Carma e Darma
Por: Dimitri Camiloto
Assim como o curso de um rio vai necessariamente da nascente ao mar ou a um lago, o destino das pessoas vai do nascimento à morte, isto é um fato inquestionável. Porém, ao longo do caminho, os diferentes rios enfrentam situações diferentes, para as quais terão “soluções diferentes”. Isto é o livre-arbítrio.
A expressão “Carma” é cada vez mais utilizada por nós, no Brasil e nos demais países de língua portuguesa, ainda que seja um conceito religioso do Budismo e do Hinduísmo. Porém, o seu uso vem sendo indiscriminado e sem o rigor que um assunto tão profundo exige. O propósito deste artigo é esclarecer pontos fundamentais na relação Carma/Darma e livre-arbítrio/destino, sem a pretensão de esgotar o assunto.
Carma (ou “Karma”) é uma palavra do idioma sânscrito que há pouco mais de cem anos começou a ser empregada de maneira constante no Ocidente, principalmente pelas correntes da Teosofia e do Espiritismo. Com o advento do movimento New Age/Nova Era nos anos 60 e 70 do século passado, o seu uso se popularizou ainda mais.
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Basicamente, a ideia de Carma alude nossas ações e as consequências que delas derivam: assim como na física, "para toda ação existe uma reação de força equivalente em sentido contrário". Colhemos aquilo que plantamos, temos o nosso livre-arbítrio. Se praticamos o bem, recebemos o bem de volta e, se praticamos o mal, ele retornará a nós na mesma intensidade. Ou seja, nós forjamos o nosso destino.
Portanto, está errada a noção pejorativa de Carma que circula em países como o Brasil, segundo a qual se trataria de algo necessariamente ruim. Na verdade, o Carma representa um lastro, uma bagagem adquirida nesta e em outras vidas, por nós e por nossos antepassados. O emprego da expressão está diretamente ligado ao pressuposto da reencarnação.
Para o Budismo, Carma é “ato”, “ação”, daí a mensagem fundamental de que motivações e atitudes íntegras, honestas e dignas são o caminho para o desenvolvimento espiritual e uma vida mais plena. Deste modo, as ações empregadas no passado são causa direta da vida que se leva no momento presente. O esforço consciente (ou não) na direção da generosidade, da correção e da virtude implica na libertação do espírito de condicionamentos vulgares e numa bagagem de qualidades lapidadas que facilitam e tornam mais agradável as encarnações seguintes.
Por outro lado, quando o lastro ou a carga é ruim, pesada, a bagagem torna-se um fardo e não adianta querer jogá-la pela janela - é preciso “abrir a mala” e encarar o desequilíbrio de frente, pois varrer a sujeira para baixo do tapete é mentir para si mesmo e postergar o próprio crescimento espiritual. Negligenciar erros e insistir em mantê-los no limbo do inconsciente é mais nocivo do que propriamente o ato de errar. Temos aqui, novamente, a relação entre escolha e consequência.
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Contudo, independente da sua semeadura anterior ter sido boa ou não, há o Darma. Ele corresponde a uma gama de experiências diametralmente opostas às que foram vividas no Carma, pois a alma não pode se acomodar re-vivendo aquilo que ela já conhece. Assim, qual seja o “peso” da sua bagagem, cada encarnação estará sempre lhe propondo uma série de novidades que, justamente por serem inéditas, exigem que o espírito saia da sua zona de conforto, largue a bengala da segurança do caminho conhecido e busque se aventurar em um novo terreno, uma nova realidade, novas experiências. Isto ocorre porque assim a alma não se acomoda, vai na direção de outros aprendizados e segue se aperfeiçoando ao longo das sucessivas encarnações para, assim, um dia não ter mais a necessidade de retornar a este plano terreno e tornar-se parte, enfim, de uma dimensão superior.
Isto é de suma importância porque, ainda que tenhamos um lastro de benefícios advindos de uma conduta espiritualmente elevada, nunca estamos prontos – ou melhor, ainda não estamos -, é preciso continuar aprendendo e se aperfeiçoando, em direções diferentes daquelas a que estávamos acostumados. O Darma (ou Dharma) é o grande ensinamento e a verdade de cada indivíduo pois é ele quem aponta o caminho da libertação do espírito do aprisionamento terreno (ou da Roda das Samsaras), já que o destino da alma é transcender definitivamente a vida mundana e fundir-se no Todo, no Cosmo. Como o rio, quando chega ao lago ou ao mar.
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A ponte entre o Carma e o Darma representa sempre, portanto, o caminho para uma verdade maior, verdade esta que é subjacente à trajetória particular de cada alma específica e que condiciona o futuro às ações e decisões do presente. Esta é uma ponte segundo a qual deveres e direitos norteiam uma tarefa espiritual que é, antes de tudo, a obra de si mesmo.
Um ponto importante e que não pode ser negligenciado diz respeito ao fato de que o eixo espiritual representado pelo Carma e pelo Darma não se dá apenas no âmbito individual, mas pode adquirir também significação coletiva quando envolve grupos familiares, regiões, nações e países inteiros ou mesmo o planeta.
O Carma, portanto, existe em função de escolhas que fizemos no passado, através do nosso livre-arbítrio, com consequências para o momento presente. O Darma, ao contrário, é o destino que a alma humana tem de sempre estar se aperfeiçoando, pedindo uma atitude engajada em sua direção, tendo por base o livre-arbítrio. E, ao longo desse caminho ora tortuoso ora sublime, há a necessidade de autoconhecimento e consciência.
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