Criança que é criança deve brincar, rir, correr, gritar e saltar. À partida, toda a gente sabe que é assim. Mas porquê? Alguma vez parou para pensar nisso? Inês Afonso Marques, coordenadora da área infanto-juvenil da Oficina de Psicologia, explica a importância das brincadeiras no desenvolvimento da personalidade infantil e também enquanto veículo de socialização. «É uma das tarefas da infância com maior responsabilidade no desenvolvimento cognitivo, emocional, social e motor», esclarece a especialista, em entrevista.
Porque é que as crianças brincam?
Através do brincar, as crianças mostram o seu interior, diminuem ansiedades, expressam emoções, medos, mostram a forma como compreendem o mundo, fazem perguntas, partilham dúvidas, constroem sentidos... Envolvem-se numa troca social e afetiva tão rica quanto prazerosa. O brincar pode ser considerado inato, ainda que sensível à estimulação, no sentido em que a exploração do mundo e a curiosidade são comportamentos que identificamos nos bebés, desde que nascem.
Brincar traz algum benefício para a saúde?
É uma das tarefas da infância com maior responsabilidade no desenvolvimento cognitivo, emocional, social e motor. Através do brincar assiste-se ao desenvolvimento da criatividade, da imaginação, da experimentação de papéis e da compreensão do mundo que rodeia a criança. No jogo simbólico, experimenta diferentes papéis, dá forma aos seus pensamentos, ao que observa à sua volta, exprime as suas emoções, interpreta o que acontece consigo e com os que a rodeiam e ensaia comportamentos. Nesse sentido, o brincar, enquanto processo, tem impacto no corpo, na mente e no espírito. Brincar é essencial, como ter uma rotina para estudar ou tomar banho.
As brincadeiras mudaram com o surgimento das tecnologias?
Sem dúvida, as tecnologias vieram acrescentar um leque variado de novas brincadeiras e formas de entretenimento. O recurso às brincadeiras tecnológicas não deve funcionar como uma ama tecnológica que impede a criança de socializar mas, sim, como uma brincadeira alternativa. Atualmente a televisão, o telemóvel e o computador, quando em excesso, hipnotizam e condicionam o relacionamento com outras crianças, seja no recreio da escola, seja no campo de futebol ao pé de casa. É importante estar-se mais atento e sensível ao uso e influência destes fatores para que a socialização saudável continue a ser desenvolvida e proporcionada.
Damos a importância devida ao brincar na infância?
Creio que as famílias portuguesas estão sensibilizadas para a importância do brincar. Há por exemplo uma maior preocupação em descrever nas embalagens dos brinquedos a faixa etária a que se destinam, assim como as capacidades que permitem desenvolver. Também as escolas, creches e jardins de infância têm desempenhado um papel importante no que ao brincar diz respeito. Proporcionam momentos de brincadeira e exploração livre às crianças, incentivando as famílias a participar na construção de novos brinquedos e brincadeiras, bem como incentivando a realização de momentos de partilha de qualidade entre pais e filhos.
Stuart Brown, psiquiatra norte-americano, diz que devemos brincar ao longo da vida. Concorda?
O brincar funciona como um motor para a aprendizagem em qualquer idade. Enquanto adultos não deixamos de procurar a novidade, a descoberta e o prazer associado. Ao brincar, mesmo enquanto adultos, encontra-se o prazer. Da resolução de problemas, das relações e, claro, da criatividade. Todos nós brincámos, mas com o passar dos anos e com as exigências do mundo, acabámos por nos esquecer da liberdade e da sensação de felicidade que o brincar proporciona.
Para além disso, à medida que crescemos vamos dando cada vez menos valor à brincadeira. O importante é haver um constante reinventar de formas de brincar, quer na relação entre adultos e crianças, como mesmo entre os próprios adultos.
Veja na página seguinte: Brinquedos transversais a todas as crianças e idades
Brinquedos transversais a todas as crianças e idades
Embora ressalve que devem ser ajustados ao grau de desenvolvimento da criança, Inês Afonso Marques, coordenadora da área infanto-juvenil da Oficina de Psicologia, sugere alguns brinquedos e brincadeiras que podem ser transversais:
- Puzzles e construções, pois permitem desenvolver «a motricidade fina, o raciocínio lógicoabstrato, a capacidade de planeamento, a resistência à fadiga e à frustração, a imaginação», assegura a especialista.
- Papel e material para «rabiscar, desenhar e pintar», sugere Inês Afonso Marques.
- Plasticinas, que ajudam a «desenvolver a imaginação, a motricidade fina, a expressão emocional», refere a coordenadora.
- Os livros são uma «forma lúdica da criança aprender, consciencializar-se, regular e desenvolver-se emocionalmente», diz. Também ajudam a desenvolver a linguagem, a imaginação, a memória e o espírito crítico. E proporcionam uma oportunidade de «interação entre a criança e quem explora com ela o livro», suscitam questões e permitem refletir sobre diversos assuntos.
- Lenços, chapéus, utensílios de cozinha, perucas, malas, óculos e por aí fora… Enfim, «todos os materiais que permitam à criança brincar ao faz de conta e experimentar outros papéis, desenvolvendo a imaginação, as suas competências sociais, estratégias de resolução de problemas», acrescenta a especialista.
Texto: Filipa Basílio da Silva
Comentários