusto com Eduardo Sá Psicólogo (clínico e psicanalista) com Artur (fotografia)
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