Nasceu no teatro, mas foi a televisão que o tornou num rosto inconfundível. Quem conhece o programa ‘Preço Certo’ sabe também quem o apresenta: Fernando Mendes.

É antes da azáfama das notícias que, todos os dias, aparece à hora marcada para levar o bom humor e disposição à casa dos portugueses.

Mas o programa que popularizou a expressão ‘espetáculo’ é apenas um dos muitos frutos que já colheu da carreira que continua a construir. Desde 2018, é com ‘Insónia’ que tem conquistado o público nos palcos tradicionais. A peça vai estar em cena no Teatro Armando Cortez, em Lisboa, até ao dia 26 de janeiro, passando depois para outras regiões do país.

E foi precisamente ao lado da Casa do Artista, a preparar-se para mais um espetáculo, que Fernando Mendes recebeu carinhosamente o Notícias ao Minuto para falar da vida e carreira.

Apesar de já estar há largos anos a apresentar o ‘Preço Certo’, faz por manter-se ativo nos palcos e continua a fazer peças de teatro. Sente necessidade de representar, de estar em palco? É como se fosse um vazio que precisa de ser preenchido?

O teatro é que é realmente a minha vida. Eu sou ator. Ainda bem que aconteceu o ‘Preço Certo’, como aconteceram outras coisas, mas as tábuas [o palco] é que são o nosso ponto de equilíbrio. Como nasci neste meio e sempre trabalhei em teatro, a televisão apareceu mais tarde. Onde me sinto realmente bem é no palco. O teatro para mim está em primeiro lugar. Às vezes há peças melhores do que outras, mas, felizmente, tenho feito peças que me têm dado muito gozo fazer, e que me têm corrido bem. Já fiz muitas há alguns anos que [não correram tão bem], mas neste momento posso gabar-me de poder escolher com quem quero trabalhar, quem quero que escreva os meus espetáculos. Mas isto são quase 40 anos de carreira…

O espetáculo ‘Insónia’ é a sua peça de teatro mais recente, que estreou em 2018 e que continua em cena e com salas esgotadas… O que acha que cativou as pessoas?

Não é para me gabar, mas a peça está muito bem escrita e é muito boa. É muito atual, fala de coisas que acontecem no dia a dia de um homem que vive sozinho depois da mulher o deixar, e ele tem que fazer a lida da casa – que acaba por não fazer nada, passa a vida a ver televisão. As pessoas revêem-se muito. É engraçado ver casais a dar um toque nos ombros como quem diz: estás a ver. O sucesso deve-se também à sorte de ter o ‘Preço Certo’ e onde posso anunciar os espetáculos. Temos sido convidados para andar pelo país todo, que é cansativo, mas eu gosto muito. Conhecer outros palcos, outros públicos...

Sendo filho de um ator, sonhava ser ator?

Sonhei por ser filho de quem sou. Se não fosse, nunca na vida isso me passaria pela cabeça. Acompanhei o meu pai no teatro desde sempre – eu e os meus irmãos, e fui eu o único que vim parar a esta área. E depois há o fator sorte.

O fator cunha a mim não me aflige muito desde que depois tu saibas aproveitar essa cunha. Acho que consegui aproveitar e por isso é que já cá estou há quase 40 anos

Quando aos 17 anos fez a sua primeira peça de teatro, sentiu logo que tinha nascido para o mundo do espetáculo?

Senti mais ou menos, porque uma coisa era ver espetáculos com o meu pai e ser muito engraçadinho em casa, e outra coisa foi quando me estreei, a cortina subiu e estavam 800 pessoas… Foi um bocado complicado. Claro que comecei com papéis muito pequenos, e ainda bem que assim foi. Aliás, eu comecei do lado de trás, nos bastidores, como ajudante, a tratar dos cenários e aquelas coisas todas… Mas senti que o primeiro ano foi complicado e acho que, sinceramente, não tinha muita gracinha. Era por ser filho de quem era que estava ali. Ao contrário do que muita gente diz, sentia que me faltavam anos e aprender, porque naquela altura não tinha muito jeito.

Por ser filho do ator Vítor Mendes, e apesar de ao início essa condição lhe ter aberto algumas portas, sentiu algum tipo de pressão para igualar o talento?

Senti bocas, e percebo também. O fator cunha a mim não me aflige muito desde que depois tu saibas aproveitar essa cunha. Acho que consegui aproveitar e por isso é que já cá estou há quase 40 anos. Agora, há pessoas que têm cunhas e não as sabem aproveitar. Mas fui invejado muitas vezes por ser filho de quem era e por pessoas que queriam entrar no teatro na altura e não tiveram a sorte que eu tive.

Falo mais até a nível de mostrar o seu talento, se sofreu algum tipo de comparações a esse nível…

Também. Mas é engraçado que a minha mãe uma vez até ficou um bocado triste com uma amiga dela que lhe disse que o filho tinha mais talento do que o marido. Havia muita comparação, mas a mais engraçada que tive foi um dia, no teatro, um casal veio ter comigo e disse que eu lhes fazia lembrar um ator que já tinha falecido, que era o Vítor Mendes. Na altura disse-lhes que era filho dele e esse foi dos melhores elogios que tive na vida. Nunca mais me esqueci disso.

O Nicolau [Breyner] foi o ator que, se calhar, me deu mais a mão. Era aquela vedeta que não era vedeta e que dava a mão a toda a malta, que ajudava toda a malta

Começou com digressões ao lado de Camilo de Oliveira… o que mais destaca desses tempos?

Recordo muita coisa boa. Gostei de toda a gente com quem trabalhei. O Camilo era uma pessoa exigente, mas tive a sorte de ele gostar de mim. Ele deu-me a mão, ajudou-me, e comecei a conhecer o país com ele. Tive a sorte de ele me ensinar os truques de representação, de pausas… Houve uma altura que acabou uma peça e eu ia ficar sem trabalho porque a peça seguinte onde ele ia entrar não havia lugar para mim, e ele fez questão de pedir ao autor para arranjar mais um personagem para mim. Ele não tinha um feitio fácil, mas era engraçado. Eu olhava para ele e fartava-me de rir com ele. Tinha aquele jeito próprio de falar, parecia que estava sempre a representar. Era extraordinário.

Outra pessoa que também foi importante para si foi o Nicolau Breyner, e quando o ator morreu fez questão de homenageá-lo no ‘Preço Certo’. Quais os principais momentos ou palavras que guarda dele?

O Nicolau foi o ator que, se calhar, me deu mais a mão. Quando fiz o ‘Nico d'Obra’, já tinha feito uma novela mas não tinha jeito nenhum para aquilo. Ele ajudou-me muito, foi a primeira vez que fiz comédia. Colocou-me sempre muito à vontade e ganhámos uma grande amizade. Ele era um grande amigo do meu pai, andou comigo ao colo e surgiu daí uma grande amizade e uma grande aprendizagem também. O Nicolau era aquela vedeta que não era vedeta e que dava a mão a toda a malta, que ajudava toda a malta. Tive a sorte de todas as pessoas com quem trabalhei gostarem de mim e foi bom. Mas o Nicolau é uma pessoa de quem tenho realmente muita saudade e foi pena ter ido tão cedo.

No ‘Preço Certo’ passo muito essa imagem do gajo porreiro e é verdade, eu ali não tenho capa nenhuma. Claro que não ando na rua a dizer ‘espetáculo’, mas aquilo sou eu e acho que o sucesso do programa também se deve um bocado a isso

Nestes anos todos de carreira, quem foi o artista que mais o tocou em particular e porquê?

Isso é um bocado difícil, mas se calhar o Henrique Santana, o filho do Vasco Santana. Era um homem que além de bom ator era, principalmente, um grande encenador e ensinava muito bem. Vim para o teatro, se calhar, na melhor altura. A malta da minha geração apanhou esses grandes que sabiam muito de teatro e eram muito exigentes. O mais marcante foi a aprendizagem que tive com ele, sendo um homem rígido, acho que a rigidez dele foi muito importante para eu perceber o que era o teatro e para continuar.

Apesar de ser famoso, não age como uma ‘vedeta’… A humildade e o ser verdadeiro é o ‘segredo’ para conquistar o carinho do público e continuar a ser um artista acarinhado?

Para já não tenho que expor a minha vida. Respeito as pessoas que a expõem, eu nunca o fiz. Acho que sim, que sou um gajo porreiro, gosto de ajudar as pessoas, de me dar com as pessoas. Um dia ou outro posso não estar tão bem disposto, sou um ser humano como outra pessoa qualquer. Às vezes pode haver uma pessoa ou outra que possa dizer que não fui tão simpático porque não a cumprimentei, peço desculpa porque se calhar não estava nos meus dias. Mas normalmente acho que isso tem muito a ver com, por exemplo, o ‘Preço Certo’: no programa passo muito essa imagem do gajo porreiro e é verdade, eu ali não tenho capa nenhuma. Claro que não ando na rua a dizer ‘espetáculo’, mas aquilo sou eu e acho que o sucesso do programa também se deve um bocado a isso. Aliás, aquilo é um concurso e não é preciso haver ali um personagem. Sem me gabar muito, acho que sou um gajo porreiro.

Temos de ter respeito por quem nos pôs onde estamos, no patamar que estamos. Não sei qual é o meu, mas sinto que estou num patamar simpático onde tenho que respeitar as pessoas que pagam o seu bilhete e que me veem na televisão

Mesmo sendo dos artistas mais populares em Portugal, como acabou de dizer, fez sempre por preservar a sua vida privada. Mas é inevitável sair à rua sem ser reconhecido?

Sim, e é bom sinal sermos reconhecidos e acarinhados. Isso é ótimo e acho que é o mais importante na nossa carreira. É sinal que o que fazemos as pessoas gostam e veem. Se fosse ao contrário, se calhar era uma frustração grande passarmos na rua e não sermos conhecidos, como acontece com alguns colegas meus. E outros que dizem que lhes trocam o nome. A mim às vezes também me trocam o nome, mas é ótimo andar na rua. Agora, quando estou naqueles dias em que estou mais chateado, não saio à rua e fico em casa.

Qual a interação mais inusitada que já teve com um admirador?

Agora, ultimamente, pedem-me para dizer ‘espetáculo’, as selfies, e pedem-me para mandar um beijinho para a avó, a tia… Isso todos os dias me acontece. Nesta peça, gosto de acabar a peça e ir lá fora tirar fotografias com as pessoas. Sinto que muitas delas estão ali à minha espera e isso é importante também. Temos o exemplo de uma pessoa de quem gosto muito neste país que é o Tony Carreira, mas esse dá 75 mil autógrafos e eu dou só 127. Mas tiro-lhe o chapéu porque depois de fazer aqueles grandes espetáculos todos, ainda fica até tarde a dar autógrafos. E tem de ser assim porque temos de ter respeito por quem nos pôs onde estamos, no patamar que estamos. Não sei qual é o meu, mas sinto que estou num patamar simpático onde tenho que respeitar as pessoas que pagam o seu bilhete e que me veem na televisão.

Já a caminhar para os 20 anos à frente do ‘Preço Certo’, ainda não se considera um apresentador?

Não, não... Eu moldei aquilo à minha maneira quando me convidaram para apresentar um programa - eu até fingi que não estava cá porque achava que não tinha nada a ver comigo. Mas depois percebi que tendo aquela plateia ali, tinha também o público que eu estava habituado a ter no teatro. Os primeiros dias também foram um desastre, senti logo. Eles diziam que tinha corrido bem, mas não correu nada bem porque para seres apresentador tens de ter alguma bagagem a todos os níveis e eu não tinha, só do teatro. Hoje já faço aquilo com uma perna às costas, mas os primeiros foram um bocado dramáticos porque eu só queria que passassem os 50 minutos. Por isso é que não me considero um apresentador. Estou a apresentar um programa, mas continuo a não pensar nem a querer ser um apresentador. E há grandes apresentadores hoje em dia. Mas isto tudo mudou.

Quando diz que tudo mudou, quais são as principais diferenças que destaca?

Porque apareceram muitas televisões. Naquele tempo, quando me estreei [em televisão], só havia a RTP1, depois é que veio a SIC, a TVI… Hoje há mais mercado de trabalho, é muito mais fácil entrar (como nas novelas), e ainda bem. E muitas das pessoas que entram, se calhar, não tiveram o percurso dificílimo que eu tive para, passado uns anos, poder fazer uma coisa ou outra com mais impacto. O que mudou foi a chegada das televisões, e ainda bem, e agora vem a Internet e as Netflixs… Acho bem porque dá trabalho. No que toca à música também apareceram muitos artistas populares. Ligamos as televisões ao fim de semana e vê-se muita malta a cantar…

Aliás, o ‘Preço Certo’ também tem apostado agora em pequenas atuações de artistas portugueses…

Exato! Pensamos em mudar um bocadinho e acho que além de ser bom para nós, é bom para os artistas que lá vão porque acabam por depois ter mais espetáculos, não só com a ida ao ‘Preço Certo’ como também às outras televisões.

Já fui convidado para levar o ‘Preço Certo’ e ir para outro canal. Acho que não era bonito deixar a RTP com o mesmo programa para outro canal. E depois não era bonito ter um público fiel há tantos anos e ir para outro canal…

O ‘Preço Certo’ é uma família?

Sim, temos um grupo extraordinário. É engraçado que há profissões que ao fim de alguns anos há pessoas que se chateiam por isto ou por aquilo, o que é natural. Mas ali nunca tivemos uma chatice, um problema. Somos amigos e fazemos questão de estar o máximo de tempo possível juntos, de jantarmos… Como família é importante esse convívio para além do trabalho.

Houve alguma história mais emocionante que tenha ouvido no programa? Algum concorrente em especial que o tenha emocionado de tal forma que o quis ajudar ou que foi para casa triste por ele não ter vencido a montra?

Sim, acontece muitas vezes isso. Muitas pessoas com dificuldades na vida. Aparecem ali muitas, infelizmente. Eu ajudo algumas pessoas, mas não gosto de dizer quem nem o porquê. Não me lembro especificamente de um caso, mas às vezes a lágrima no olho delas e as minhas [lágrimas] já aconteceu várias vezes. Penso que o nosso país está ali representado. E ali vai desde o senhor doutor ao senhor padre, àquele senhor que tem tantos problemas de saúde, desempregado… Já me comovi várias vezes. E depois há aqueles dias que custam que é quando perdes alguém de família, algum amigo ou colega, e temos de estar a trabalhar nesses dias. Esses são, se calhar, os mais difíceis para nós, mais complicados de gerir.

Especialmente quando está num direto e tem que estar com um sorriso no rosto quando por dentro está ‘desfeito’… Como é que se consegue ter essa força?

Tem de se conseguir… Mas naquele programa como sou muito eu, acho que se estiver nesses dias mais tristes porque aconteceu uma desgraça dessas, as pessoas compreenderam e, se calhar, estarão também a sofrer comigo. Acho que neste programa até nesse aspeto é real.

Acaba por sentir um maior apoio?

Sim, sim…

Ao início tive medo de que ao perder peso essa alegria [ficasse ‘esquecida’]

A RTP já é uma sua segunda casa. Já se imaginou noutro tipo de formato?

Não, agora não. Nunca pensei que isto durasse tanto tempo. Sempre fiz comédias, mas o que eu estou a gostar mais de fazer é isto. E quando isto acabar  – que um dia tem de acabar – se calhar pararei de fazer televisão e fico só a fazer teatro. E depois logo vejo o que farei. Portanto, não tenho nada em mente.

Já se falou muitas vezes sobre os convites que tem recebido para ir para outras estações televisivas, propostas que nunca foram aceites. Mas em algum momento ponderou ou pensou duas vezes?

Já fui a várias reuniões - porque acho que se somos convidados devemos ir falar com as pessoas -, mas acho que não era bonito da minha parte. Para já porque gosto de fazer o programa. Mas também já fui convidado para levar o ‘Preço Certo’ e ir para outro canal. Acho que não era bonito deixar a RTP com o mesmo programa, com um público fiel há tantos anos, para outro canal.

É conhecido pela grande boa disposição e sentido de humor. Mas o que é que o tira do sério?

As injustiças, talvez… Há muitas injustiças neste mundo e isso tira-me um bocado do sério, mas é o mundo onde vivemos. Sinto que este mundo caminha para pior e não para melhor, pelas notícias que vemos, as guerras, as invejas…

A perda de peso é outro dos assuntos que tem sido destacado muitas vezes nestes últimos meses. Hoje sente-se com mais vida?

Sim. E ao início tive medo de ao perder peso essa alegria [ficasse ‘esquecida’]. Ainda por cima esta peça fiz a pensar num gajo gordo que não se consegue baixar ou tomar banho. E, de repente, comecei a pensar que estava a fazer uma personagem já com menos 40kg e qual seria a graça disso. Mas não, acho que a peça se encaixa. Mas tive algum receio de perder o emprego, perder a graça, o carinho das pessoas. Mas não, pelo contrário. As pessoas até apoiaram e disseram: ainda bem que fez isso que nós queremos vê-lo aqui por muitos mais anos.

Mesmo comendo menos, a mesa é o sítio onde eu gosto mais de estar na vida

Vai continuar empenhado a perder mais uns quilinhos ou vai fazer por manter este peso que tem atualmente?

Acho que fico por aqui. Também não quero perder mais… Gosto de ter uma barriguinha, mas não como tanto como antigamente.

Também faz exercício físico…

Sim, mas odeio. Faço porque tenho de fazer. A pior coisa é ter de ir para o ginásio [risos].

Aos 56 anos, a quem mais tem a agradecer?

A nível profissional, ao público. A nível pessoal, aos meus filhos. Tenho a sorte de ter uns filhos extraordinários que nunca deram problemas nenhuns, antes pelo contrário. E os netos…

O que espera dos próximos 10 anos?

Nunca pensei no dia de amanhã porque sempre tive trabalho, felizmente. Portanto, continuar assim como sou, a trabalhar com quem quero trabalhar e fazer as peças que gostaria de fazer. Sei que tenho um público fiel e quero dar mais ainda de mim como ator e pessoa.

Que planos tem para 2020?

Continuar a fazer ginásio, pouco… Fazer esta peça, o ‘Preço Certo’, e estar com os meus amigos, filhos, netos… Estar com os amigos a conviver à mesa que, mesmo comendo menos, a mesa é o sítio onde eu gosto mais de estar na vida.

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