A paixão vem desde criança. «O meu gosto pela vela começou no dia em que o meu pai adquiriu uma prancha de windsurf, por volta de 1980. Tinha cerca de 9 anos e não descansei enquanto não consegui velejar pelos meus próprios meios», confessa o velejador João Rodrigues, o porta-estandarte da comitiva nacional dos Jogos Olímpicos de 2016. Sem que o soubesse, era também o princípio do fim de um ciclo.
«Até esse momento mágico, era o meu irmão mais velho que, pacientemente, levantava a enorme vela, na altura não havia equipamento para crianças, para depois me pendurar na retranca, que ficava muito acima da minha cabeça. Mas, no dia em que senti que o vento e a minha vontade de ir mais longe me guiavam, tinha encontrado a minha paixão. E a minha infância, tal como normalmente a concebemos, acabou aí mesmo», assume.
Trabalhar para a perfeição
No início da carreira, João Rodrigues ainda conciliou o curso de engenharia com a vela mas o mar conquistou definitivamente a sua vida. «Movia-me a vontade de uma vida com significado, onde despertasse cada dia entusiasmado por fazer algo que adorava, na busca da perfeição. Fui moldando a vida em torno de um projeto essencialmente desportivo, com o propósito de velejar o melhor possível», refere João Rodrigues.
«Pelo meio, surgiram as competições, palco por excelência para testar a minha evolução. Vivo este sonho há 35 anos e as minhas escolhas traduziram-se numa vida plena de significado. Sempre cuidei da minha alimentação, vivo de forma regrada, com épocas de total concentração e reclusão para atingir a plenitude. No meio do oceano, rodeado por mar, nuvens e criaturas aquáticas, jamais me senti só», desabafa.
A primeira vez nos Jogos Olímpicos
A recompensa desta aposta começou com a primeira participação olímpica do velejador nos jogos de Barcelona, em Espanha, em 1992. «Tinha 20 anos e o contacto com o espírito olímpico foi muito marcante. Aliás, o momento em que me apercebi da grandeza dos Jogos Olímpicos foi na cerimónia de abertura. Ao meu lado, um atleta irlandês chorava compulsivamente», recorda.
«Mas não eram lágrimas de tristeza ou alegria. Era algo mais profundo. Nesse momento, apercebi-me que estar ali significava muito mais do que podia imaginar. Foi esse pensamento que me guiou para um dos períodos desportivos mais produtivos da minha vida, que culminou com a participação nos Jogos Olímpicos de Atlanta, em 1996», acrescenta João Rodrigues.
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O ter de escolher a paixão
À medida que o tempo foi passando, surgiram também algumas desventuras. «No percurso de um atleta, temos de contar com fases menos boas e ponderar o melhor momento para (não) desistir. Em 2004, por exemplo, depois dos jogos de Atenas, edição em que consegui o melhor resultado de sempre, o sexto lugar da classe Mistral, já com 32 anos, achava que era tempo de me dedicar a uma atividade que me desse mais tranquilidade no futuro», confidencia João Rodrigues.
O desporto de alta competição está associado a um elevado rendimento e depende de uma boa condição física e emocional. «Basta uma lesão ou uma quebra no rendimento e o projeto desportivo termina. No caso da engenharia, o cenário era distinto. Ali estava uma atividade profissional que poderia desempenhar por muitos mais anos. Assim, tomei a opção mais segura», acredita.
Uma nova reviravolta estava, contudo, para vir. «Um ano e meio depois, fiz a asneira de comprar a prancha que tinha sido escolhida para os Jogos de Pequim», desabafa o velejador. «Afinal, a fogueira que tinha cá dentro continuava viva e regressei à vela olímpica», acrescenta ainda João Rodrigues.
A necessidade de ser exemplo
A forma de estar no desporto, essa, não foi mudando com o devir do tempo. «Os valores base do espírito olímpico são um excelente mote para a vida. O presidente do Comité Olímpico de Portugal, José Manuel Constantino, assim o descreveu. Valorizar o desporto é um compromisso de toda a família olímpica para com a sociedade, na promoção dos valores educativos, culturais e sociais que dão forma a este inestimável fenómeno que nos anima e apaixona», diz.
«Faço votos para que o fruto do trabalho de todos os atletas olímpicos nacionais se traduza num Portugal mais ativo, com maior e melhor cultura desportiva. Gostava que as nossas prestações no Rio de Janeiro motivassem alguém a pegar na prancha e ir para o mar, a calçar as sapatilhas e percorrer montes e vales, a montar a bicicleta e conquistar quilómetros, a pôr os óculos e atirar-se à água, a agarrar o remo, a bola, o taco, o arco ou a vara, a descobrir a sua paixão», defende João Rodrigues.
A partilha das vitórias
O velejador português é exigente. «Uma das minhas formas de motivação é procurar a perfeição. Continuo a seguir esse ideal, mas já tive a felicidade de sentir o que significa velejar na perfeição. Essa foi, talvez, a minha maior conquista e o que manteve a chama acesa. É por isso que não guardo essas vitórias só para mim», confidencia.
«Sinto a necessidade de as partilhar, principalmente, porque dei conta de que estava, de facto, a viver um sonho e que esse merecia ser sentido em comunhão», admite. Certa vez, leu um slogan que dizia «Aspire today, inspire tomorrow!», algo que pode ser traduzido «Ambicionar hoje para inspirar amanhã!».
«Talvez tenha sido também essa a vontade que me moveu», confessa João Rodrigues. «Quem sabe, por mais remota que seja a hipótese, outros podem inspirar-se na paixão e alegria, de velejar», acredita o desportista. «Afinal, é uma sensação boa demais para ser exclusivamente minha», afiança o velejador.
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A honra e o peso da responsabilidade
João Rodrigues foi o escolhido para porta-estandarte da comitiva portuguesa nos Jogos Olímpicos de 2016 no Brasil. «Fiquei muito sensibilizado», confessa. «Quando o chefe de missão, José Garcia, me deu conta da sua decisão, foi um momento emocionante. É uma honra e um privilégio! Representou também um momento significativo para a Região Autónoma da Madeira, já que foi a primeira vez que um madeirense teve essa incumbência», sublinha.
Até porque o porta-estandarte representa toda a missão, principalmente em três momentos-chave. «O primeiro ocorreu quando, com o chefe de missão, entregámos a bandeira nacional ao primeiro-ministro, que a entregou ao comandante do navio-escola Sagres, que a levou por mar e à vela até ao Rio de Janeiro», prossegue.
«Um segundo momento, já em Terras de Vera Cruz, aconteceu novamente a bordo desse navio, quando recebemos do comandante do navio a bandeira de Portugal», enumera o desportista. «E um último foi na cerimónia de abertura no Estádio do Maracanã», descreve ainda João Rodrigues que, antes de partir, tinha a ambição de ficar no top 10 da sua modalidade desportiva.
O desabafo antes da partida
Uma ambição real e efetiva. «As Olimpíadas, pela primeira vez, tiveram lugar num país que fala a nossa língua, com o qual temos ligações afetivas e culturais fortes e, para mim, será o fechar de um ciclo», disse, na altura. «Quando iniciei esta campanha, sabia que era difícil e qualificar-me seria uma vitória. Mas, desde que obtive a qualificação, a minha velocidade voltou e fiz campeonatos dentro do top ten mundial», recorda.
«Sinto que posso ficar nos dez primeiros, ainda que uma medalha seja irrealista. O sonho é fazer regatas bonitas e tomar opções táticas inteligentes. Nesta derradeira participação, sinto-me um atleta de corpo e alma», confidenciou à revista Prevenir antes de embarcar para o Brasil. Dos cerca de 90 atletas portugueses que participaram nas Olimpíadas do Rio de Janeiro entre 5 e 21 de agosto de 2016, cinco desses elementos fizeram parte do contingente da vela.
A vela é uma modalidade em crescimento
João Rodrigues integrou o grupo restrito e competiu na classe RS:X. «Passaram 24 anos desde que participei nas primeiras olimpíadas e muito mudou. O desporto profissionalizou-se e as suas estruturas integram as mais diversas valências, desde o desenvolvimento e pesquisa dos equipamentos, passando por metodologias de treino cada vez mais aperfeiçoadas e personalizadas a cada atleta», afirma.
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As rotinas que um atleta olímpico não pode descurar
As mudanças não se ficaram, todavia, por aqui. Também se estendem «até ao estudo aprofundado dos campos de regata, nomeadamente em termos de correntes, ventos e respetivas tendências. Mas a essência da vela continua igual», acredita. «Um ou mais homens, uma embarcação, mar, vento e a delícia de lidar com esta simbiose homem/natureza, usando uma prancha (ou barco) à vela», acrescenta ainda o velejador.
As rotinas de um atleta olímpico são algo que não descura. «Desde dezembro de 2015, a minha preparação ficou marcada pela realização de uma prova por mês, seguida de três semanas de treino. Realizámos também um estágio de três semanas no Rio de Janeiro, nas mesmas águas onde se disputaram as regatas olímpicas, incluindo a realização de uma prova não oficial, que seguiu exatamente os trâmites dos Jogos Olímpicos», desabafa ainda.
Texto: Carlos Eugénio Augusto com Luis Batista Gonçalves (edição online) e World Sailing (fotografia)
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