Em Lisboa, um simples autocolante pode acender uma ideia. Pelo menos foi assim com Michèle Fajtmann. Chegada à cidade meses antes da pandemia estalar, depois de 16 anos em Londres e uma carreira como advogada internacional, o seu olhar curioso deparou-se com um discreto autocolante no seu bairro de residência que dizia: Santos Design District. Para muitos, seria apenas um nome de bairro.

Em 2019, Michèle trazia consigo uma experiência acumulada na organização de eventos artísticos ligados à cidade e ao espaço urbano, através da sua empresa From My City. Ao explorar Lisboa a pé — como fazia em Londres — percebeu que havia uma oferta cultural rica, com boas exposições, museus e galerias, mas pouco público. Essa constatação, aliada ao olhar de quem vem de fora, foi o ponto de partida para uma missão: dar visibilidade ao design em Lisboa, não como produto, mas como cultura, identidade e possibilidade de reencontro com o território.

É nesse espírito que regressa a Lisbon Design Week (LDW), de 28 de maio a 1 de junho, agora na sua terceira edição, com uma presença já incontornável na paisagem criativa da cidade. Mais do que um festival, é uma ocupação sensível da cidade por quem a habita, pensa e transforma com as mãos, os chamados “makers”. Este ano, são mais de 250 criadores envolvidos em mais de 95 espaços, de estúdios e galerias a hotéis e espaços públicos, com destaque para a expansão a novos bairros como Ajuda, Belém, Restelo, Marvila e Beato, zonas historicamente afastadas dos circuitos culturais centrais.

A cidade como matéria-prima

Para Michèle, a cidade é o ponto de partida. “O meu foco foi sempre a ativação da cidade”, afirma ao SAPO Lifestyle. Mas ativar, neste caso, não é programar eventos por programar. É escutar, ligar, pôr pessoas a falar: criadores com comerciantes, designers com artesãos, públicos com ideias. O que distingue a LDW de outras semanas de design europeias, segundo a fundadora, é precisamente essa escala humana: “Aqui, podemos encontrar os artesãos nos seus ateliers, ver os processos, perceber as histórias por detrás dos objetos.”

Lisbon Design Week: quando o design devolve sentido à cidade
Lisbon Design Week: quando o design devolve sentido à cidade Luso Collective Lowres créditos: © Irina Boersma Machado

Este ano, o evento investe ainda mais na dimensão cultural e comunitária. A exposição “Sobre Mesa”, com curadoria do estúdio espanhol MUT Design e do designer português João Xará, propõe uma reflexão sobre o ato de estar à mesa, uma herança ibérica profundamente humana, que transcende modas e tendências. Já a exposição da Young Design Generation, em parceria com o MUDE, dá palco a 20 jovens talentos escolhidos entre 157 candidaturas. A programação inclui ainda conversas abertas sobre design enquanto ferramenta de leitura do mundo, herança e futuro.

Mais do que coleções ou lançamentos, o que está em causa é a produção de pensamento.

Uma plataforma que vive para além do festival

Este ano, a LDW estreia uma nova plataforma digital: um site interativo que funciona como uma aplicação no telemóvel, com funcionalidades como criação de roteiros personalizados, favoritos, filtros e, sobretudo, uma base de dados viva dos criadores. “Não é só para os cinco dias do festival. É uma montra que pode ligar designers a clientes meses depois”, explica. A ferramenta foi desenvolvida pela equipa responsável por plataformas como os Encontros de Fotografia de Arles e os Guias Louis Vuitton e afirma a intenção de prolongar o impacto da LDW no tempo.

Para a responsável, não se trata apenas de eventos e sim de criar ecossistemas. “Tivemos casos de pessoas que abriram espaços depois de conhecerem designers através do site”, diz. Esta ligação orgânica entre cidade e criatividade é, aliás, o verdadeiro motor do projeto.

Apesar de ter vivido em Nova Iorque, Varsóvia, Londres e Bruxelas, Michèle recusa importar modelos. “Cada país é diferente. Nunca quis copiar Londres. O que quis foi entender Lisboa.” E talvez tenha sido esse respeito, quase etnográfico, pela cidade e pelos seus criadores que permitiu à LDW florescer de forma tão sólida, ainda sem grandes patrocínios, mas com uma rede crescente de confiança e colaboração.

A curadoria deste ano reflete essa visão: uma mistura propositada entre nomes consagrados e projetos experimentais. “Queremos que quem tem mais experiência inspire os mais novos, e que os mais novos desafiem os mais estabelecidos. É um contágio”, resume. A LDW não é uma montra de vaidades; é um exercício de comunidade.

Lisboa é criativa, mas ainda é preciso dizê-lo

Lisbon Design Week: quando o design devolve sentido à cidade
Lisbon Design Week: quando o design devolve sentido à cidade créditos: Divulgação

“Lisboa é uma cidade criativa, mas ainda não é óbvio onde encontrar essa criatividade”, alerta. Falta concentração, faltam estruturas, faltam políticas públicas que reconheçam o design como setor económico e cultural relevante. “Em Londres, há um departamento específico para o design. Aqui, nem estudos sobre o impacto económico existem.” A LDW quer contribuir para mudar isso.

E fá-lo de forma prática, conectando criadores e visitantes, promovendo colaborações com instituições como o MUDE, com apoio internacional (França e Espanha marcam presença este ano) e, acima de tudo, criando um sentimento de pertença e continuidade.

No final, o que Michèle Fajtmann deseja para esta edição não é um prémio nem uma manchete, é um legado. “Gostava que se reconhecesse o potencial do setor e da mistura única que aqui existe: designers portugueses e estrangeiros que escolheram viver e criar em Lisboa.” É essa diversidade de perspetivas, metodologias e linguagens que pode, segundo ela, reforçar o design português e projetá-lo para o futuro.

E talvez seja esse o maior mérito da Lisbon Design Week: mostrar que o design não é apenas uma questão de forma. É essencialmente um modo de estar, pensar e viver a cidade.