Retratos Contados: A Isabel tem sete irmãos. Que recordações tem sua infância com os seus irmão
I.S.: Tenho tantas. Eu acho que os irmãos são a melhor herança que os nossos pais nos podem dar!
Às vezes vejo as pessoas tão preocupadas… É verdade, uma creche custa imenso dinheiro, duas custam o dobro. O jardim-de-infância, a escola, tudo custa muito dinheiro e não se pode ter muitos filhos. Temos vivido anos de crise, mas independentemente disso tudo, pensamos que vale a pena ter um filho para lhe darmos tudo e, na realidade, a melhor coisa que lhe podemos dar são os irmãos, porque os irmãos são o repositório de memórias comum! Quanto mais envelheço mais valor dou a isso.
Depois, ao longo da vida, numa casa com sete irmãos há a aprendizagem. Como conseguir que a minha irmã me empreste umas calças para ir a uma festa; Como vencer o conflito com o mais velho aliando-me com o mais novo…Há todo um tubo de ensaio do que é a sociedade. Acho que a pessoa sai para a vida muito mais preparada. É preciso muita democracia para aprender a ceder, para aprender a conquistar, para aprender a esconder certas coisas dos pais.
R.C.: Pode-se dizer que o maior desafio da Isabel como neta foi tentar agradar aos seus avós?
I.S.: No caso da minha avó paterna, sim! Acho que houve muito essa tentativa, mas depois, a certa altura, desiste-se.
R.C.: Recorda-se do dia em os seus pais souberam que iam ser avós pela primeira vez?
I.S.: Eu lembro-me muito bem quando souberam que iam ser avós pela primeira vez, e a ideia de ser tia foi uma coisa… Encantadora!
Eu fui tia, tinha treze anos, dividi o meu sobrinho com as outras meninas da minha turma. Ainda nenhuma tinha sobrinhos e foi muito engraçado.
A minha mãe era uma avó fantástica. Curiosamente, os meus filhos e todos os meus sobrinhos chamaram à minha mãe “avó Grany” para distingui-la da avó deles portuguesa.
R.C.: Como recorda a “avó Grany”?
I.S.: A avó Grany era muito meiga com eles! Muito mais meiga com eles do que se calhar tinha sido com os filhos. Ela teve vinte e um netos.
Existe uma história que eu acho engraçadíssima, embora triste e dramática. Já muito velhinha, quando estava no hospital Pulido Valente, ao lado havia uma senhora que só tinha uma filha. Enquanto a minha mãe tinha visitas dos netos quase todos os dias (um vinha dar o almoço, outro vinha dar o jantar), a senhora, coitadinha, só tinha uma filha. A minha mãe, que parecia ter perdido o filtro com a idade, virava-se para a senhora e dizia: “Só teve uma filha? Olhe, na altura devia ter pensado”
R.C: E a relação do seu pai com os netos?
I.S.: O meu pai era um contador de histórias.Era um homem cheio de sentido de humor, encantador e morreu muito novo, tinha setenta e cinco anos. Morreu com Parkinson e um cancro. O meu filho mais velho e os meus sobrinhos lembram-se muito bem dele. O meu pai era aquele homem que levava-os a passear, que lhes ensinava–lhes o nome das árvores, das plantas…
O nome da minha mãe, é ligado a texugos em inglês é” broke house “ e então o meu pai levava o meu filho e os meus sobrinhos ,deitava-os numa mata, numa floresta ,a ver se viam os primos sair dos buracos das toupeiras. Portanto, era um homem cheio de imaginação, e criatividade. Penso que mesmo passando pouco tempo na vida dos meus filhos, o meu pai marcou-os imenso.
R.C.: E qual é que é a melhor herança que pensa vir a deixar aos seus netos ?I.S.: Gostava muito que eles herdassem a capacidade de se rirem de si próprios, a capacidade de verem a vida com otimismo e humor. A capacidade de perceberem que estes laços que vêem de trás são importantes e que nós somos um elo numa cadeia muito longa. O Eduardo de Sá costuma dizer que uma das grandes coisas de ouvirmos os nossos avós falar é o facto de percebermos que somos tão pequeninos no Universo e que não é tudo… o mundo não começou connosco e não vai acabar connosco.
Eu gostava que os meus netos percebessem isso, que são o elo duma cadeia…duma cadeia antiga, duma cadeia que vem já do Adão e Eva e uma cadeia sobretudo que pode, contribuir para melhorar cada vez mais o mundo.
R.C.: Tem vários romances históricos publicados, todos eles com imenso sucesso, todos estes romances são relacionados com mulheres que fazem parte da história de Portugal.
Das pesquisas que tem feito para elaborar esses livros, quem foram estas netas? Qual foi o papel destas mulheres como avós?
I.S.: A longevidade era relativamente curta! Portanto, eu acho que muitos destes não conheceram avós…
Mas estou-me a lembrar de Dona Teresa sobre a qual escrevi agora, que sabemos pelas datas…com certeza teve os netos, (os filhos das filhas mais velhas) ao colo. Sabemos pela História que foram mulheres também muito determinadas e quando nós pensamos assim no passado, na verdade percebemos que nós todos somos descendentes destas mulheres e hoje Depois muitas morreram muito cedo. Dona Maria II morreu no parto, Dona Filipa morreu quando o filho mais novo tinha catorze anos e portanto não teve netos, Dona Amélia também não teve netos…
A Isabel de Borgonha é fantástica, é a única filha, a única mulher da ínclita geração e que é uma mulher importantíssima porque casa com o Duque de Borgonha só aos trinta e dois anos e torna-se uma das mulheres mais poderosas da Idade Média e o que é extraordinário Descobri que há teses de doutoramento sobre a Isabel de Borgonha , Isabel de Aviz, Lancaster de Aviz de Borgonha e ela foi de facto uma mulher muito inteligente, uma mulher que organizou as finanças, que pôs pela primeira vez as moedas com câmbios entre vários países, que fez um papel de ministro das finanças da Borgonha, que era um estado riquíssimo e nós sabemos tão pouco dela, e ela tem um filho, só um, que sobrevive que é um mimado, eu acho que é um mimado, que ela o estragou no sentido que estávamos a falar, estragou-o um bocadinho.
Mas depois tem uma neta que é a Maria, que depois vem a ser Duquesa de Borgonha e ela tem uma ligação fortíssima com a neta. A neta mais ou menos é criada com ela e a neta até durante muito tempo é sempre onde está uma está outra.
R.C.: E porquê escreve sobre as mulheres da monarquia? Porquê esse gosto pela monarquia? Tem a ver com a sua veia inglesa?
I.S.: Não, não, eu não, eu não tenho nenhuma veneração pela monarquia, pelo contrário! Obviamente que acho que os países que hoje têm monarquias constitucionais são países que conseguiram fazer uma transição, muito mais evoluídos, com democracias muito sólidas e bem sustentados.
Portanto, não tenho nada contra a monarquia nesse sentido, mas são monarquias constitucionais onde objetivamente o rei ou a rainha são figuras de proa e de estado, mas não são figuras de influência no dia-a-dia.
R.C.: São figuras representativas do país…I.S.: Hoje seria incapaz de imaginar por exemplo numa monarquia não constitucional, mas mesmo numa constitucional, estar conformada a ter o filho de um homem no poder sucessivamente sem que eu tivesse controlo sem que o povo pudesse votar e escolher quem é que o representa.
Quando comecei a escrever os romances históricos, não foi nada no sentido de exaltação da monarquia! Mas sim na exaltação de Portugal, e Portugal teve uma monarquia…
Sobretudo foi no sentido de que a nossa História tem que se aproximar de nós! Estas mulheres, são as mulheres sobre as quais há muitas vezes mais informação porque a mulher comum não tinha nem diários, nem cartas, nem cronistas a escrever sobre ela.
R.C.: E tudo começou com…
I.S.: Começou com a Filipa de Lencastre por um acaso… Eu acho que foi o meu inconsciente a falar porque quando eu percebi tinha lógica por razões racionais. A primeira é porque era a única princesa inglesa que tinha sido rainha de Portugal. Portanto, na minha família falava-se obviamente sobre ela. Em segundo lugar eu tinha estado em História na faculdade, só no primeiro ano, depois mudei para Comunicação, mas tinha percebido que as fontes, são muito francesas e portanto imaginei naquele segundo que as inglesas estariam menos estudadas e depois pensei que para investigar na Inglaterra eu tinha os meus irmãos a viver lá e podia ser mais fácil, e portanto foi assim.
R.C.: É um grande legado que nos deixa a todos. É muito importante que essas histórias nunca sejam esquecidas. Aliás, no fundo também é aquilo que tentamos fazer com os Retratos Contados. Fazer com que as figuras do passado venham para as gerações do presente, senão daqui a uns anos ninguém os recorda…
I.S.: Exatamente, e tudo se esquece num instante e a voragem de desaparecer coisas é muito maior hoje do que era no tempo dos nossos avós porque eles guardavam as cartinhas com um lacinho à volta, etc. Nós dizemos “ah está tudo no computador”, mas amanhã o computador avaria-se … e perdemos tudo!
R.C.: Mesmo as cartas que a Isabel trocava com a sua avó, provavelmente ainda as tem guardadas.
Já as mensagens que irá trocar com as suas netas …
I.S.: Claro! E as mensagens que vou trocar com as minha netas pelo telemóvel vão acabar por se perderem …
Não percam em breve a 3º e última parte da entrevista
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