Vedānta é o ensinamento da realidade de cada um. É através de um inquérito que o verdadeiro significado da palavra EU é descoberto, esse Eu que permanece imutável desde criança até à velhice. Isto leva cada um de nós a descobrir que este imutável EU é livre de qualquer forma de limitação. Para reconhecer e deter esta totalidade é preciso uma mente preparada. Para aquele que tem uma mente não preparada, Vedānta é como cálculo aritmético para uma pessoa que ainda está a aprender matemática básica. Em Vedānta, a mente preparada é aquela que tem, numa quantidade relativa, aquilo que precisa de ser descoberto num sentido absoluto. Se o EU é contentamento absoluto, então a mente do aspirante deverá ser relativamente contente. Se o EU é amor absoluto, então o aspirante deverá ser uma pessoa relativamente amorosa, uma pessoa que aceita com contentamento as pessoas e as coisas como são.
Para se obter uma mente assim, está implicado o reconhecimento, a importância e a compreensão de certos valores e atitudes. Por exemplo acomodar os outros é um desses valores. De facto, a raiva é devida à falta de acomodação. Se espera que o mundo seja de acordo com a sua preferência, então é a sua própria expectativa que lhe trás raiva. Acomodação é compreender que a outra pessoa se comporta de determinada forma porque tem um passado, está condicionada por ele. Você não tem o direito de esperar alguma coisa diferente de alguém por causa das suas necessidades. Se pensa que tem o direito de pedir a alguém para mudar, então essa pessoa tem igualmente o direito de lhe pedir para a deixar viver da forma que quer. De facto, só através da acomodação dos outros, de os deixar ser como são, é que se ganha uma liberdade relativa no dia-a-dia.
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De muitas maneiras, todos nós interferimos na vida de todos. Todas as pessoas criam um efeito global com as suas acções. Normalmente olhamos para as coisas com uma perspectiva pequena, e descobrirmos que a pessoa com a qual estamos zangados aparece como uma miragem perante nós. De facto, nunca estamos livres da influência das pessoas ou das forças do universo; nem podemos fazer uma acção sem afectar terceiros. Até as nossas frases vão afectar terceiros. Por isso, a nossa liberdade precisa de incluir o facto de que estamos todos inter-relacionados.
Até o Swami não está livre. Um casal passou por mim quando estava no jardim zoológico, e o homem disse à sua companheira, “olha para este”. Eu era esse, com as roupas estranhas que estava a ser comentado. As pessoas às vezes fazem estes comentários. Eu tento não incomodar as pessoas, mas parece que as minhas roupas, os trajes tradicionais de um renunciante, causam uma ligeira perturbação. Eu tomei uma decisão, e vai definitivamente afectar terceiros. Se estou perturbado pelos comentários dos outros, então só tenho a liberdade que os outros me garantem. Contudo, se reverto o processo, se concedo aos outros a liberdade para serem como são, até esse ponto relativo eu sou livre. Por isso não discuto com eles. A minha liberdade é a liberdade que dou aos outros para terem uma opinião de mim, que é diferente do facto propriamente dito. De facto há benefícios em acomodar os outros como eles são.
Se alguém faz um comentário a seu respeito, permita que o faça. Se o comentário não é verdade, você normalmente tenta justificar as suas acções e tenta provar que o comentador estava errado. Se você for uma pessoa objectiva, você tentará ver se há alguma verdade na crítica. Se a crítica foi para o deitar para baixo em prol da segurança dele, dê a liberdade para que isso aconteça, e essa será a sua liberdade. Que aperto poderá você dar a um cinto se este não tem buracos? O mundo só pode incomodar você até ao ponto em que você permite que ele o incomode. Você não permite que o mundo lhe cause incómodo, se der liberdade para que o mundo seja como é, dentro dos limites sociais. Ao mudar-se totalmente a si desta forma, você ganha, de acordo com o seu valor de acomodação, relativa liberdade e contentamento interiores.
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Ao praticar acomodação, você harmoniza-se psicologicamente consigo, harmoniza-se com a sua personalidade. É a isto que nos chamamos yoga-sādhana (pratica de yoga). Olhe para as situações, para as pessoas e eventos da sua vida que a perturbaram no passado. Elas não são apenas memórias, mas reminiscências de reacções. A reacção não é algo que você faça conscientemente. Você não consegue conscientemente ficar zangado, pois a raiva não é uma acção mas uma reacção que acontece sem o seu controlo. As reacções criam um impacto em si e passam a fazer parte da sua psique. Elas são aspectos da personalidade. De facto, elas são falsas, nascidas da falta de atenção da sua parte. A memória em si não é desagradável. A sensação desagradável surge na mente, por causa de reacções e emoções crónicas e persistentes, que parecem ter-se tornado reais. Assim sendo, lembre-se desses momentos e pessoas que lhe causaram dor. Talvez você carregue culpa de alguma dor que tenha causado a alguém. No assento da meditação, chame-as a si e deixe-as ser como elas são. Com paciência ver-se-á livre de todos esses resíduos das emoções.
Quando você olha para o céu azul e para as estrelas, ou os pássaros e as montanhas, você não tem queixas acerca deles e é feliz. Você vê as rochas no leito do rio; elas não fizerem nada para a agradar. No entanto você está contente porque as aceita como são, e por isso sente satisfação. O rio corre na forma que corre; isso não trás perturbação, se você não desejar que a sua magnitude seja maior, ou que ele flua noutro sentido. De facto, você procura lugares na natureza, pois estes não invocam em si a pessoa insatisfeita, zangada, a pessoa difícil de agradar que você pensa parecer ser. Eles não atingem a faceta exigente da pessoa. Dessa forma. Você torna-se um com a situação, um ser acomodado, sem a necessidade que o mundo faça algo para agradar.
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Deste modo, você é uma pessoa satisfeita com referência a algumas coisas. É a ferramenta que você tem que criar para si. Quando vai para as montanhas, estas nada fazem para serem agradáveis para si, mas você vê-se com uma agradável satisfação. Observe como consegue essa satisfação e traga essa pessoa satisfeita para lidar com todas as situações e pessoas que lhe causaram perturbação ou desconforto, num ou noutro momento. Depois olhe para si da mesma forma que olha para a natureza. Aceite os outros como aceita as estrelas. Reze por mudança se pensa que você ou os outros precisam de mudança e faça o que for preciso para a promover. Mas primeiro aceite os outros. Só desta forma é realmente possível mudar-se. Aceite os outros totalmente e você será livre; depois descobrirá amor, que é você.
por: Svāmi Dayānanda Sarasvatī
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