Joana Latino é a jornalista de cabelo flamejante e voz particular que nos habituámos a ver nas reportagens da SIC. Queria ser jornalista desde sempre e foi na rádio que tudo começou. Nessa altura ganhou asas para se transformar numa profissional que muitos consideram irreverente, embora este não seja um título que esteja disposta a aceitar.

Não a vemos habitualmente em capas de revista, nem nas festas do social, mas comenta o mundo dos famosos no programa ‘Passadeira Vermelha’, um universo a que admite não pertencer mas sobre o qual tem muito para falar. Foi escolhida por não fazer parte do meio e é precisamente isso que lhe permite dar opiniões sinceras sem se preocupar com o que as pessoas podem pensar.

A Joana tem tudo para ser uma cara que as pessoas reconhecem com facilidade, um cabelo peculiar, uma voz característica e o facto de praticar um jornalismo que muitos consideram irreverente.

Para já vamos começar pelo meu cabelo, não tenho culpa: é como é. A minha voz também não, sendo que eu não dou pela minha voz e ouço outra coisa diferente. Comecei a trabalhar na rádio e a perceber que as pessoas ligavam muito à minha voz. Quando estive na Antena 1 e Antena 3, chegava aos sítios e ao abrir a boca já me reconheciam. Isso não é minha responsabilidade. O tipo de jornalismo que faço tem muito a ver com a minha personalidade e o ambiente em que cresci profissionalmente.

Comecei precisamente na RDP com pessoas geniais como o Cena Santos, o David Borges e o Adelino Gomes, que, um bocadinho à semelhança dos meus pais, sempre me disseram que a Antena 1 tinha uma determinada característica. Nos anos 90 as coisas mudaram. Passou a ser uma direção de Esquerda e aí deram-me muita abertura: "Sê tu própria, voa". Nunca ganhei aquele filtro castrador que acho que a maioria das pessoas tem no início da profissão, foi sempre: “miúda solta a tua franga, vai à procura do teu estilo, faz como achas que tens de fazer. Se correr mal aprendes e se correr bem fantástico”.

Quando chego à televisão venho com essa liberdade toda que tem a ver com a minha personalidade também, podiam ter-me dito voa mas se eu não fosse miúda para andar de slide, bungee jumping e saltar de helicóptero, não fazia. Portanto, achava que isto era tudo normalíssimo, as pessoas diziam muito “tu és irreverente” sendo que isso para mim não era válido, achava que estava a ser a coisa mais natural. Claro que tinha noção de que havia umas diferenças, mas não tinha noção de que pudesse ser tão chocante. O meu trabalho às vezes choca. Apesar de a SIC ter fama de ser uma televisão irreverente, quando entro lá, de repente, faço tudo ao contrário e a adaptação complicada para mim foi essa, mas decidi continuar a experimentar este caminho, este mundo está cheio de gente igual. Se calhar também foi à conta do meu cabelo e da minha voz, se já isso tudo é diferente para quê estar a formatar-me para outra coisa qualquer? Não vale a pena. Sou gorducha, tenho um grande cabelão de uma cor flamejante e tenho um vozeirão, que nem sei muito bem definir. Acabei por aproveitar isso. Não concordo é com o título de irreverente, para mim isto é normal, eu sou assim e é assim que vivo a minha vida.

É fácil em Portugal conseguir praticar esse jornalismo "diferente"?

As pessoas acham que em determinados sítios têm de desempenhar determinados papéis. Um jornalista, se não tiver espírito crítico, não é um bom jornalista, eu exercito muito o meu espírito crítico. Por que razão não posso andar sempre de t-shirts malucas, ter um piercing no nariz e 17 aqui nesta orelha? Só porque sou jornalista? Mas onde é que está escrito qu perco a credibilidade por causa disso? Tenho de trabalhar para ter essa credibilidade, não é aparecer com um ar credível que me vai dar essa credibilidade. Se faz com que seja mais difícil não sei, sei que é mais fácil ter notoriedade, mas não foi com esse objetivo que eu o fiz. Se há coisa que as pessoas podem dizer sobre mim é que a minha forma pode ser coerida mas o meu conteúdo é irrepreensível.

Não vai a eventos e festas, mas ainda assim podemos ver a Joana todos os dias no lugar de comentadora do programa 'Passadeira Vermelha', da SIC Caras. Como é que a sua opinião se torna importante num programa de social?

Quando o Daniel Oliveira me convidou para fazer parte do painel de comentadores do ‘Passadeira’, fiquei incrédula e o meu espanto foi precisamente esse, eu não pertenço a esse mundo, não percebo nada disso, não sei quem são as pessoas, sou extraterrestre ou então penso que essa gente é toda extraterrestre. O que me foi dito foi: “É exatamente isso que queremos, é alguém que não ande nos mesmos sítios do que essas pessoas, não as conheça pessoalmente e não fique condicionado por isso”, é esse o sentido de uma pessoa como eu num programa daqueles.

No jornalismo não é fácil aceitar a minha pessoa porque eu não jogo as tais regras que não estão escritas em lado nenhum

Foi fácil para as pessoas do social ver alguém que não é do meio a comentar os assuntos do mundo dos famosos?

Não e continua a não ser, é a história da minha vida. No jornalismo não é fácil aceitar a minha pessoa porque eu não jogo as tais regras que não estão escritas em lado nenhum, mas que se convencionou que era assim, no social é exatamente a mesma coisa. Mas quem é esta? O que é que ela está aqui a fazer? Porque “ela é de outro sítio” e convencionou-se que para falar do social temos de pertencer à classe que anda nas antestreias todas, nas festas todas, nas apresentações das lojas todas e nos jogos todos de futebol na tribuna VIP. De facto não estou nesse mundo. Não estou, primeiro, porque não tenho paciência para isso, tenho coisas mais interessantes na minha vida para fazer, e, depois, porque tenho tanto trabalho que não tenho mesmo tempo.

É-me relativamente indiferente que se uma grande maioria de pessoas gosta do meu trabalho isso venha com uma mais pequena maioria que não gosta

Num programa onde se comenta o mundo dos famosos as opiniões são sempre muito diferentes e as da Joana muitas vezes são controversas.

Globalmente quem se interessa pelo social só diz: “Fulano tal e fulana tal são fofinhos, fulano tal e fulana tal são execráveis” e todos comentamos no mesmo sentido. Como eu não estou no meio e não sei quem é que é fofinho ou execrável comento com base na minha perceção das pessoas, com base naquilo que elas me transmitem. Convenhamos que quando alguém está sempre nas festas todas, nos sítios todos, a prestar declarações a todos os programas e televisões do social sobre tudo e mais alguma coisa, essas pessoas estão a mostrar o que querem mostrar, evidentemente, e depois ficam muito ofendidas se eu disser que com base no que elas querem mostrar acho que são uma grandessíssimas idiotas ou alguém muito fofinho.

Em Portugal, as pessoas não sabem jogar o jogo, a mim é-me relativamente indiferente que se uma grande maioria de pessoas gosta do meu trabalho isso venha com uma mais pequena maioria que não gosta. O que é facto é que no jornalismo o meu trabalho está associado a boas audiências, portanto as pessoas que me adoram e as que odeiam fazem parte do pacote. Não fico presa às pessoas que odeiam, fico presa às que gostam, das que me odeiam quando muito leio ou ouço transversalmente o que me dizem porque lá no meio até pode estar algo bastante válido que eu esteja a fazer mal.

Uma das apreciações mais polémicas que fez aconteceu quando comparou a Cristina Ferreira com brócolos. Foi fácil dar uma opinião como esta sobre uma pessoa que neste momento é tão popular no meio social em Portugal?

É facílimo. A Cristina Ferreira é talvez o melhor produto de marketing português. Se é para mim? Não é. Eu acho-a ótima, mas não a vou consumir. Os brócolos eu sei que são um super-vegetal, que se calhar até como de vez em quando. Detesto aquilo, mas sei que me faz bem. A Cristina é um super-produto de marketing, mas eu não preciso de me expor a ela em doses medicinais porque ela não me vai fazer bem como os brócolos. Ela não é para mim e qual é o problema?

Eu gosto da Cristina Ferreira, mas não é produto que consuma. Aquilo não é feito para mim

Então continua a gostar mais de brócolos do que da Cristina Ferreira?

Eu gosto da Cristina Ferreira, mas não é produto que consuma. Aquilo não é feito para mim. Se formos a ver a Cristina tem uma estratégia de marketing muito bem-feita e eu seguramente não faço parte do target que ela quer atingir. As pessoas dizem assim: “Mas como é que tu te atreves a dizer mal das santidades”. Mas por que não? Qual é o problema? Eu faço isso no jornalismo por que razão não havia de fazer isso como comentadora se foi por eu ser quem eu sou no jornalismo que me convidaram para ir para lá . Mas quem sou eu para me darem tanta importância quando eu opino sobre a Cristina Ferreira ou quem quer que seja.

Não tenho as costas largas, nem as costas quentes, não levo é nada disto é muito a sério

Nos dias de hoje, através das redes sociais temos logo a percepção sobre se as pessoas gostam ou ficam indignadas com os comentários que são feitos em televisão. Neste caso isso também aconteceu?

Neste caso, as redes sociais não são representativas, quem ficou muito perturbado por eu dizer que não consumia a Cristina Ferreira foram os fãs da Cristina. Natural, estão a defender a sua dama, as pessoas da TVI e o resto das outras pessoas são as que não têm coragem para dizer também “não tenho paciência para aquele produto” e que me inundam de mensagens privadas mas que nunca na vida os tem no sítio para dizer: “Também não gramo aquele produto”. Eu não tenho as costas largas, nem as costas quentes, eu não levo é nada disto é muito a sério.

Acho de uma hipocrisia e de um cinismo atroz as pessoas que acham um programa como o ‘Passadeira Vermelha’ irrelevante

Programas como o 'Passadeira Vermelha', que comentam o social e notícias relacionadas com a vida dos famosos, fazem sentido?

Obviamente. O que é que as pessoas fazem sentadas no café com os vizinhos? Isto é transversal, nós somos todos assim e portanto acho de uma hipocrisia e de um cinismo atroz as pessoas que acham um programa como o ‘Passadeira’ irrelevante, porque é o que elas fazem. É o mesmo que um jornalista dizer - e há tantos e só me apetece esbofeteá-los verbalmente - que não têm televisão e não veem televisão. Ora, um jornalista que não tem televisão e não vê televisão é como se cortasse a própria perna, porque tem de saber o que é que se passa. Eu ando de metro, ando de autocarro, vou a centros comerciais, vou a fast food e vou às tascas assim como vou a restaurantes XPTO.

É com essa proximidade que as pessoas se identificam?

Normalmente, o primeiro impacto profissionalmente é: “Tu és tão simples, grande maluca, super irreverente, um bocado inconveniente, bem esta mulher não tem filtro, não fecha a tampa toda, bem o que ela foi dizer”. Depois, se se dão ao trabalho de interagir comigo através das redes sociais, ou pessoas que se cruzam comigo na rua dizem “não gosto daquilo que disse”, eu explico por que motivo disse, ouço-as e no fim o que as pessoas costumam dizer é: “você é tão normal”. Somos todos não?

Não me casei no Rock in Rio para dar nas vistas

Casar num festival de música foi um dos momentos mais mediáticos da sua vida. Voltava a dar o nó no 'Rock in Rio'?

Claro que voltava a casar e o meu marido também. Eu não me casei no Rock in Rio para dar nas vistas, casei porque estava a fazer reportagem no Brasil vi lá um casamento achei que aquilo era a minha cara e a do meu marido, liguei-lhe eram três da manhã em Portugal e ele disse “sim, sim”. Eu não publicitei aquilo, só os meus amigos é que sabiam, só que dois dias antes eu estava a casar pelo civil em minha casa e liga-me uma pessoa que trabalha numa dessas coisas do social e eu disse: “Desculpa agora não posso falar porque estou a casar, isto é um instantinho vou só assinar o papel porque depois o casamento a sério é no Rock in Rio”, e a pessoa meteu isso online. Não me lembrei que estava a falar com um profissional da comunicação e eu também não me importei nada, não porque quisesse que o meu casamento fosse publicitado mas porque acho que jornalisticamente se soubesse que alguém ia casar no Rock in Rio também ia atrás.

Além do jornalismo e dos comentários no 'Passadeira Vermelha' agora há um novo projecto na sua vida e para surpresa do público é possível ver a Joana a cantar. Como é que surge o 'Cenas de Latino'?

Os meus pais eram músicos e queriam imenso, sobretudo o meu pai, que eu tivesse seguido essa carreira, achavam que eu tinha imenso jeito, imenso talento, e eu sempre andei convencida de que diziam isso por serem meus pais. Nunca quis, desde que me lembro que queria ser jornalista, estudei tudo e mais alguma coisa no conservatório, piano, flauta, guitarra, canto mas deixei isso para trás porque o jornalismo consome muito. Até que o João Graça que é o guitarrista que está comigo no ‘Cenas de Latino’ e que faz os arranjos - fazemos os dois mas ele é músico profissional - me convidou para este projeto. Às vezes trocávamos mensagens de voz pelo WhatsApp e Facebook e eu na brincadeira mandava-lhe mensagens cantadas por ele ser músico, isto durante anos até que ele um dia me diz: “Olha lá tu és sempre afinadinha, devias ver as pessoas com quem eu às vezes trabalho que são profissionais e não tem tanta capacidade”.

Depois experimentámos uma coisa que nem sequer foi para o ar. Depois de meter o primeiro (vídeo) eu pensei: “Vou por isto, é uma brincadeira e ninguém vai achar piada nenhuma”, mas tem afinal imensos fãs e há pessoas que me abordam na rua. É o mesmo número de pessoas que me continua a abordar, sempre imensa gente, primeiro só por causa do jornalismo, depois também pelo ‘Passadeira’ e agora também pelo ‘Cenas de Latino’.