Da poderosa Mumadona Dias, uma condessa que contribuiu para que Guimarães se tornasse o mais importante centro do condado, passando por Miquelina Sardinha, uma anarquista lutadora, ou Cândida Branca Flor, que “representou o lado pouco conhecido da vida de um artista”, “100 Portuguesas com História” dá a conhecer a vida de uma centena de mulheres que fizeram a diferença no seu tempo e marcaram a história de Portugal.

Foram precisos quatro anos para que Anabela Natário, jornalista e autora do livro, reunisse informações sobre estas portuguesas e, assim, “dar uma ideia de Portugal nos vários tempos”.

De onde surgiu a ideia de fazer uma compilação de várias biografias só de mulheres portuguesas?
Havia muito poucas biografias de mulheres portuguesas. Até há bem pouco tempo, cada vez que encontrávamos um livro portugueses tínhamos uma ou duas mulheres e normalmente eram sempre as mesmas. Isso levou-me a pensar que seria interessante dar a conhecer outras portuguesas que existiram e que contribuíram para a nossa história.


Reuniu informações de centenas de mulheres, como chegou a esta seleção?

A minha ideia era falar de algumas portuguesas conhecidas, obviamente, mas também dar a conhecer outras. Algumas das mulheres que escolhi distinguem-se apenas porque no seu próprio quotidiano tentaram fazer coisas diferentes. Não quer dizer que sejam rainhas, princesas ou empresárias. Algumas são até quase comuns mas têm algo de diferente.


Nesta coleção, dividida por séculos (do X ao XX), só conta a história de mulheres que já morreram.

Não sou historiadora, sou jornalista. Por isso a ideia era atuar como jornalista do passado. Quis tentar encontrar documentos escritos nas mais variadas épocas, onde aparecessem informações sobre mulheres.
Tenho uma lista de mais de 600 mulheres que poderia utilizar. Reuni uma série de coisas que estavam dispersas sobre elas e construi pequenos textos de um ponto de vista um pouco diferente. Estive mais preocupada em contar as suas histórias enquanto pessoas e não só a perspetiva histórica. Vida familiar, vida profissional…quis trazer um pouco mais o lado emocional do que propriamente a história fria que aprendemos na escola.


Destas 100 mulheres, quais as surpreenderam mais?

Quase todas me surpreenderam, mesmo figuras mais conhecidas, porque fui desencantar coisas que não conhecia.
Por exemplo, a Rainha Santa Isabel - que normalmente aparece sempre nas biografias como a Inês de Castro ou a Amália Rodrigues e que eu não deixaria de fazer também – achei interessante saber que ela fazia política e que chegou a entrar num campo de batalha para ver se impedia uma guerra entre pai e filho e isso realmente não é contado.
Verifiquei também que as rainhas engravidavam todos os anos. Não temos essas percepção porque muitos dos filhos morriam, mas foi uma das coisas que me impressionou. Não viviam muito e nesse curto espaço de tempo estavam quase sempre grávidas, é impressionante. No meio disso tudo, faziam outras coisas.
Também a Mumadona Dias, a primeira mulher do meu livro, era uma mulher fabulosa. Era uma condessa do séc. XI que herdou uma fortuna. Passou a ser dona do que é hoje o norte de Portugal e, naquela altura, desenvolveu os negócios do marido, tomava conta dos vários filhos e tinha um pulso de ferro. Quem mandava era ela.
Miquelina Sardinha – dos primeiros anos do séc. XX – foi uma anarquista e deve ter sido a nossa primeira anarquista. Já nessa altura ela defendia muitas das ideias que viriam a ser de fim de século.


Mas também contou a história de mulheres mais conhecidas.

Sim, também falo da Sofia de Mello Breyner, Vieira da Silva, Amália Rodrigues ou da Maria Isabel Aboim Inglês, uma antifascista que o regime quis reprimir. Era viúva, com cinco filhos, e sempre lutou pelo que defendia.
A Cândida Maria Coelho Soares Rosado ou Cândida Branca Flor, foi outra mulher que me impressionou. Ela representa, nos anos 70 e 80, um modo de vida, o mundo da canção. Teve êxito, é verdade, mas teve sempre uma vida perturbada.
Acabou por se suicidar, desesperada, porque fez um balanço da vida e achou que não lhe valeu de nada. Representou o lado pouco conhecido da vida de um artista e ninguém percebe que os artistas também são seres humanos.


Depois de anos de pesquisa, como vê o papel das mulheres na história de Portugal?

A conclusão a que eu chego é que o papel das mulheres é equiparado ao dos homens, mas a história sempre foi escrita por homens e o papel da mulher não tinha tanta importância.
Houve épocas, até mais recuadas, em que a mulher era mais livre e com a evolução dos tempos, volta a estar outra vez muito presa, e até em tempos muito mais próximos do nosso. Por isso tentei dar uma ideia de Portugal nos vários tempos.
Este é um livro que se pode ir lendo mas, hipoteticamente, se lêssemos tudo de repente, ficávamos com uma panorâmica da história de Portugal através das mulheres.

Texto: Rita Afonso