Carma e Darma
Por: Dimitri Camiloto

Imagine um rio no seu caminho para o mar. Aliás, pense em vários rios, todos os rios do mundo, cada qual com seu curso, ora mais lento, ora mais rápido. Em determinados trechos, pedras, curvas tortuosas, descidas radicais e até troncos boiando, em outros tudo fluindo muito facilmente, sem acidentes geográficos ou intromissões. Às vezes, um rio encontra outro e, então, formam um terceiro rio. Em alguns casos, mais rios ainda se juntam no meio do caminho. O destino, é sempre o mesmo: o mar ou um lago.

Assim como o curso de um rio vai necessariamente da nascente ao mar ou a um lago, o destino das pessoas vai do nascimento à morte, isto é um fato inquestionável. Porém, ao longo do caminho, os diferentes rios enfrentam situações diferentes, para as quais terão “soluções diferentes”. Isto é o livre-arbítrio.

A expressão “Carma” é cada vez mais utilizada por nós, no Brasil e nos demais países de língua portuguesa, ainda que seja um conceito religioso do Budismo e do Hinduísmo. Porém, o seu uso vem sendo indiscriminado e sem o rigor que um assunto tão profundo exige. O propósito deste artigo é esclarecer pontos fundamentais na relação Carma/Darma e livre-arbítrio/destino, sem a pretensão de esgotar o assunto.

Carma (ou “Karma”) é uma palavra do idioma sânscrito que há pouco mais de cem anos começou a ser empregada de maneira constante no Ocidente, principalmente pelas correntes da Teosofia e do Espiritismo. Com o advento do movimento New Age/Nova Era nos anos 60 e 70 do século passado, o seu uso se popularizou ainda mais.

Veja na próxima página a continuação do artigo...

Basicamente, a ideia de Carma alude nossas ações e as consequências que delas derivam: assim como na física, "para toda ação existe uma reação de força equivalente em sentido contrário". Colhemos aquilo que plantamos, temos o nosso livre-arbítrio. Se praticamos o bem, recebemos o bem de volta e, se praticamos o mal, ele retornará a nós na mesma intensidade. Ou seja, nós forjamos o nosso destino.

Portanto, está errada a noção pejorativa de Carma que circula em países como o Brasil, segundo a qual se trataria de algo necessariamente ruim. Na verdade, o Carma representa um lastro, uma bagagem adquirida nesta e em outras vidas, por nós e por nossos antepassados. O emprego da expressão está diretamente ligado ao pressuposto da reencarnação.

Para o Budismo, Carma é “ato”, “ação”, daí a mensagem fundamental de que motivações e atitudes íntegras, honestas e dignas são o caminho para o desenvolvimento espiritual e uma vida mais plena. Deste modo, as ações empregadas no passado são causa direta da vida que se leva no momento presente. O esforço consciente (ou não) na direção da generosidade, da correção e da virtude implica na libertação do espírito de condicionamentos vulgares e numa bagagem de qualidades lapidadas que facilitam e tornam mais agradável as encarnações seguintes.

Por outro lado, quando o lastro ou a carga é ruim, pesada, a bagagem torna-se um fardo e não adianta querer jogá-la pela janela - é preciso “abrir a mala” e encarar o desequilíbrio de frente, pois varrer a sujeira para baixo do tapete é mentir para si mesmo e postergar o próprio crescimento espiritual. Negligenciar erros e insistir em mantê-los no limbo do inconsciente é mais nocivo do que propriamente o ato de errar. Temos aqui, novamente, a relação entre escolha e consequência.

Veja na próxima página a continuação do artigo...

Contudo, independente da sua semeadura anterior ter sido boa ou não, há o Darma. Ele corresponde a uma gama de experiências diametralmente opostas às que foram vividas no Carma, pois a alma não pode se acomodar re-vivendo aquilo que ela já conhece. Assim, qual seja o “peso” da sua bagagem, cada encarnação estará sempre lhe propondo uma série de novidades que, justamente por serem inéditas, exigem que o espírito saia da sua zona de conforto, largue a bengala da segurança do caminho conhecido e busque se aventurar em um novo terreno, uma nova realidade, novas experiências. Isto ocorre porque assim a alma não se acomoda, vai na direção de outros aprendizados e segue se aperfeiçoando ao longo das sucessivas encarnações para, assim, um dia não ter mais a necessidade de retornar a este plano terreno e tornar-se parte, enfim, de uma dimensão superior.

Isto é de suma importância porque, ainda que tenhamos um lastro de benefícios advindos de uma conduta espiritualmente elevada, nunca estamos prontos – ou melhor, ainda não estamos -, é preciso continuar aprendendo e se aperfeiçoando, em direções diferentes daquelas a que estávamos acostumados. O Darma (ou Dharma) é o grande ensinamento e a verdade de cada indivíduo pois é ele quem aponta o caminho da libertação do espírito do aprisionamento terreno (ou da Roda das Samsaras), já que o destino da alma é transcender definitivamente a vida mundana e fundir-se no Todo, no Cosmo. Como o rio, quando chega ao lago ou ao mar.

Veja na próxima página a continuação do artigo...

A ponte entre o Carma e o Darma representa sempre, portanto, o caminho para uma verdade maior, verdade esta que é subjacente à trajetória particular de cada alma específica e que condiciona o futuro às ações e decisões do presente. Esta é uma ponte segundo a qual deveres e direitos norteiam uma tarefa espiritual que é, antes de tudo, a obra de si mesmo.

Um ponto importante e que não pode ser negligenciado diz respeito ao fato de que o eixo espiritual representado pelo Carma e pelo Darma não se dá apenas no âmbito individual, mas pode adquirir também significação coletiva quando envolve grupos familiares, regiões, nações e países inteiros ou mesmo o planeta.

O Carma, portanto, existe em função de escolhas que fizemos no passado, através do nosso livre-arbítrio, com consequências para o momento presente. O Darma, ao contrário, é o destino que a alma humana tem de sempre estar se aperfeiçoando, pedindo uma atitude engajada em sua direção, tendo por base o livre-arbítrio. E, ao longo desse caminho ora tortuoso ora sublime, há a necessidade de autoconhecimento e consciência.