Quais são as doenças mais graves a atingir o coração do bebé?
São as cardiopatias, embora a sua presença seja de cerca de 8 por mil recém-nascidos vivos. As cardiopatias - um problema na estrutura do coração - na criança são raras, mas importantes, porque são a causa de morte mais frequente no recém-nascido. No entanto, o tratamento medico ou cirúrgico evoluiu muito nos últimos anos, para todas as situações, por isso, identificar e tratar uma criança com doença cardíaca torna-se muito gratificante, pois restitui-lhe a liberdade física que eventualmente perdeu, assim como contribui para a diminuição da ansiedade familiar.
Hoje em dia, nos países civilizados, as cardiopatias diagnosticam-se cada vez mais cedo, muitas vezes antes de a criança nascer. Podemos, dum modo simples dividir as cardiopatias em idade pediátrica, em dois grandes grupos: cardiopatias congénitas e adquiridas. Se considerarmos as duas causas principais das cardiopatias na criança os genes e o ambiente, diremos que os genes dominam nas primeiras e o ambiente nas segundas. Mas há sempre uma mistura das duas causas.
Essas patologias são fáceis de identificar?
Os cuidados perinatais em Portugal são atualmente dos mais avançados e a taxa de mortalidade neonatal e infantil são das mais baixas no mundo. A acuidade diagnóstica das cardiopatias nas maternidades é por isso muito boa, ainda que por vezes, raramente, haja falhas, pois a manifestação clínica não surge imediatamente nos primeiros dias. Isto deve-se a que a circulação no útero é diferente da circulação da criança fora da mãe, havendo uma fase de transição entre as duas circunstâncias. As cardiopatias mais graves têm uma manifestação mais precoce e as mais benignas manifestação mais tardia.
O diagnóstico e tratamento das cardiopatias congénitas é das áreas da medicina que mais evoluiu. Mesmo as cardiopatias mais complexas são passíveis de tratamento cirúrgico e médico
O que são as cardiopatias congénitas? São limitadoras da vida do bebé?
A cardiopatia congénita é uma malformação no coração que ocorreu no primeiro ou segundo trimestre da gravidez. Esta anomalia causa mal funcionamento do coração, que se vai agravando se não for tratada. As causas das cardiopatias não estão ainda totalmente esclarecidas, mas existem causas ligados aos genes e causas ligadas ao meio ambiente, sejam agressões infecciosas, medicamentosas ou outras relacionadas com a mãe.
O diagnóstico e tratamento das cardiopatias congénitas é das áreas da medicina que mais evoluiu nas últimas décadas. Mesmo as cardiopatias mais complexas são passíveis de tratamento cirúrgico e médico, capazes de oferecer à criança e pais uma qualidade de vida normal no que respeita a atividades cognitivas ou quase normal no que respeita a desportos de competição ou profissionais. Há cardiopatias simples que se podem resolver por si e outras que, ainda que simples, podem tornar-se prejudiciais. Mas existem tratamentos curativos, muitos deles não cirúrgicos. As cardiopatias mais graves podem ser tratadas numa única intervenção, ou então por faseamento, em cirurgias paliativas, até que seja feita uma cirurgia definitiva. O transplante cardíaco é a última solução e é raro.
E o que pode dar origem a cardiopatias adquiridas?
As cardiopatias adquiridas geralmente são de causa infeciosa ou imunológica, como a doença de Kawasaki, a miocardite, o derrame pericárdico. Há cardiopatias que tendo uma causa dominantemente genética, só se manifestam mais tarde, na adolescência, como a miocardiopatia hipertrófica, o prolapso da válvula mitral, etc. Há doenças sindromáticas que tipicamente se associam a cardiopatias específicas, como a dilatação da aorta na sindrome de Marfan, a estenose pulmonar na síndrome de Noonan, as comunicações intracardíacas na síndrome de Down, as doenças do miocárdio nas doenças neuro-musculares ou mitocondriais, entre outras.
Existem situações em que as malformações cardíacas fetais são indicação para interrupção da gravidez?
Todas as cardiopatias têm atualmente solução cirúrgica, com taxas de mortalidade aceitáveis, dependendo dos centros cirúrgicos. No entanto o tratamento das cardiopatias mais complexas costuma exigir mais do que uma intervenção cirúrgica, o que assusta muito os pais e torna pesada a tarefa de aceitar um filho com estas limitações. Porém as crianças ultrapassam estas fases de uma maneira espantosa, recuperando rapidamente. Não há pais com sentimentos de culpa e que se arrependam de embarcar nesta aventura de lutar por um filho com cardiopatia. As recompensas são muitas. A decisão da interrupção da gravidez pertence aos pais. Os hospitais têm comissões de ética que os podem esclarecer, mas a principal informação deve partir de uma entrevista pessoal com o cirurgião cardíaco pediátrico que irá tratar a criança.
A que sintomas é que os pais devem estar atentos?
Os sintomas das cardiopatias misturam-se sempre com outros sintomas de situações mais simples nas crianças, e no final, são estas as causadoras. Hoje em dia, e em Portugal, não é prudente pôr os pais a tentar perceber se os seus bebés têm um problema cardíaco. Se a gravidez foi bem vigiada, a grávida cumpriu pelo menos o protocolo de vigilância do SNS, e o bebé nasceu numa maternidade com assistência e rastreio medico, seguramente vai estar tudo bem. Qualquer dúvida deve ser discutida com o pediatra ou médico de Medicina Familiar. No entanto há doenças cardíacas na criança, não congénitas mas adquiridas, que podem surgir subitamente. Nestes casos, e em geral a criança mostra-se doente e é levada a um serviço de urgência e aí é feito o rastreio.
Todas as malformações cardíacas podem ser identificadas durante a vida fetal?
As malformações cardíacas deveriam ser identificadas durante a gravidez, idealmente no segundo trimestre pelas 22-24 semanas de gestação. A acuidade diagnóstica das cardiopatias fetais, no mundo inteiro, depende de vários fatores, principalmente da experiência do examinador e da qualidade das imagens. No melhores centros ronda os 80-90%.
Existem protocolos do SNS português para o rastreio das cardiopatias pelos médicos dos cuidados primários, protocolos de referência para os obstetras de cuidados secundários e ainda protocolos de referência para os cuidados terciários, onde um cardiologista pediátrico com experiência em cardiopatias fetais fará um exame detalhado ao bebé.
Os sopros cardíacos nos bebés são uma situação comum? Existe um tratamento específico ou desaparece com o tempo?
Os sopros cardíacos nas crianças são a situação mais frequente que levam uma criança a ser vista por um especialista em cardiologia pediátrica. O coração, em termos de adaptação ao crescimento, não é um órgão estático. Na fase pediátrica vai crescendo e formando-se, certas zonas dominando sobre outras. Por isso em certas fases da vida da criança podem surgir sopros. Um sopro é um fenómeno acústico que resulta da circulação sanguínea. Ouvir um sopro cardíaco depende de muitos fatores externos à criança, que vão desde a experiência do médico, das condições ambientais, das condições emocionais, entre outras.
Em cada mil crianças observadas, só cerca de 7 (0,7%) irão ter um sopro que corresponde a uma doença no coração. Todas as outras com sopro, terão os chamados sopros inocentes que não correspondem a doença nenhuma, antes pelo contrário. São sinais de uma hemodinâmica sanguínea normal e saudável. Há médicos que descansam os pais e dizem que um sopro inocente é sinal de saúde, juventude, energia, entusiasmo de viver, vontade de crescer e pressa de andar para a frente… E é bem verdade! Outros médicos, mais idosos, acrescentam que já tiveram um sopro assim e que gostariam de o voltar a ter, mas a idade já não permite …
Quando um pediatra ausculta um sopro cardíaco e tem dúvidas da sua benignidade, deve pedir o apoio da Cardiologia Pediátrica. A existência de um sopro cardíaco com determinadas características num adolescente atleta também é motivo para observação por parte desta Cardiologia Pediátrica.
As explicações são do médico António Macedo, cardiologista pediátrico no Hospital Lusíadas Lisboa e autor do blogue "Meu pequenino coração".
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