Há muitas razões para os despertares nocturnos dos bebés. Necessidade de alimentação, necessidade de securização, padrões fisiológicos protectores e auto-reguladores, entre outros. O sono dos bebés é mais fraccionado e também composto de muito mais períodos de sono ligeiro (ou sono REM) do que o dos adultos. Há motivos biológicos para que assim seja.

Na verdade, os despertares não deveriam ser à partida vistos como negativos. Muitos deles poderão ter uma função protectora do próprio bebé.

A maior parte destes métodos promovem junto dos pais a meta de conseguirem que o bebé durma 12 horas seguidas, mas esse objectivo, para além de irreal para a maior parte dos bebés, pode nem sequer ser desejável. Na amamentação, por exemplo, sabe-se que as mamadas nocturnas são em muitos bebés essenciais para o aumento de peso e para a manutenção da produção de leite na mãe.

É engraçado porque o que significa “dormir a noite inteira” para um bebé, não é consensual nem entre os cientistas que estudam estas matérias. Em 2010, para tentar definir o que é uma “noite inteira”, um estudo (Henderson et al. 2010) utilizou 3 critérios distintos (dormir da meia noite às 5 da manhã; dormir oito horas seguidas; dormir das 22h00 às 6 da manhã).

O que concluiu? Entre outros aspectos, que aos cinco meses de idade metade dos bebés ainda não atingiam o critério 3 e que aos 12 meses de idade quase um terço dos bebés ainda não o fazia. Muita da evidência existente considera um período de 5-6 horas de sono ininterrupto ou um período de cerca de oito horas, com alguns despertares, como sendo o mais frequente em crianças maiores de 6 meses e menores de um ano. Há estudos para todos os gostos como se sabe. Mas a ideia de que é expectável todos os bebés dormirem 12 horas seguidas a partir dos 6 meses não se encontra em lado nenhum. Se o seu filho é um dos raríssimos casos que o faz de forma espontânea e fisiológica, considere-se afortunado. Mas para todos os outros pais, a maioria, cujos bebés não dormem 12 horas seguidas à noite, saibam que a miragem com que lhes estão a acenar não é, na nossa perspectiva, mais que um referencial ilusório e artificial que os vai fazer acreditar que têm um problema em mãos, quando provavelmente não têm.

Os métodos de treino de sono assentam em duas vertentes: por um lado em não “recompensar” o bebé dando-lhe a resposta ou acção que ele pretende e manifesta através do choro (essa é a parte de “treino”); por outro lado propõem estratégias que condicionam ou modificam o ambiente, para além da organização do dia através de rotinas e horários.

Para perseguir esta promessa das 12 horas de sono seguidas, os pais são incentivados a pôr em prática “truques” como o cluster feeding artificial (dar vários biberões com intervalos curtos entre si no final da tarde, mesmo que os bebés não os peçam) para fazer o tanking – (“encher bem” o bebé), o dreamfeeding, (em português inocentemente chamado de “leitinho dos sonhos”) e que não é mais que alimentar o bebé enquanto dorme, sem que ele sequer o peça; dar leite frio em vez de morno, ou diluir progressivamente a fórmula em cada vez mais água.

Na verdade o parágrafo anterior parece descrever decisões características tomadas às 5 da manhã por pais desesperados, dispostos a tudo para que os seus bebés durmam.

Parece, mas não é.
São algumas propostas que constam de métodos de treino de sono.

Por um lado, os treinadores de bebés apontam aos pais os “erros frequentes” que cometem e que incluem actos tão instintivos como adormecer ao colo ou na maminha, embalar ou cantar. Por outro lado, sugerem-se estratégias que, sem qualquer fundamento científico de suporte que demonstrem o seu benefício para o bebé, tentam conseguir a custo mais horas de sono contínuo. Mesmo que essas sejam alcançadas, por exemplo, pela letargia pós-prandial (a sensação de enfartamento) de um bebé a quem foi dado um (ou vários) biberões que não pediu.

O que pode acontecer quando deixamos de responder ao fisiologicamente esperado pelo nosso bebé e adoptamos outras estratégias?

Para além de estarmos a interferir directamente nos seus padrões de alerta e resposta, poderemos estar também a desligar-nos daquilo que instintivamente nos faz responder aos pedidos do nosso bebé, da própria regulação hormonal com que a Natureza nos dotou. Dizer aos pais “sigam o seu instinto” não é só uma frase feita, é um convite simples mas complexo para olharem para os seus bebés e lerem em cada momento aquilo que ele está a pedir-lhes. Não por “manha” ou “vício”, mas porque precisa e por isso o pede.

Porque um instinto que deixa de se ouvir, torna-se inseguro e vai precisar de uma voz externa para o guiar. Deixa de ser instinto.

Para se treinar um bebé é quase sempre preciso treinar também os pais:         

A ideia de que o bebé precisar de colo ou embalo para adormecer é “um problema de sono” está errada e é preciso dizê-lo. Embalar um bebé, aconchega-lo ao colo, ficar com ele quando nos pede até que adormeça, é algo que mães e pais sempre fizeram ao longo dos séculos. No entanto hoje são muitos os pais que têm medo de o fazer.

Ao contrário do que possa pensar, muitos bebés adormecem ao colo e não têm mais despertares por causa disso. Naqueles que têm, porque quando acordam a meio da noite lhes falta o colo em que adormeceram, então há outras estratégias que não passam por “treinar o bebé” para “adormecer sozinho” vendo o choro como um passo “necessário” do processo.

O choro dos bebés é um sinal de alerta, um pedido de ajuda. Usar o choro para “ensinar a dormir” usando o argumento de que “também tiramos um objecto perigoso da mão do bebé mesmo que ele chore” não faz sentido.

Precisar de colo, contacto físico, ou presença do cuidador para adormecer não coloca em risco a vida do bebé. Muito pelo contrário, pode ser um factor importantíssimo para a sua regulação, física e emocional.

Pensemos então no porquê de se usarem comparações com situações efectivamente perigosas para o bebé, quando se tenta motivar os pais para seguirem estes métodos.

Talvez a resposta esteja em que é possível treinar um bebé, mas isso implica quase sempre treinar também os pais a ignorarem os seus instintos. Estes métodos procuram actuar nas duas vertentes.

No apelo aos pais para que ensinem o seu bebé a dormir ou que apliquem “hábitos preventivos”, contam-se “histórias de terror” de bebés que acordam de meia em meia hora ou que só dormem com a máquina de lavar ligada, ou de pais que dormem separados há anos.

Quem é o pai ou mãe que não fica assustado?
Que não fica disposto a tudo para prevenir chegar a este ponto?
Todos nós, arriscamos dizer.

Mas vamos falar verdade.

É assim tão dramático na maioria das casas? Não, não é.
A maioria das famílias tem bebés sem nenhum outro problema que não o facto de serem bebés, com o grau de disponibilidade que isso implica por parte dos pais.

É assim em algumas? Sim.
Há famílias verdadeiramente em crise. Em muitas delas o sono é apenas uma parte da questão. Ou porque a expectativa em relação ao sono do bebé é demasiada elevada ou porque a noite estará porventura a ser não mais que um reflexo de outras situações que afectem o bebé e os pais. São precisamente essas famílias que mais precisam de uma rede de suporte, de auto confiança e de estratégias que fundamentem e suportem graus de compreensão e empatia mútuos. Talvez essas famílias, para se salvarem a si mesmas, estejam dispostas a tudo.  Mas quem os acompanha não deveria estar. Deveria ajudá-los a encontrar estratégias que passem pelo autoconhecimento, o entendimento familiar e não partir do princípio de que o problema está sempre no bebé.

Em alguns casos, é necessário ajudar a mãe ou o pai a procurar ajuda. Um sono perturbado no bebé pode ser reflexo de alguma desregulação emocional num dos elementos da família. E aí, quem os acompanha, tem o dever ético de encaminhar a situação para um técnico de saúde mental para avaliação.

Um bebé exposto a uma desregulação emocional da mãe ou do pai, terá ele próprio dificuldades em regular-se nas suas necessidades básicas, sendo o sono uma delas.

Quando nos colocamos na verdadeira disposição de escutar, será sempre possível encontrar formas de promover um maior entendimento e repouso familiar, atendendo às necessidades de todos.

Porque ninguém, em idade nenhuma, merece adormecer a chorar.

Autoras:
Constança Ferreira, Terapeuta de Bebés
Mariana Cordeiro Ferreira, Psicóloga Clínica

Centro do Bebé

VEJA TAMBÉM Sono: o que pode acontecer quando se “treina” um bebé?

Referências:.
Henderson et al. 2010. Sleeping Through the Night: The Consolidation of Self-regulated Sleep Across the First Year of Life. Pediatrics. 126(5):e1081-e1087.

Middlemiss et al, 2012. Asynchrony of mother–infant hypothalamic–pituitary–adrenal axis activity following extinction of infant crying responses induced during the transition to sleep. Early Human Development

Feldman et al, 2010. Natural variations in maternal and paternal care are associated with systematic changes in oxytocin following parent—infant contact

Schanberg S, 1995. The genetic basis for touch effects. In T. Field (Ed.), Touch and Early Experience, Mahwah, NJ: Erlbaum
Douglas PS, Hill PS, 2013. Behavioral sleep interventions in the first six months of life do not improve outcomes for mothers or infants: a systematic review. J Dev Behav Pediatr.Setembro 2013

Gunnar MR, Donzella B, 2002 Social regulation of the cortisol levels in early human development. Psychoneuroendocrinology..