Nesta crónica, não vou falar de um jardim mas sim de uma inesperada horta encaixada
dentro de um jardim.
Inesperada, porque está situada, não numa área rural, mas em plena Quinta da Marinha, em Cascais, entre casas sofisticadas, um pinhal e um campo de golfe.
A visão insólita desta horta, na sua simplicidade, recorda-nos que fácil que é, para quem tem uma área disponível, cultivar algumas
das coisas que levamos para a nossa mesa.
A sua proprietária é Mercedes Balsemão, que não esteve com meias medidas. Com uma família numerosa, resolveu aproveitar uma parte menos nobre do jardim, nas traseiras da casa, para nela instalar esta horta urbana que disputa o terreno disponível com relvados, árvores e canteiros de flores.
Instalada em cerca de 400 m2, a horta é suficientemente
grande para abastecer a casa, e já tem uma grande variedade de produtos: couves, cebolas, cenouras, feijão verde, tomate, beterraba, couve-flor, alfaces, repolhos e brócolos.
Muito bem tratada pelas mãos do Sr. Carlos, esta horta é completamente biológica, sem recorrer a tratamentos químicos, e com compostagem feita no local.
Uma horta dá trabalho a cultivar, mas a verdade é que, além de nos aliviar a bolsa, nos faz redescobrir
os sabores dos produtos naturais, consumidos completamente frescos, sem auxílio de frigoríficos e sem os efeitos nefastos dos pesticidas.
Sempre que vou a Roriz, a nossa quinta no Douro, trago o carro atulhado de batatas, laranjas, tomates, cerejas, couves, marmelos, cebolas e afins, dependendo da estação do ano.
E se o faço, não é apenas por uma questão de poupança mas porque, cá em casa, gostamos de matéria-prima de qualidade e os produtos da horta e do pomar da Quinta sabem-nos muitíssimo
melhor do que aquilo que compramos nos supermercados de Lisboa.
O tomate da quinta, por exemplo, é feíssimo, disforme e enorme, mas é uma verdadeira delícia.
Muito encarnado por dentro e muito sumarento, sabe ao tomate de que me lembro na minha infância, proveniente da Quinta dos meus Avós, esta perto de Viseu, na Beira Alta.
Infelizmente, nós, os citadinos, vamo-nos habituando a estas frutas e legumes, muito bonitos e calibrados, todos irmãos gémeos uns dos outros, provenientes de partes longínquas (laranjas do Chile!) mas de fraco sabor, o que é pena.
Veja na página seguinte: O preço a pagar pelo luxo de ter uma horta em casa
O luxo de termos toda a variedade que queremos, em qualquer
altura do ano (tomate em Dezembro!), paga-se bem caro se estabelecermos comparações com o sabor dos produtos provenientes de uma horta, na estação própria e consumidos na altura.
Não há nada que chegue ao gosto das coisas da terra, cultivadas e tratadas à mão, sem hormonas, fertilizantes, pesticidas e câmaras frigoríficas.
O hipermercado pode ser muito cómodo e prático, mas como matéria prima gastronómica de frescos deixa muito a desejar.
Pela parte que me toca, aqui há uns anos decidi plantar no meu jardim um micro pomar (são apenas 16 árvores), numa tentativa de ter em casa fruta de qualidade. Consegui ameixas, alperces, figos, limões, laranjas, romãs, tangerinas e nêsperas, pouco elegantes e diferentes entre si, mas deliciosos.
Um pequeno pomar não dá fruta todo o ano mas, estação a estação, a que se consegue obter dá muito mais gozo e gosto a comer e, se a produção for em grande quantidade, como já aconteceu cá em casa, porque não fazer compotas caseiras, bem biológicas, sem corantes nem conservantes? A crise já chegou e é uma boa desculpa para exercitarmos os nossos talentos noutras áreas que não a jardinagem.
Texto: Vera Nobre da Costa
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