Vera de Melo. Deverá conhecê-la da televisão. Estreou-se no pequeno ecrã no 'Programa da Cristina', ainda na SIC, mudando-se para a TVI aquando da mudança da apresentadora. É comentadora da rubrica 'Crónica Criminal', do programa 'Dois às 10', mas a sua grande paixão é a psicologia. Vera assume-se uma psicóloga prática, que espera ver resultados das suas intervenções terapêuticas. A mudança do paciente é sempre o grande objetivo.

Porque é que seguiu a profissão de psicóloga?

Quando a psicologia surgiu foi pela ideia de tentar ajudar as pessoas, mas um ajudar altruísta, com o objetivo de provocar mudança. Para ver alguém que me procura e que vem num estado mau a sair depois num estado bom. Sou uma psicóloga que gosta de resultados efetivos.

A psicologia não é uma conversa de café, ir a um padre ou estar com os amigos

Mas sempre foi assim, objetiva?

Os meus pais têm um negócio e eu cresço a achar que as coisas vêm do trabalho, do esforço e que depois se materializam num resultado. A minha visão da psicologia é também essa. As pessoas pagam-me um determinado serviço e esperam de mim um resultado. Estamos ali com um propósito. A psicologia não é uma conversa de café, ir a um padre ou estar com os amigos.

Mas muitos ainda pensam que um psicólogo é apenas um bom ouvinte.

É fundamental ser um bom ouvinte, se quiser falar mais do que ouvir, não está a praticar uma dimensão básica que é a empatia, a capacidade de se colocar no lugar do outro. Mas não é suposto que seja só ouvir. Existem muitos mitos acerca da psicologia. Mas mais do que ouvir é suposto elaborar, devolver ao outro para que ele reflita sobre aquilo que acabou de dizer.

Vivíamos num concurso de quem fazia o melhor pão, os melhores bolos, quem lidava melhor com tudo isto, quem conseguia adaptar-se melhor ao teletrabalho e às crianças

E é fácil surgir essa mudança?

Nós não mudamos assim tão facilmente. Só mudamos por uma de duas coisas: ou porque ganhamos alguma coisa com isso ou porque se não mudarmos perdemos. Não é logo automaticamente que eu quero mudar, é preciso haver um grande estímulo. A relação terapêutica que se estabelece entre o psicólogo e o paciente ajuda a tudo isso. Ajuda porque as pessoas confiam no seu terapeuta.

A pandemia levou as pessoas a fazer uma maior introspeção. Considera que houve mudanças ou continua tudo na mesma?

Não consigo fazer essa generalização, mas acho que para muita gente não mudou rigorosamente nada. Vivíamos num concurso de quem fazia o melhor pão, os melhores bolos, quem lidava melhor com tudo isto, quem conseguia adaptar-se melhor ao teletrabalho e às crianças. Estivemos todos em concursos de produtividade e não muito preocupados em refletir, até porque refletir dói, implica uma mudança.

O trabalho da Vera enquanto psicóloga aumentou durante a pandemia?

Não, não tive mais trabalho, continua igual. Posso dizer que a minha vida não mudou muito. Nunca houve faltas, mas sentia que havia uma maior ânsia por aquele momento, por aquela hora que era delas. Para alguns pacientes passou a ser o único momento em que saíam de casa, porque estavam em teletrabalho.

Nós achamos muitas coisas sobre as pessoas. Ligamos os 'achómetros' e achamos muita coisa, mas depois verbalizamos pouco

Interessante o que está a dizer. Considera que há pessoas que encontram num psicólogo aquilo que não encontram em casa, no sentido de atenção e empatia? Acha que se tivessem um maior apoio não necessitariam de ir ao psicólogo?

Não sei. Às vezes não encontram em casa porque não veem ou não querem ver. É muito difícil, por exemplo, alguém que vive com um ansioso conseguir ajudá-lo, porque é complicado para ele dizer o que está a sentir. É tudo tão intenso que para alguém que não é ansioso, não entende.

Nós achamos muitas coisas sobre as pessoas. Ligamos os 'achómetros' e achamos muita coisa, mas depois verbalizamos pouco. Como é que alguém nos pode compreender se não lhe dizemos como nos estamos a sentir? Obviamente que para mim é mais fácil porque a pessoa me diz e quando não o faz, faço a pergunta certa.

Fala-nos aqui de algo desvalorizado por muitos. A ansiedade é realmente um problema?

A ansiedade é um problema, mas não era suposto que assim fosse. Era suposto ser a nossa melhor amiga. A ansiedade só é patológica quando, de alguma forma, nos impede de fazer coisas. Por exemplo, em relação a esta situação concreta de hoje, é natural que estivesse um pouco ansiosa quanto ao que me ia perguntar. Completamente natural, porquê? Porque isso obriga-me a preparar aquilo que vou dizer, a ter cuidado para não falar como se fosse para um colega ou amigo.

Quando nos impede de fazer coisas vêm outros sintomas que são característicos, como o aumento do batimento cardíaco, a voz a falhar, o nó na garganta, a dor no peito, a garganta seca, todos esses sintomas que às vezes não conhecemos muito bem.

É muito difícil. Não digo que nunca chorei, não soluço, mas às vezes fica aquela lágrima ao canto do olho

Enquanto psicóloga é difícil ver um paciente a desmoronar-se durante uma consulta e mesmo assim manter a postura profissional?

É muito difícil. Não digo que nunca chorei, não soluço, mas às vezes fica aquela lágrima ao canto do olho. Há situações muito complicadas, muito graves e o psicólogo não é uma pedra. Sente, tem emoções e eu gosto de ser humana, porque senão parece que vou ter sempre a resposta perfeita. Mas assim como da tristeza, podemos falar da gargalhada da conquista.

Deve ser maravilhosa a sensação de que se está a mudar vidas.

Sim. Ainda no outro dia comecei a dar consultas às 8h e terminei às 21h. Não tive nem um bocadinho, foi só a mudança do hospital para o meu consultório. Chego ao final do dia e não estou cansada, porque é mágico. É esta paixão que coloco naquilo que faço que energiza os meus pacientes e a mim também. E isto acontece-me todos os dias, porque eu dou consultas de segunda a sábado.

A vinda para a televisão trouxe uma responsabilidade diferente ao trabalho da Vera?

Sim, é verdade. As pessoas perguntam se eu tenho mais pacientes desde que estou na televisão - não, não tenho. De facto, tenho é muito cuidado com aquilo que digo e penso muito, lá está, a questão da ansiedade. Já sei que me vão fazer perguntas para fazer um diagnóstico, mas o Cláudio Ramos também já sabe que a Vera não faz diagnósticos, temos de ver a pessoa.

Vimos durante muito tempo psicólogos a fazerem diagnósticos na televisão, eu não sei fazer isso. Aliás, duvido que alguém o consiga fazer. Podemos levantar hipóteses, juntar sintomas, mas nunca chegar a uma conclusão efetiva do que aquela pessoa tem. Em consulta já tinha uma responsabilidade, porque um erro em consulta simboliza um erro na vida daquela pessoa e é preciso perceber que não há segundas oportunidades, por isso é que as consultas se prepararam.

Há casos particularmente difíceis sobre os quais pensamos que já não há nada a fazer. Considera que existem 'casos perdidos'?

Não acredito nisso, deixaria de ser psicóloga se não acreditasse no potencial de mudança. Há situações em que a pessoa precisa mesmo de querer mudar e isso é difícil muitas das vezes e cabe ao psicólogo sensibilizá-lo para a importância da mudança.

Mesmo em relação a assassinos em série, por exemplo?

Aí há possibilidade de controlo dos impulsos.

Foi a afirmação mais polémica que eu algum dia fiz. Os meus colegas psicólogos foram todos debater-me

Disse numa entrevista que não acreditava que toda a gente precisava de ir ao psicólogo. Pode explicar porquê?

Foi a afirmação mais polémica que eu algum dia fiz. Os meus colegas psicólogos foram todos debater-me. A minha opinião sobre isso continua a ser a mesma e vou ser muito pragmática: eu não sou a psicóloga que as pessoas vão só lá conversar, dar colinho. Isso será um psicoterapia de apoio que não é o objetivo da minha intervenção.

Se a pessoa chega ao pé de mim e acho que ela tem os recursos para mudar, que dando algumas pistas ela consegue lá chegar sozinha, justifica-se ela continuar comigo? Justifica-se ir regularmente ao psicólogo se consegue sozinha?

Justifica-se do ponto de vista do lucro...

Só, mas eu não preciso disso. Obviamente que o dinheiro é importante para todos, mas eu não quero mais um paciente, eu quero o paciente que precisa efetivamente de mudar.

Na sua mudança para a TVI viu-se envolvida numa enorme polémica e chegou a confessar que isso a afetou.

Afetou-me porque não estava à espera que generalizassem.

Mas há essa tendência por parte das pessoas.

Há, mas eu tenho direito a fazer as minhas escolhas. Explicando: o convite vem de um elemento da equipa do programa ('O Programa da Cristina'). Eu vou, mas continuei porque era uma escolha da Cristina [Ferreira]. Era ela que validava quem fazia parte e o que eu gostava do programa era a dinâmica que se estabelecia ali com os meus colegas e com ela. Quando ela sai, a mim não me fazia sentido continuar, até porque os colegas viriam também. Fui lá pessoalmente dizer tudo, não foi um adeus assim.

Quando venho, o que acaba por acontecer é que as pessoas me chamaram de vários nomes e um dos nomes era precisamente 'lambe botas'Quando venho, o que acaba por acontecer é que as pessoas me chamaram de vários nomes e um dos nomes era precisamente 'lambe botas'. Colocaram muito em causa o meu profissionalismo no sentido em que tinha a mania, e se ter a mania é fazer aquilo que faço em televisão, então eu tenho a mania. Quero sempre fazer bem, não me calo, tenho a minha opinião e vou sempre dá-la.

Vi o que era factual e depois metade das coisas era porque estava muito gorda, parecia uma vaca, porque queria sempre falar

Mas deverá ter sido difícil lidar com as críticas...

No início foi muito difícil, até porque vim primeiro e vim sozinha, sozinha no sentido de que não tinha o apoio dos colegas que vieram só depois do verão. Todos os dias as pessoas diziam-me algo. Vi o que era factual e depois metade das coisas era porque estava muito gorda, parecia uma vaca, porque queria sempre falar... coisas que acrescentavam pouco e que não tinham nenhum fundo de verdade. Tinha de fazer uma escolha: ou continuava ou terminava com isto.

Depois houve uma polémica na altura porque diziam que eu vinha roubar o lugar da colega Suzana Garcia, o que não faz sentido, é uma completa estupidez, porque ela é advogada e eu sou psicóloga. Não respondi a maior parte das vezes, mas houve uma ou duas pessoas que continuaram a fazer críticas insistentemente e eu respondi-lhes. Perguntei-lhes por que continuavam a ver e a seguir-me se eu não tinha nada para acrescentar e as pessoas deixaram de o fazer. Neste momento é muito tranquilo.

Há sempre aquele conjunto que são os super-heróis de cuecas, porque estão em casa e não têm capa, não têm nada. Acham fantástico falar a partir de casa e de um computador e depois quando confrontados não aguentam.

Um idiota tem sempre um conjunto de seguidores fiéis que dizem sim a tudo

Um dos seus livros intitula-se 'Como Sobreviver a um Chefe Idiota'. Como é que se diagnostica um chefe idiota?

Rapidamente percebe pela forma como tratam os outros. Estão genuinamente preocupados consigo ou com eles? Estão preocupados com o resultado total da empresa ou com os seus próprios resultados? Promovem o seu desenvolvimento como pessoa? São substituíveis ou querem ser insubstituíveis? O verdadeiro líder quer ser substituído e lida bem com isso, porque significa que se ele não for um mês a máquina funciona.

Se começamos sem vontade para ir trabalhar, obrigamo-nos a adormecer e há um conjunto de resistências para ir, é uma de duas coisas: ou somos nós os idiotas ou é o chefe.

E para as pessoas que estão nesta situação o que é que se pode fazer, para além do despedimento?

Eu acredito em desistir, mas para o fazer temos de ter a certeza de que fizemos tudo o que estava ao nosso alcance para mudar. E não é mudar o chefe idiota, porque para alguém mudar precisa de querer. Eles estão certos de que são a última bolacha do pacote e as pessoas mais importantes de uma organização, portanto não vão querer fazê-lo.

Uma das dicas é não acreditar que ele vai mudar. Depois é focar-se no seu trabalho e fazer uma avaliação objetiva de quanto aquilo o perturba. Este chefe idiota é cada vez mais inovador nas estratégias que utiliza e vai estar sempre um passo à frente. Não nos podemos também esquecer que um chefe idiota está rodeado de colaboradores idiotas.

Nesse caso, como se lida com os colegas idiotas?

Um idiota tem sempre um conjunto de seguidores fiéis que dizem sim a tudo. Devem ser tratados como idiotas. Deve-se ter cuidados com o que se diz e a forma como se diz. Ora, se eu não posso confiar, vou estar sempre em 'hipervigilância' e a probabilidade de desenvolver uma perturbação de ansiedade vai ser elevadíssima.

E agora temos cada vez mais casos de chefes idiotas com o assédio sexual e moral. Temos muitos que são verdadeiros idiotas, que acham que estão na posse deste poder e que podem controlar o mundo. A verdadeira intenção dele é evoluir e satisfazer as próprias necessidades.

Não permito grandes intimidades. No local de trabalho, imaginando aqui na TVI, não tenho grandes amizades, as pessoas são meus colegas de trabalho, ponto

A Vera já passou por uma situação do género?

Posso-lhe dizer que não porque sou um bocado bruta. Não permito grandes intimidades. No local de trabalho, imaginando aqui na TVI, não tenho grandes amizades, as pessoas são meus colegas de trabalho, ponto. As pessoas não podem ter esses comportamentos e se têm comentários menos próprios, levam logo uma resposta. Fica ali logo clara a fronteira. A resposta nem sequer tem de ser agressiva, pode ser: 'Mas o que é que queres dizer com isso, não estou a perceber. Não estou a entender essa conversa, não há intimidade entre nós para dizeres isso'. Pelas minhas características de personalidade, o que eu sinto é que ainda que as pessoas tenham vontade sabem que como eu confronto podia dizer logo 'vocês nem vão acreditar, o colega acabou de me fazer isto agora'.

Para além disso acho que como as minhas necessidades a esse nível estão satisfeitas, tenho um casamento estável, sou preenchida e feliz a esse respeito, isso nota-se porque eu falo sobre isso. As pessoas percebem que eu tenho um suporte à volta e de que não iria acabar bem. Mas é preciso ter estrutura, porque uma resposta destas pode significar perder o emprego. Há pessoas que se calam, com receio.

Já quanto ao seu mais recente livro - 'Recomeçar'. É para nos ensinar a viver uma nova fase da nossa vida?

É um guia para nos adaptarmos a um mundo em mudança, que é este mundo pós-Covid 19. É para vários públicos-alvo. Para aqueles que querem refletir e provocar mudanças, as pessoas que querem ler rápido e só querem as receitas também estão lá no final de cada capítulo. É um livro muito democrático, com a uma linguagem prática, acessível e voltada para as pessoas.

Até porque viver, pura e simplesmente, dá muito trabalho.

Pois dá, por isso é que as pessoas acabam por sobreviver em vez de viver. Temos esta ideia de que a vida tem um padrão, mas costumo dizer que existem tantas vidas como estrelas no céu. É totalmente diferente. Não há vidas certas ou erradas, melhores ou piores. Temos mas é a tendência da comparação. Se vivermos a nossa é tudo muito mais fácil.

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