Está a celebrar 50 anos de carreira. Ainda se recorda da sua estreia?
Sim. Tinha 20 anos e fiz a estreia no Teatro da Trindade com a peça "Leonor Telles", ainda como estagiário da Companhia de Teatro Portuguesa. Depois foi uma carreira em crescendo, com altos e baixos como todos nós, mas é um facto que tive mais altos que baixos.
Considera-se um actor mais talhado para papéis de humor ou para os dramas?
Fiz sempre as duas coisas e, honestamente, não tenho qualquer problema em fazer humor ou drama, desde que sejam papéis bons.
O Nicolau participou em inúmeros programas televisivos. Algum o marcou?
Não sei. Foram tantos... Mas creio que o "Eu Show Nico" foi um dos que mais contribuiu para o lançamento da minha carreira, até porque se tratou do primeiro programa de humor na televisão portuguesa. Até aí só tinha havido o "Zip, Zip", mas não era bem a mesma coisa.
Ao longo da sua carreira também fez papéis de mulher. Gosta?
É horrível. Fiz imensos, mas detesto, porque tem de se pôr "collants", tem de se pintar a cara, usar saltos, cabeleiras e mais uma data de coisas. Eu detesto vestir-me e despir-me muitas vezes e fazer papéis de mulher implica uma mão-de-obra muito grande. Não gosto.
Que espera dos espectáculos que vai dar no Casino de Lisboa?
Espero que as pessoas se divirtam, que as pessoas saiam bem dispostas. Trata-se, como disse, de um "stand-up" puro e duro. É o meu olhar sobre a sociedade, sobre as crianças, sobre os idosos, sobre a tecnologia e sobre a política, de uma maneira divertida.
O seu "stand-up" no Casino termina precisamente a 25 de Abril, uma data politicamente importante. Acha que os ideais da revolução ainda são actuais?
Os ideais de Abril serviram para muita coisa. Mas nós também nos servimos muito mal deles. A prova está que temos falhado em alguns aspectos fundamentais. O ideal de Abril é muito lindo, idealista, próximo daquilo que todos nós queríamos, mas que ao longo do tempo foi sempre muito deturpado e mal usado. Faz parte do ser humano, porque o homem estraga tudo aquilo de bom em que toca. Tenho muito pouca fé na raça humana. Matam-se, fazem guerras, fazem disparates. O homem não me convence.
Já fez de quase tudo na sua carreira. Ainda há coisas que quer fazer?
Quero fazer mais televisão e mais cinema. Sobretudo, batalhar por uma indústria do cinema que não há. Quero ver menos pobreza, uma humanidade melhor, uma sociedade onde a justiça não tenha preço, ao contrário do que acontece em Portugal, onde a justiça, por sinal, é bem cara, logo, injusta. São utopias, eu sei, mas deixem-me sonhar.
Falta o quê para existir uma indústria cinematográfica em Portugal?
Falta coragem, não só em termos governamentais para alterar as leis de substituição, de alargar os apoios ao cinema no seu todo e não apenas a situações específicas, de não penalizar, como acontece nos outros países, a indústria cinematográfica com impostos e outros encargos e, sobretudo, haver a coragem de fazer filmes bilingues (português/inglês) que possam ser exportados, sem falsos ataques de patriotismo.
Temos bons actores?
Claro. Os portugueses são óptimos. É só uma questão de os tirarem daqui e dar-lhes a oportunidade de trabalhar em países onde a indústria cinematográfica funciona. Nós é que não os aproveitamos. No caso das telenovelas havia o estigma de que não poderíamos enfrentar os brasileiros. Eu sempre disse que era possível e chamaram-me maluco. As audiências aí estão a dar-me razão. Não sou eu que o digo. São os portugueses.
Nicolau Breyner
Este artigo tem mais de 14 anos
Nicolau Breyner: "Tenho
pouca fé na raça humana" Nicolau Breyner, 69 anos, nascido em Serpa. É um dos mais bem sucedidos actores, produtores e realizadores portugueses e comemora esta semana (de 20 a 25 de Abril) os seus 50 anos de carreira com um espectáculo intimista no Auditório dos Oceanos do Casino de Lisboa. Em entrevista a SapoFama, "Nico" confessa-se desiludido com "a raça humana", lança farpas aos governantes e elogia os artistas portugueses.
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